Toda vez que se aproxima a eleição municipal, as forças políticas das cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo se mobilizam em busca do apoio dos governos estadual e federal na esperança de que seus respectivos líderes sejam catalisadores de voto para o candidato à prefeitura. Um olhar mais atento para o histórico do quadro eleitoral nas duas cidades, porém, revela que tanto esforço para conseguir ter o governador e o presidente como cabos eleitorais não é garantia de vitória para o postulante a prefeito, como mostra o e-book A geografia do voto nas eleições para prefeito e presidente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, disponível gratuitamente no site da Editora PUC-Rio.
Escrito pelo cientista político Cesar Romero Jacob, diretor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, em parceria com os pesquisadores Dora Rodrigues Hees, Philippe Waniez e Violette Brustlein, a obra avalia a trajetória dos votos em oito eleições municipais, estaduais e federais no Rio e em São Paulo entre 1996 a 2010. O livro revela que, na maioria das vezes, presidente e governador não conseguem transferir votos aos seus apadrinhados políticos. No cerne da questão, a disputa de forças políticas locais que se sobrepõem às máquinas políticas das esferas do estado e do poder central.
No Rio, em uma sequência de sete eleições, de 1985 a 2008, apenas duas vezes um prefeito apoiado pelo governador foi eleito: em 1985, quando Leonel Brizola apoiou Saturnino Braga, e em 2008, ano em que Sérgio Cabral foi cabo eleitoral de Eduardo Paes.
Já em São Paulo, houve apenas um caso no mesmo período: em 2004, quando o governador Geraldo Alckmin apoiou José Serra.
Os presidentes eleitos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva também não conseguiram eleger prefeitos de seus partidos nas duas maiores cidades do país.
Nos dois mandatos que cumpriu de 1994 e 1998, o tucano Fernando Henrique não conseguiu angariar votos para seu correligionário José Serra quando este concorreu à prefeitura paulistana, em 1996, e nem para Geraldo Alckmin, do mesmo partido, que disputou o cargo em 2000.
O presidente Lula, mesmo com os altos índices de popularidade, também não foi capaz de eleger um candidato petista nem no Rio nem em São Paulo. No período em que ocupou o maior cargo executivo do país, seus candidatos a prefeito foram derrotados nas duas capitais: Jorge Bittar (RJ) e Marta Suplicy (SP), em 2004; e em 2008, Alessandro Mollon (RJ) e novamente Marta Suplicy (SP).
Cesar Romero, que lançou o e-book no último dia 29, na PUC-Rio, tem duas explicações para o fenômeno. Uma delas é que as duas cidades possuem forças políticas locais suficientemente fortes para serem quebradas, mesmo por um presidente.
– Em São Paulo há uma hegemonia de uma força política populista de direita, o malufismo, enquanto no Rio a força é de tradição populista de esquerda, o brizolismo. Essas duas correntes são muito fortes localmente. As cinco últimas eleições presidenciais foram entre PT e PSDB, e os dois partidos não conseguiram ultrapassar as barreiras dessas duas forças locais, fortemente identificadas com seus eleitores.
A segunda hipótese levantada por Romero Jacob é a mobilização das forças regionais de oposição para evitar que o candidato apoiado pelo presidente seja eleito:
– O outro lado da história é que as forças políticas locais não querem que o candidato do presidente vença. Elas se opõem ao candidato do presidente, pois este, se eleito, poderia receber investimentos do governo federal e se fortalecer nestas cidades, enfraquecendo os grupos da região. Então as forças de oposição se unem para que o candidato do presidente não seja eleito. É uma estratégia de sobrevivência, assim como acontece no futebol. Se um time passa a ganhar tudo, os outros começam a torcer contra.
