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Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 2024


Mundo

Expropriação de Kirchner afasta investidor, alertam analistas

Tiago Coelho, Isabela Castro e Patrícia Côrtes - Do Portal

18/04/2012

 BNM Novedades

O anúncio, nesta segunda-feira, da expropriação da petrolífera YPF pela presidente argentina Cristina Kirchner fez mais do que tumultuar as relações diplomáticas e comerciais do país com a Espanha. O primeiro efeito drástico é específico. Refere-se ao inevitável embate entre a Casa Rosada e a empresa espanhola Repsol, que detém 51% das ações da YPF, e exige indenização de oito bilhões de euros, já descartada pelo governo argentino. Os demais efeitos desenham-se por trás da poeira de desconfiança inerente às quebras de contrato. Medidas assim, alertam os especialistas, carregam o risco de fuga dos investidores externos – que já vinham em compasso mais lento na Argentina. Por outro lado, analistas consideram remota, ou mesmo impossível, a chance de a receita ser repetida com a Petrobrás, terceira maior investidora na rede de abastecimento energético argentino.

Para Pedro Paulo Cristofaro, professor de Direito Empresarial da PUC-Rio, a iniciativa reúne aspectos técnicos, éticos e simbólicos. Embora formalmente admissível, a extradição aproxima-se do calote quando a Argentina não reconhece a indenização:

– O direito de quebra de contrato existe, desde que se pague um valor justo por isto. A Argentina dar o calote na Repsol é antiético e afugenta investidores estrangeiros de todos os portes, desde o grande até o pequeno capital – observa Cristofaro, diretor jurídico da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Fundação Getúlio Vargas.

Cristofaro avalia que as fragilidades econômicas argentinas – em especial a “inflação mascarada” – possam se agravar a partir desta ruptura comercial com a Repsol. No entanto, a conjuntura política e econômica na Espanha, marcada recentemente por instabilidade financeira, desemprego e denúncias de corrupção, prepararam o terreno para a medida extrema adotada por Cristina Kirchner. O professor de Relações Internacionais da PUC-Rio Cunca Bocayuva pondera que a iniciativa pode ter respaldo na “não realização dos compromissos contratuais pela empresa espanhola”:

– A fraqueza espanhola, percebida na diminuição de investimentos, tem efeito sobre a lógica de comportamento de suas empresas. A falta de financiamento da REPSOL na YPF gera insatisfação na Argentina, que sofre com a instabilidade do setor energético.

Antigos atritos entre argentinos e espanhóis

As relações conflituosas entre a Argentina e empresas espanholas são anteriores à expropriação da Repsol. Na década de 1990, com o processo de privatização de diversas empresas latino-americanas a Aerolineas Aergentinas teve o controle repassado para a Iberia, companhia aérea espanhola, que devido à má gestão somado à crise econômica argentina e a instabilidade do setor aéreo após os atentados de 11 de setembro, foi obrigado a deixar a administração da empresa Argentina. Posteriormentepassou das mãos da Ibéria para a Marsans, empresa de viagens da Espanha, que em 2008 firmou o cancelamento de contrato com o governo argentino pela mesma justificativa de administração mal sucedida que provocou o “caos aéreo” na Argentina . Como os passivos da empresa foram perdoadas não houve crise entre os dois países.

Por trás da atitude argentina, Cristofaro não descarta a existência de um “ideário nacionalista” insuflado pelo governo, semelhante ao que se observou na disputa com a Inglaterra em torno das Ilhas Malvinas. Na opinião dele, “esta reestatização da YPF tem uma ligação grande com uma mobilização a favor do governo”. (Veja quadro sobre aerolíneas argentinas.)

As complicações geradas pelo movimento a favor da nacionalização do petróleo na Argentina envolvem, em segundo plano, a Petrobrás, terceira maior investidora na rede de abastecimento energético do país. O ministro brasileiro de Minas e Energia, Edson Lobão, afirmou ontem que não há motivos para temores com relação à atuação da empresa brasileira e evocou o respeito à “soberania nacional argentina”.

Cristofaro e Bocayuva concordam que não há motivos aparentes para se levantar a possibilidade de estatal brasileira ser surpreendida com destino semelhante no país vizinho:

– A Argentina não adotaria uma medida igual com relação ao Brasil, pois os dois países são parceiros comerciais em inúmeros investimentos – argumenta Cristofaro.

Bocayuva acrescenta que a abertura de mais frentes de embates enfraqueceria ainda mais o governo Kirchner em pleno desafio de recuperar a economia da Argentina. Observa também que a relação do país vizinho com a Petrobrás é diferente da construída com a Repsol:

– Nenhum dos dois países (Brasil e Argentina) quer criar atritos dentro da América Latina, pois sabem da importância de se fortalecerem como bloco econômico. Além disso, a Petrobrás cumpre com suas obrigações contratuais e não dá motivos para se falar em expropriação.

 

Calotes históricos

Ano: 1987
País: Brasil
Mesmo com negociações em andamento, o país comandado pelo presidente José Sarney surpreende ao anunciar que não pagará a dívida de 107 bilhões de dólares – agravada pelo fracasso do Plano Cruzado – com os credores internacionais.

Ano: 2001
País: Argentina
O governo provisório de Rodriguez Sá decidiu deixar de reconhecer a dívida externa de 130 bilhões de dólares para poder renegociar o pagamento de juros que sufocavam a economia, em meio a 43 meses de recessão.

Ano: 2005
País: Bolívia
O presidente Evo Morales decide estatizar as reservas de petróleo e gás do país. A Petrobras perdeu muito nesse cenário. A empresa operava 40% das reservas e colocou 1,5 bilhão de dólares no mercado boliviano.

Ano: 2012
País: Grécia
O calote foi a "única" opção da Zona do Euro para que as dívidas gregas desabassem por todos os países europeus. O custo foi alto: bancos ficaram no prejuízo e as bolsas fecharam no vermelho. O valor era de 260 bilhões de euros, o equivalente a 160% do PIB do país.