Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2024


País

Cota para conteúdo nacional em TV anima produtoras

Caroline Hülle - Do Portal

22/03/2012

 Jefferson Barcellos

Em vigor desde o sábado passado, a Lei da TV a Cabo (12.485) determina, entre outras coisas, que os canais de filmes, desenhos, séries e afins, considerados "qualificados", veiculem meia hora de conteúdo nacional, em horário nobre. Do tempo estipulado, pelo menos 15 minutos deverão ser desenvolvidos por produtoras independentes. A nova regra divide opiniões entre produtoras de conteúdo audiovisual e empresas de canais fechados, que consideram a regulamentação "uma afronta à escolha do assinante".

A norma, simbólica, fortalece o mercado nacional, mas os pequenos produtores se mantêm apreensivos quanto à concorrência com empresas independentes já consolidadas. Acadêmicos e profissionais da área acreditam que a medida contribua para mitigar "o preconceito contra o conteúdo brasileiro" e para criar um setor audiovisual mais amplo e competitivo. Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a novidade deverá injetar R$ 400 milhões num mercado ascendente.

O consumo de televisão paga no país cresceu 31,5% em 2011. Amealhou mais de 13 mil assinantes, segundo relatório divulgado, em janeiro, pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Embora o volume absoluto ainda seja tímido em relação aos mercados americano e europeu, o crescimento percentual potencializa a abertura de um segmento no qual o começo revela-se difícil às pequenas produtoras. Para aproveitarem as oportunidades geradas com o avanço comercial e a nova lei, os profissionais dessas empresas terão de desenvolver a capacidade de conjugar várias funções. Assim observa a professora de audiovisual da PUC-Rio Patrícia Maurício:

– De uma forma geral as produtoras independentes não têm a estrutura grande. Então, o mesmo funcionário que edita o texto faz a edição de imagem, e às vezes é apresentador – exemplifica a especialista.

 Jefferson Barcellos A estudante de Comunicação Bárbara Rizzeto, sócia da Perfilmes Produção, reforça o perfil multifuncional de quem chega ao mercado:

– Temos os cargos separados, mas, quando é necessário, todos fazem de tudo. Cada um ensina o outro. Eu, por exemplo, aprendi a editar – conta a jovem, cuja tarefa principal na empresa recai sobre a produção.

Joana Parente também fez da assistência de produção, na Dois Moleques, um atalho para entrar no mercado. Para ela, tão importante quanto a versartilidade é a vontade de inovar:

– Quem trabalha nessa área precisa correr muito atrás de inovação, pois o campo já está muito explorado e os materiais são bem parecidos.  Quando se descobre um caminho novo, as outras empresas reproduzem. Depois que perceberam o sucesso do reality, todas produtoras seguiram o mesmo modelo.

Na avaliação de especialistas, a nova legislação começa a tirar o atraso do Brasil em relação ao incentivo – e, consequentemente, à produtividade – referentes ao audiovisual local apresentaram bons resultados. Nos Estados Unidos, o sistema de apoio ao produtor nacional criado em 1970 impulsionou a produção independente para 70% do conteúdo exibido em 1995. Na opinião do vice-presidente da Associação Brasileira de Produtores de Televisão Independentes (ABPTI- TV), Kiko Mistrorigo, a lei brasileira “confirma a existência da produção independente nacional”, cujo desafio é atingir um nível comercial próximo do observado nos países desenvolvidos.

– Em relação a esses países, a nossa produção é quase nula. Eles exportam e têm presença no mercado externo– compara – Agora precisamos organizar a produção para vender para fora – propõe Kiko, sócio da produtora independente TV PinGuim.

O salto  comercial esbarra, segundo boa parte dos produtores, num "preconceito com os programas brasileiros". Tal resistência tende a minguar com o novo espaço para exibição dos trabalhos, que, segundo Patrícia, promoverá a “formação de público” do conteúdo nacional.

Joana acrescenta que a lei implicará, por ora, poucos ajustes no mercado. As mudanças, espera a jovem produtora, começarão pelo maior diálogo dos canais com os conteúdos autenticamente nacionais. "Eles devem aceitar a brasilidade e não evitar a inovação do conteúdo”, diz Joana.

 Jefferson Barcellos Diego Cosmetinni, outro novato na área, há cinco meses abriu, com dois amigos, uma produtora centrada em esquetes de teatro e festivais de cinema. Com a nova regulamentação, eles iniciaram um projeto de série de TV. Para Diego, embora os canais fechados procurem produtoras independentes há anos no mercado, a Lei da TV a Cabo abrirá espaços, inclusive para empresas iniciantes, na iniciativa privada. O aquecimento do setor, prevê ele, vai melhorar a qualidade dos trabalhos :

– É uma porta que se abre. O nosso cliente é quase sempre o governo, por meio de editais e festivais. Agora, com o aumento da demanda e da concorrência, espero que qualidade das produções melhore.

Para grande parte dos jovens empreendedores na área, os avanços da nova regulamentação são insuficientes para impulsionar os pequenos produtores. Diego sugere incentivos variáveis, de acordo com o porte da empresa, de maneira que o setor pudesse melhor se expandir.

– As grandes empresas independentes, já reconhecidas, não precisam dos 50% da cota total – opina Diego.

 Arquivo Pessoal Também da Perfilmes, Bernardo Cartolano mostra-se otimista. Acha que as pequenas produtoras não terão dificuldades na adaptação às novas demandas, pois "o formato e a linguagem são as mesmas para televisão e internet".

– Tem muito conteúdo já produzido. A diferença é que agora existe mais uma janela para expor o trabalho para um público grande de uma só vez.

No começo, determinação e amizade compensam falta de estrutura

Na largada rumo ao pódio do mercado audiovisual, tão importante quanto o comprometimento, a versatilidade e o pendor à inovação é a ajuda dos amigos. Para o primeiro programa exibido em tevê, há uma semana, a Perfilmes recrutou colegas de estágio, das aulas e até professores.

Com a ideia do programa na cabeça, uma câmera numa mão e um gravador na outra, os produtores iniciantes reuniram, no estúdio da PUC-Rio, contribuições de várias origens. A decoração, por exemplo, veio da casa da Bárbara.

– A maquiagem para gravação foram as minhas amigas que gostam disso que fizeram. Todo mundo ajudou – lembra Bárbara, com orgulho.