O descompasso entre as forças nacionais e locais são, também, responsáveis pelas tradicionais brigas por recursos. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem um longo histórico de rivalidade entre prefeitos, governadores e presidente. Esta queda de braço, somado à transferência da capital para Brasília e à unificação do Estado da Guanabara com o falido Estado do Rio de Janeiro, resultou em anos de falta de investimentos vultosos na cidade, como lembra Romero Jacob:
– A partir de 1982, o Rio iniciou esta tradição em que o prefeito passou a brigar com o governador, que brigava com o presidente. Agora há muita injeção de investimento no Rio porque há uma aliança entre os governos municipal, estadual e federal.
Outro dado do mapeamento feito por Romero Jacob é a falta de “musculatura” dos grupos locais cariocas e paulistanos para disputar as eleições presidenciais. Brizola e Maluf, os principais representantes das maiores forças políticas, conseguiram votações expressivas em 1989, principalmente levando-se em conta que houve 21 candidatos na histórica eleição em que Fernando Collor de Mello saiu eleito. Mas, se são fortemente identificados com o eleitorado do Rio e de São Paulo, nunca chegaram a ter forte votação nacional.
Para turbinar a eleição e vencer nas disputas nacionais, Fernando Henrique e Lula precisaram fazer alianças em outros estados, lembra o cientista político. E, para obter mais recursos, os governos municipais também tiveram que recorrer a alianças com o poder central. Nesta disputa por forças, PT e PSDB acabam se enfraquecendo nas eleições para prefeito:
– Há quatro anos, por exemplo, não interessava a Lula lançar Alessandro Molon (PT-RJ) à prefeitura da cidade. Lula preferiu lançar Eduardo Paes, que, apesar de não ser de seu partido, faz parte do PMDB, que integra a base da coligação do governo federal. Pertencem ao mesmo grupo político. É a força local agindo.
Em 150 mapas, A geografia do voto retrata em detalhes onde cada corrente política é mais forte, dependendo da renda, escolaridade e religião.
Em São Paulo, por exemplo, o PT tem força na periferia e nas áreas onde há forte atuação sindical, enquanto o PSDB encontra força em áreas nobres como Morumbi e Jardim Paulista.
No Rio, a população da orla é mais ligada ao PSDB, enquanto a região que o pesquisador chama de “grande Santa Teresa” – Flamengo, Laranjeiras e Botafogo, de um lado; Tijuca, Vila Isabel e Maracanã de outro – tem forte identificação com candidatos mais ligados à esquerda, como Chico Alencar (PSOL), Jandira Feghali (PCBdoB), e Gabeira (PV). Segundo Romero, muito possivelmente será a região onde o candidato Marcelo Freixo (PSOL) terá mais votos.
Romero acredita que estas eleições no Rio e em São Paulo poderão trazer novos dados. Ele acredita que o destino do brizolismo no Rio depende deste pleito, enquanto em São Paulo o peso do malufismo poderá ser medido pelo desempenho de Celso Russomano (PRB).
Em entrevista ao Portal, Cesar Romero Jacob fez projeções sobre as próximas eleições municipais no Rio e em São Paulo. Experiente em publicações que mapeiam o voto no país como A geografia do voto, o cientista social explicou como se dá a disputa nas duas principais capitais do país. Portal: O prefeito Eduardo Paes lidera as pesquisas e conta com o apoio do governo estadual e federal. Há chance de mudanças neste cenário? Qual a tradição política local no Rio de Janeiro e em São Paulo? De que forma o resultado da eleição deste ano pode interferir no equilíbrio das forças políticas no Rio? Que forças são essas? No plano nacional, tirando Fernando Collor, em 1989, desde a redemocratização as eleições presidenciais foram polarizadas pelo PSDB e PT. Não há espaço para uma terceira via? Ter base eleitoral em São Paulo é fator primordial para o êxito de uma campanha presidencial? Como Lula conseguiu se eleger sem ter maioria em São Paulo? Qual seria o maior adversário do malufismo em São Paulo? E no Rio, a explicação se daria de maneira parecida? A votação expressiva de Lula seria de um eleitorado brizolista? E qual o principal adversário do brizolismo no Rio? Em São Paulo, Celso Russomano lidera as pesquisas. Seria mais uma prova das forças políticas locais? O malufismo também está desgastado?
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