Fabiano Gomes * - Da sala de aula
20/07/2012Em 31 de outubro de 1902 nascia o nono filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e de Julieta Augusta Drummond de Andrade, em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais. Eles provavelmente não imaginavam que, 110 anos depois, o aniversário de seu filho seria tão comemorado. Morto há 25 anos, o mineiro-carioca Carlos Drummond de Andrade foi o principal homenageado da Feira Literária de Paraty. Embora a Flip tenha acabado há duas semanas, a cidade histórica do sul fluminense mantém, até o fim do ano, uma exposição dedicada ao poeta.
O repertório de homenagem inclui a divulgação de textos inéditos. Um livro com poemas e comentários do próprio autor ganhou, no mês passado, uma edição de luxo, fac-similar, pela editora Cosac Naify.
Os versos de Legado, poema publicado em 1951, mostram um Drummond que talvez não levasse a sério a repercussão de seu trabalho: “De tudo quanto foi meu passo caprichoso / na vida, restará, pois o resto se esfuma, / uma pedra que havia no meio do caminho.” Mas uma pedra que ficou no início do caminho só será mostrada ao público este ano. O livro 25 Poemas da Triste Alegria contém textos inéditos compilados em 1924, quando Drummond tinha 22 anos, seis anos antes de sua primeira publicação, Alguma Poesia.
O responsável por tornar o objeto raro conhecido é o poeta e crítico Antonio Carlos Secchin, que tem o original nas mãos desde 2008. Ele revela que o livro ficou guardado sem distinção entre os outros 12 mil de sua biblioteca: “Sei que alguns bibliófilos guardam em cofres, mas, para mim, todos formam uma grande família. Existem os primos ricos e os primos pobres.”
25 Poemas da Triste Alegria mostra um Drummond ainda preso à forma, muito diferente do que viria a ser anos depois. “São poemas de iniciante. Ainda era um poeta sem estilo pessoal.”, explica Secchin. Ainda assim, já era possível reconhecer alguns traços marcantes do poeta. A dualidade entre cidade grande e interior está presente no poema A mulher do elevador: “A que ficou lá longe, na cidade grande...”. Em A sombra do homem que sorriu, aparece mais uma característica que Drummond mostraria em outros textos: o desdém ao se retratar. “Ah! que os tapetes não guardem / a sombra inútil dos meus passos...”.
O livro escondido durante décadas foi comprado de uma pessoa que preferiu manter o anonimato. “Às vezes a pessoa necessita vender alguma coisa ou se desfazer e não gosta que isso se torne uma informação pública. O que interessa mesmo não é de onde o livro veio, mas para onde vai, que é o público”, diz Secchin.
Segundo ele, não é possível precisar a intenção de Drummond ao deixar de publicar o livro e, ao mesmo tempo, mantê-lo tão bem guardado reservando a margem esquerda de cada página para comentários manuscritos, feitos 13 anos depois. “Se não houvesse preocupação com a posteridade, por que ele perderia tanto tempo analisando e justificando esses poemas?”
O crítico e especialista em Drummond revela que a data de lançamento foi uma coincidência que veio no tempo certo. Ele conta que, há dois anos, a revista Veja publicou uma reportagem de seis páginas, na qual Secchin foi entrevistado e falou sobre o livro. “Por incrível que pareça, não houve a repercussão esperada. Um livro inédito do maior poeta brasileiro e ninguém se movimentou”, lamenta.
A proposta da editora Cosac Naify interessou e ele percebeu que o momento, aniversário de 110 anos do autor, não poderia ser melhor em termos de repercussão. 25 Poemas da Triste Alegria ganhou edição fac-similar, uma reprodução do original, com preço sugerido de R$ 79,90.
A Flip do gauche
A obra também fo iobjeto de discussão na Flip. No dia 6 de julho, a mesa Drummond – o poeta moderno, com Secchin e o escritor Alcides Villaça debateu o que significava ser moderno para o autor. Em comemoração aos 110 anos de nascimento, a feira escolheu Drummond para ser o principal homenageado. Das 20 mesas, três foram sobre ele. O escritor Antonio Cicero fez, ao lado do também escritor Silviano Santiago, a conferência inaugural retratando o panorama da relação do poeta com o século XX, além de uma leitura detalhada de um de seus poemas. “Sinto-me muito honrado, porque considero Drummond o maior poeta que o Brasil já produziu e um dos maiores poetas do mundo moderno”, disse Antonio Cicero.
Ele não chegou a conhecer o autor pessoalmente, mas é um admirador do talento do gauche (“estranho” em francês, como o escritor se chama no Poema de sete faces): “A poesia de Drummond, como toda grande poesia, me transporta para outro tempo-espaço, que me liberta do tempo-espaço utilitário em que vivemos”.
Para Antonio Cicero, a vasta produção do poeta é de extrema relevância no cenário atual. O famosíssimo e experimental No meio do caminho é um exemplo. “Acho que, a poesia dele consegue dizer algo de profundo e, fora dela, inefável, sobre a alma brasileira”, reflete Antonio Cicero.
* Texto produzido para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso.