Cerca de 90 artistas e produtores se reuniram na noite desta segunda-feira, 26, para debater o destino da Casa da Gávea, que comemora 20 anos sob risco de fechar as portas. Diante de um impasse com o Sesc, que apoia a casa desde 2009, os donos do espaço, os atores Paulo Betti, Cristina Pereira, Vera Fajardo e Rafael Ponzi, convocaram a classe artística para pedir apoio e sugestões. Além da negociação com o Sesc, que prossegue, os sócios anunciaram que buscam outras formas de patrocínio, por meio de projetos apresentados a empresas como Petrobras e Vale.
– É só o que faço hoje: buscar patrocínio. O convênio durou dois anos e meio e temos confiança de que vai se manter. Mas o Sesc está sob intervenção do Sesc nacional, e o contrato está ameaçado. Queremos ser autossustentáveis. É ruim depender dos outros – desabafou Betti, contando que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou mensagem de apoio no mesmo dia, dizendo que o espaço “não pode deixar de existir, por ser insubstituível”. Ainda candidato à Presidência, Lula teve um encontro com a classe artística na Casa da Gávea, organizado por Betti.
Estavam presentes os atores Julia Lemmertz, Mariana Ximenes, Leona Cavalli, Ernesto Piccolo, Angelo Antonio, Giuseppe Oristanio com a filha Júlia Oristanio, Tássia Camargo, Márcia do Vale, o astrólogo Antonio Carlos Harres, o Bola. Entre as sugestões, foram apresentadas propostas de investir em programação infantil; stand-up comedies e saraus de poesia. Um dos momentos mais emocionantes foi quando o ator Giuseppe Oristanio conclamou os colegas a lutar pelo teatro.
– Temos que tombar este prédio, no sentido histórico. Se a gente não conseguir de maneira amigável, vamos fazer de um jeito mais italiano: teremos que gritar! – exclamou o ator, emocionado, arrancando palmas da plateia.
Depois do encontro, Oristanio, que além de dezenas de leituras dramáticas encenou ali O inimigo do povo, ao lado de Betti, com direção de Domingos Oliveira, reforçou em entrevista ao Portal a importância do teatro como instituição carioca e sugeriu a mobilização da classe artística e do público junto às autoridades municipais de cultura: “A Casa da Gávea é um espaço democrático de ideias. Naquele palco fala o índio, fala o negro, fala o morro e a cobertura da Vieira Souto, e todo mundo se entende. É como mutilar nossa cidade, e não podemos conviver com o Rio capenga”.
O encontro foi uma mistura de debate e sarau, intercalando as propostas com manifestações artísticas. O primeiro a se apresentar foi o poeta Mano Melo, que interpretou seu Diálogo entre Macunaíma e seu criador, Mário de Andrade. Tássia Camargo fez homenagem a Chico Anysio lendo texto Nascer velho e morrer criança, crônica de Marcos César imortalizada pelo humorista no Fantástico.
– A casa não pode fechar, ela dá aula, dá emprego. A classe artística conseguiu derrubar militares, consegue reabrir espaços, impedir o fechamento de outros. Como o Giuseppe, eu também sou italiana. Temos que gritar mesmo, fazer panelaço. Estava sentindo falta disso, de ver a classe pegar fogo – exultou Tássia, na saída do evento.
Representando o público da Casa da Gávea, a atriz Nina Adlin, de 23 anos, também subiu ao palco para dar seu depoimento:
– A minha geração só vê as coisas fechando, fechando. Não temos passado nem presente. Nada que seja nosso, da nossa geração, com a importância deste espaço – afirmou, antes de declamar um poema.
A atriz Cristina Pereira, uma das fundadoras, lembrou que o projeto começou em 1988, com Chiquinho Brandão, durante a temporada da peça O amigo da onça, em que era dirigido por Betti. O ator e músico morreu num acidente em 1991, um ano antes da abertura da casa.
Na convocação para o encontro, Betti anunciou a ideia de fazer um viradão de atividades artísticas durante a realização da conferência Rio+20, em junho. O debate-sarau de ontem, batizado de Rio, mas 20?, foi o primeiro de uma série de encontros mensais para esquentar a discussão – a próxima edição será em 24 de abril.
– Será uma convergência da classe artística. Queremos participação na Rio+20. Vamos debater os principais temas da conferência das Nações Unidas. Os encontros são para as pessoas mostrarem poesia, música e, ao mesmo tempo, servir como espaço de reflexão do que vai estar rolando na Rio+20 – explica Betti.
A assessoria de imprensa do Sesc disse ao Portal que o convênio está em vigor, e que a renovação é anual, e que o responsável pelo convênio não poderia responder.
O encontro foi transmitido ao vivo pelo Facebook da Casa da Gávea.