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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


País

E-book revela mapa de votos e desconstrói mitos eleitorais

Tiago Coelho - Do Portal

03/09/2012

 Matheus Vasconcellos

Toda vez que se aproxima a eleição municipal, as forças políticas das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo se mobilizam em busca do apoio dos governos estadual e federal na esperança de que seus respectivos líderes sejam catalisadores de voto para o candidato à prefeitura. Um olhar mais atento para o histórico do quadro eleitoral nas duas cidades, porém, revela que tanto esforço para conseguir ter o governador e o presidente como cabos eleitorais não é garantia de vitória para o postulante a prefeito, como mostra o e-book A geografia do voto nas eleições para prefeito e presidente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, disponível gratuitamente no site da Editora PUC-Rio.

Escrito pelo cientista político Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, em parceria com os pesquisadores Dora Rodrigues Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein, a obra avalia a trajetória dos votos em oito eleições municipais, estaduais e federais no Rio e em São Paulo entre 1996 a 2010. O livro revela que, na maioria das vezes, presidente e governador não conseguem transferir votos aos seus apadrinhados políticos. No cerne da questão, a disputa de forças políticas locais que se sobrepõem às máquinas políticas das esferas do estado e do poder central.Reprodução

No Rio, em uma sequência de sete eleições, de 1985 a 2008, apenas duas vezes um prefeito apoiado pelo governador foi eleito: em 1985, quando Leonel Brizola apoiou Saturnino Braga, e em 2008, ano em que Sérgio Cabral foi cabo eleitoral de Eduardo Paes.

Já em São Paulo, houve apenas um caso no mesmo período: em 2004, quando o governador Geraldo Alckmin apoiou José Serra.

Os presidentes eleitos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva também não conseguiram eleger prefeitos de seus partidos nas duas maiores cidades do país.

Nos dois mandatos que cumpriu de 1994 e 1998, o tucano Fernando Henrique não conseguiu angariar votos para seu correligionário José Serra quando este concorreu à prefeitura paulistana, em 1996, e nem para Geraldo Alckmin, do mesmo partido, que disputou o cargo em 2000.

O presidente Lula, mesmo com os altos índices de popularidade, também não foi capaz de eleger um candidato petista nem no Rio nem em São Paulo. No período em que ocupou o maior cargo executivo do país, seus candidatos a prefeito foram derrotados nas duas capitais: Jorge Bittar (RJ) e Marta Suplicy (SP), em 2004; e em 2008, Alessandro Mollon (RJ) e novamente Marta Suplicy (SP).

Cesar Romero, que lançou o e-book no último dia 29, na PUC-Rio, tem duas explicações para o fenômeno. Uma delas é que as duas cidades possuem forças políticas locais suficientemente fortes para serem quebradas, mesmo por um presidente.

– Em São Paulo há uma hegemonia de uma força política populista de direita, o malufismo, enquanto no Rio a força é de tradição populista de esquerda, o brizolismo. Essas duas correntes são muito fortes localmente. As cinco últimas eleições presidenciais foram entre PT e PSDB, e os dois partidos não conseguiram ultrapassar as barreiras dessas duas forças locais, fortemente identificadas com seus eleitores.

A segunda hipótese levantada por Romero Jacob é a mobilização das forças regionais de oposição para evitar que o candidato apoiado pelo presidente seja eleito:

– O outro lado da história é que as forças políticas locais não querem que o candidato do presidente vença. Elas se opõem ao candidato do presidente, pois este, se eleito, poderia receber investimentos do governo federal e se fortalecer nestas cidades, enfraquecendo os grupos da região. Então as forças de oposição se unem para que o candidato do presidente não seja eleito. É uma estratégia de sobrevivência, assim como acontece no futebol. Se um time passa a ganhar tudo, os outros começam a torcer contra.

O descompasso entre as forças nacionais e locais são, também, responsáveis pelas tradicionais brigas por recursos. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem um longo histórico de rivalidade entre prefeitos, governadores e presidente. Esta queda de braço, somado à transferência da capital para Brasília e à unificação do Estado da Guanabara com o falido Estado do Rio de Janeiro, resultou em anos de falta de investimentos vultosos na cidade, como lembra Romero Jacob:

– A partir de 1982, o Rio iniciou esta tradição em que o prefeito passou a brigar com o governador, que brigava com o presidente. Agora há muita injeção de investimento no Rio porque há uma aliança entre os governos municipal, estadual e federal.

