Thaís Bisinoto e Jorge Neto - Do Portal
09/04/2012Oito meses depois do massacre que tomou conta do noticiário e comoveu o país, a Escola municipal Tasso da Silveira, em Realengo, Zona Oeste do Rio, cultiva uma reconstrução física e, especialmente, emocional. De um lado, reformas ganham a fachada, as salas de aula, o pátio, praticamente todo o espaço. Desenham dias melhores. De outro, cada um dos que viveram aquele 7 de abril tentam se reerguer. De formas diferentes, procuram digerir o horror causado pelo ex-aluno Wellington Menezes, cujos tiros mataram 12 crianças e feriram 11. Uns recorrem a tratamentos psicológicos, outros engajam-se em grupos de apoio. Os medos ainda ecoam, mas, aos poucos, os cacos são reunidos e a rotina, retomada.
Enquanto monta o presépio da escola, o presidente do grêmio estudantil, Lucas Matheus Carvalho, de 13 anos, conta os planos para o fim de ano. Pela primeira vez, o grupo organizará uma festa de Natal, com apresentações de dança dos alunos, Guarda Municipal e cães adestrados. Para o ano que vem, preparam torneio de futsal e olimpíadas de matemática e português, da qual Lucas vai participar. O menino, que estava na primeira sala invadida pelo atirador (“Ele saiu pelas minhas costas”) ajuda os colegas a se reanimarem. Programa brincadeiras, atividades, pequenas contribuições para sacudir os ânimos. Com a tranquilidade de quem quer ser padre, ele espanta a melancolia:
– Estou ótimo! Passamos por um momento difícil, mas, agora, é vida que segue.
Só uma lembrança, em particular, incomoda Lucas: “a culpa” que, segundo ele, alguns pais, talvez por desespero, atribuíram à professora que estava na sala dele. Considera “um absurdo”, pois “não havia o que ela pudesse fazer naquele momento”.
Leila D'Angelo, a tal professora, também se esforça para se recuperar da tragédia. Ela discorda da estratégia de reformar a escola. As salas já não parecem com o que eram antes de Wellington invadi-las e matar 12 crianças. O diretor, Luis Narduk, esclarece que a ideia é criar um novo cenário para facilitar a retomada da rotina por alunos e professores. Leila argumenta que o colégio deveria ser reconstruído “nele mesmo, para criar uma identidade”:
– Acho importante que tivesse continuado do mesmo jeito. Minha vida está dividida em duas partes: antes do que aconteceu, a escola Tasso como sempre conheci, e depois, esta escola que já não reconheço mais.
A professora de português admite ter ficado "muito abalada". Voltou a trabalhar logo depois das duas semanas em que as aulas ficaram suspensas. Achava que “tudo ia ficar bem”, mas acabou pedindo licença. Retomou a rotina profissional em agosto, e a mantém graças à "parceria" com os estudantes:
– Nossos alunos são ótimos, carinhosos. Eles têm uma capacidade de superação que me ajudou muito. Juntos, tentamos superar. Eu me apoio neles e eles, em mim.
Para Leila, o fim de ano vem em "boa hora". Diz que 2012 é “muito esperado”, como uma forma de salvação. Uma passagem efetiva para um novo tempo:
– Estamos todos com os nervos à flor da pele – revela – O que nos mantêm em pé é a nossa união.
Otimista sobre a consolidação de "dias melhores", o professor de geografia Luciano Pessanha elogia a reforma e observa que o número de crianças que entraram na escola de Realengo depois de abril é superior ao das que saíram. Ele confia que o aperfeiçoamento da estrutura (as salas ganharão projetores multimídia no próximo ano) irá contribuir para a recuperação da auto-estima e da esperança abatidas no massacre.
– Esquecer, ninguém vai. Mas temos de voltar à vida normal, caminhar para frente.
Apesar da confiança, Pessanha admite que ainda está assustado e teve dificuldades para voltar ao cotidiano “normal”. Como Leila, ele vê maior facilidade de superação nas crianças, apesar de algumas estarem sob tratamento psicológico e medicação. Para o professor, o que atrapalha a recuperação dos colegas é a "falta de habilidade" para confrontar situações daquele tipo:
– Somos treinados para lidar com indisciplina, jamais para colocar o peito em frente de bala.