Outro dado do mapeamento feito por Romero Jacob é a falta de “musculatura” dos grupos locais cariocas e paulistanos para disputar as eleições presidenciais. Brizola e Maluf, os principais representantes das maiores forças políticas, conseguiram votações expressivas em 1989, principalmente levando-se em conta que houve 21 candidatos na histórica eleição em que Fernando Collor de Mello saiu eleito. Mas, se são fortemente identificados com o eleitorado do Rio e de São Paulo, nunca chegaram a ter forte votação nacional.

Para turbinar a eleição e vencer nas disputas nacionais, Fernando Henrique e Lula precisaram fazer alianças em outros estados, lembra o cientista político. E, para obter mais recursos, os governos municipais também tiveram que recorrer a alianças com o poder central. Nesta disputa por forças, PT e PSDB acabam se enfraquecendo nas eleições para prefeito:

– Há quatro anos, por exemplo, não interessava a Lula lançar Alessandro Molon (PT-RJ) à prefeitura da cidade. Lula preferiu lançar Eduardo Paes, que, apesar de não ser de seu partido, faz parte do PMDB, que integra a base da coligação do governo federal. Pertencem ao mesmo grupo político. É a força local agindo.

Matheus Vasconcellos Em 150 mapas, A geografia do voto retrata em detalhes onde cada corrente política é mais forte, dependendo da renda, escolaridade e religião.

Em São Paulo, por exemplo, o PT tem força na periferia e nas áreas onde há forte atuação sindical, enquanto o PSDB encontra força em áreas nobres como Morumbi e Jardim Paulista.

No Rio, a população da orla é mais ligada ao PSDB, enquanto a região que o pesquisador chama de “grande Santa Teresa” – Flamengo, Laranjeiras e Botafogo, de um lado; Tijuca, Vila Isabel e Maracanã de outro – tem forte identificação com candidatos mais ligados à esquerda, como Chico Alencar (PSOL), Jandira Feghali (PCBdoB), e Gabeira (PV). Segundo Romero, muito possivelmente será a região onde o candidato Marcelo Freixo (PSOL) terá mais votos.

Romero acredita que estas eleições no Rio e em São Paulo poderão trazer novos dados. Ele acredita que o destino do brizolismo no Rio depende deste pleito, enquanto em São Paulo o peso do malufismo poderá ser medido pelo desempenho de Celso Russomano (PRB).

Em entrevista ao Portal, Cesar Romero Jacob fez projeções sobre as próximas eleições municipais no Rio e em São Paulo. Experiente em publicações que mapeiam o voto no país como A geografia do voto, o cientista social explicou como se dá a disputa nas duas principais capitais do país.

Portal: O prefeito Eduardo Paes lidera as pesquisas e conta com o apoio do governo estadual e federal. Há chance de mudanças neste cenário?
Cesar Romero Jacob:
 A chance de Eduardo Paes se reeleger é muito grande, pois há muitos interesses em jogo, não há interesse de setores do turismo, de empreiteiras que o prefeito brigue com o governador. Mas, se Eduardo Paes não vencer no primeiro turno, as chances de perder no segundo são muito grandes. Porque, aí, teremos forças econômicas interessadas em que nada mude de um lado, mas do outro as forças políticas que não estão na base de sustentação de Sérgio Cabral que têm interesse de fazer um contraponto. Derrotar o governador seria um sistema de contrapeso. Os partidos locais teriam mais chance de sobrevivência. Caso contrário, ficam a pão e água por mais quatro anos.

Qual a tradição política local no Rio de Janeiro e em São Paulo?
Romero:
 Existem forças políticas locais, tanto no Rio quanto em São Paulo, que não têm envergadura política para uma disputa presidencial, mas são muito fortes nas cidades. Brizola, por exemplo, só teve votação expressiva na eleição de 1989 no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Não foi suficiente para compensar o mau desempenho em São Paulo. Em São Paulo há a velha tradição política de direita, que vai de Ademar de Barros, Jânio Quadros e Paulo Maluf até seus descendentes – Celso Pita, Gilberto Kassab e Celso Russomano. Kassab e Russomano representam o malufismo repaginado. No Rio a tradição é outra, é um populismo de esquerda que vai de Getúlio Vargas, passa por Jango (João Goulart) até Leonel Brizola, que tem Cesar Maia e Anthony Garotinho entre seus herdeiros políticos.

De que forma o resultado da eleição deste ano pode interferir no equilíbrio das forças políticas no Rio?
Romero:
 Há um sinal de esgotamento da família brizolista, que está há 25 anos governando a cidade e o estado. No governo do estado, Sérgio Cabral é o primeiro sinal do desgaste do brizolismo no Rio, de que o fim está próximo. Na prefeitura, Eduardo Paes. Se Rodrigo Maia e Clarissa Garotinho, cujos os pais fazem parte da herança brizolista, saírem derrotados, pode significar a derrocada do brizolismo no Rio, na cidade e nos estado. Novas forças políticas surgirão.