A aluna E. C. B., de 10 anos, perdeu a melhor amiga naquela manhã. Todo dia 7, a menina não consegue dormir. Passa chorando com a mãe, Cristina. Em que pese o sofrimento, fez questão de continuar os estudos na mesma escola. Para se recuperar do trauma, combina o apoio psicológico e os remédios com atividades como o coral e os afazeres de repórter no jornal do colégio. Em 2012, a aluna irá para o sexto ano, cujas salas ficam no andar invadido pelo atirador. "Não tenho medo. Não vai acontecer de novo", confia.
A mãe confessa que, apesar de sentir-se melhor, ainda fica preocupada com os desconhecidos que se aproximam do portão da escola. Quando a equipe do Portal PUC-Rio chegou à instituição, ela estava "incomodada" com os desconhecidos. Assim ficou até o diretor esclarecer o motivo da visita e liberar o acesso dos repórteres. Mais um indício de que a superação revela-se um processo gradual, delicado, cuja complexidade exige desde a união entre alunos, professores e moradores até esforços do poder público e de profissionais especializados.
O acompanhamento psicológico dos alunos é feito pelo Programa Interdisciplinar de Apoio às Escolas Municipais do Rio de Janeiro. O Proinape assistiu os pais e avós das crianças assassinadas nos primeiros três meses depois da tragédia, e faz avaliações regulares dos pacientes. Aqueles afetados "diretamente" pela tragédia, como o grupo de alunos da sala 1803, continuam em tratamento até hoje, sem interrupção.
Valéria Lanna, uma das psicólogas do programa, trabalha exclusivamente no atendimento aos pais das vítimas. Com o auxílio de assistentes sociais e professores, ela conta que o tratamento os ajudou a “voltar a caminhar”. Para a especialista, os pacientes ainda procuram uma explicação para o que vivenciaram:
– A maioria das famílias que estão fazendo algum acompanhamento na rede de saúde mental se voltou para o lado espiritual, pois precisam de um sentido em meio ao trauma – explica Valéria.
Nem só os que sofreram o drama dentro da escola municipal foram afetados. Gildete Antunes, mãe de aluna do quinto ano e dona de uma venda de balas e biscoitos em frente ao colégio, abrigou a filha e outros estudantes que tentavam se refugiar do perigo. Como a menina, traumatizada, sente medo toda vez em que ouve barulho de fogos de artifício, a família mudou o roteiro da virada do ano. Trocou a casa dos sogros em Jardim Novo, área de Realengo "onde os fogos são intensos", por um lugar mais tranquilo.
Apesar das sequelas, Narduk enxerga que algumas “lições” foram aprendidas. Como respeitar a capacidade individual de superação (“Cada um tem seu tempo”); cultivar o sentimento de solidariedade (“Todos caminhamos juntos”) e depositar confiança na reconstrução coletiva.
Um passo para esta reconstrução foi a associação Anjos de Realengo, criada pelos pais das vítimas, um grupo de apoio aos que perderam os filhos e netos no dia 7 de abril. A presidente, Adriana Silveira, explica que, por meio do projeto, “uns se amparam nos outros e tentam se levantar”. Agora, o grupo pretender reforçar a "luta por melhores escolas e condições de segurança na rede de educação pública".
Sobre as reformas na escola de Realengo, Adriana tem posição semelhante à da professora Leila. A presidente dos Anjos de Realengo acredita que a mudança é como uma “maquiagem para esquecer o passado”.
Manhã de horror
No dia 7 de abril deste ano, Wellington Menezes de Oliveira, ex-aluno da escola municipal Tasso da Silveira, entrou no colégio sob o pretexto de que faria uma palestra. Com dois revólveres calibre 38, atirou contra os alunos nas salas e corredores. Matou 12 crianças e deixou 11 feridas.
O massacre só teve fim quando agentes da Polícia Militar ocuparam a escola, chamados por um aluno baleado. Depois de ser alvejado na perna por um policial, o assassino se suicidou com um tiro na cabeça.