Que forças são essas?
Romero:
 Gabeira foi uma figura que entrou para concorrer na política da cidade, pois poderia reunir o voto da esquerda, de onde ele veio, historicamente falando, e o voto da direita – tanto que foi recebido no Clube Militar: foi um acontecimento histórico um ex-perseguido político e exilado no regime militar ser recebido por um clube militar. O mesmo aconteceu com Eduardo Paes, que pode ser identificado com um candidato mais à direita, do PSDB, e foi levado para o PMDB, onde poderia ter o voto da esquerda. A biografia dos dois não bate com seus grupos políticos.

No plano nacional, tirando Fernando Collor, em 1989, desde a redemocratização as eleições presidenciais foram polarizadas pelo PSDB e PT. Não há espaço para uma terceira via?
Romero: 
Para disputa de presidente, não há terceira via no Brasil. Em 1989, Brizola foi uma tentativa de caminho do meio entre o PT e Collor, mas perdeu. Em 1994 foi Enéas (Prona); em 1998, Ciro Gomes (PSB); em 2002, Garotinho (então PMDB); em 2006, Heloisa Helena (PSOL); na eleição de 2010, Marina Silva (então PV). Candidatos que tentaram ser uma alternativa a PT e PSDB e saíram perdendo, apesar de terem tido votações expressivas. Mas existe terceira via para prefeito.

Ter base eleitoral em São Paulo é fator primordial para o êxito de uma campanha presidencial?
Romero: 
Sim, claro. São Paulo tem um terço do PIB e um quarto dos eleitores do país. Se o candidato não tem base eleitoral em São Paulo, ele já sai com um déficit de 25% do eleitorado. Ter voto em São Paulo é condição necessária, mas não é suficiente. Na eleição de 1989, Maluf teve uma magnífica votação, ficando atrás apenas de Mario Covas (PSDB), sendo que havia 21 candidatos. Mas no resto do Brasil não teve musculatura, assim como Brizola.

Como Lula conseguiu se eleger sem ter maioria em São Paulo?
Romero:
 Lula não tem maioria de votos, mas tem um eleitorado consistente em São Paulo. Para compensar, o PT fez alianças nos outros estados, com líderes partidários de outras alianças fora de São Paulo, como Eduardo Campos (PSB), em Pernambuco, e Sérgio Cabral (PMDB), no Rio.

Qual seria o maior adversário do malufismo em São Paulo?
Romero:
 Em São Paulo, o embate se dá entre o PT e o malufismo. O que ocorre é que, numa eleição presidencial em que não têm candidato, essas forças de direita optam por um partido o mais próximo possível da direita, que seria o PSDB. O PSDB é um partido de centro-esquerda, e a direita paulistana prefere um candidato de centro-esquerda do que de esquerda. O eleitor malufista dificilmente votaria para presidente naquele que é seu adversário na eleição municipal. Fernando Henrique teve uma votação expressiva em São Paulo, mas não é um voto necessariamente tucano, mas sim um voto mais identificado com os malufistas, do que seria um candidato petista como Lula.

E no Rio, a explicação se daria de maneira parecida? A votação expressiva de Lula seria de um eleitorado brizolista?
Romero: Exatamente. No Rio, os votos de Lula não foram necessariamente de um eleitorado petista, mas sim da maioria dos eleitores brizolistas que preferiram votar num candidato mais próximo ao brizolismo do que num candidato do PSDB.

E qual o principal adversário do brizolismo no Rio?
Romero:
 Aqui no Rio é diferente. São heranças brizolistas disputando entre si. Mas o brizolismo está em processo de desgaste. Se Eduardo Paes vencer a eleição, será um forte sintoma de desgaste do brizolismo na cidade, enfraquecendo os grupos de Cesar Maia e de Garotinho.

Em São Paulo, Celso Russomano lidera as pesquisas. Seria mais uma prova das forças políticas locais? O malufismo também está desgastado?
Romero:
 De jeito nenhum. Russomano integra as forças malufistas locais. Ele é um representante repaginado do malufismo. É possível que Russomano tenha entrado nesta disputa para enfraquecer Fernando Haddad (PT). Não se sabe se a candidatura de Russomano foi estimulada por Serra ou por Lula. Por Serra, acreditavam que a eleição se definiria entre Haddad e Serra, e, para enfraquecer Haddad, teriam plantado Russomano. Serra teria soprado no ouvido de Kassab a importância de lançar Russomano para tirar votos de Haddad. Outra corrente diz que Lula, que tem boas ligações com o PRB, teria proposto Russomano como plano B, pois o partido está na base do governo Dilma.