Tecnologia crescente nas salas de cinema e até nos aparelhos de televisão, o 3D propaga-se com a impetuosidade dos filmes de ação. Um dos indicados ao Oscar de melhor filme (veja a lista completa, divulgada nesta terça), "Hugo Cabret", de Martin Scorsese, rendeu-se ao formato, presente também em quatro das cinco canditadas na categoria "animação" (a exceção é "Um gato em Paris", de Alain Gagnol). Até "Titanic" (1997), papa-prêmios dirigido por James Cameron, entrou na onda e ganhou uma roupagem em terceira dimensão. De 2010 para 2011, o volume de tais produções aumentou cerca de 60%, contabiliza o Filme B, portal do mercado cinematográfico.
Embora a maioria delas concentre-se, logicamente, em Hollywood, a febre começa a se propagar pelo Brasil. “Brasil Animado” (2010), de Mariana Caltabiano, e o recém-lançado “2 coelhos”, de Afonso Poyart, sinalizam a tripicalização. A invasão desta técnica, considerada já "obrigatória" em alguns casos, traz à tona pelo menos duas reflexões importantes: em que circunstâncias o 3D faz sentido e favorece a narrativa e quando se torna um artifício "gratuito" ou uma camisa de força; e como melhor preparar os futuros cineastas diante das exigências do 3D e até do 4D (com a inclusão de elementos sensoriais). Para Bruno Feijó, professor do Departamento de Informática da PUC-Rio, o caminho é o diálogo estreito entre os cursos de Comunicação e Informática:
– A PUC tem condições de preparar os alunos para o 3D e as novas tecnologias. Para isso, é importante a interação entre os cursos. Preparar-se para produzir em 3D significa não só aprender a parte técnica, mas entender o processo.
O roteirista Lucas Paraizo, professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, reconhece a importância do aprendizado técnico, mas considera que o cinema 3D começa, sobretudo, com uma boa história. A técnica deve ser usada para "aprimorar o filme", porém jamais substituirá o principal ingrediente: uma história atraente.
– A interação [entre cursos, disciplinas, competências] é sempre bem-vinda. Para contar uma história, deve-se saber várias coisas. Mas, o que as pessoas precisam aprender é a como contar histórias. Aqui na PUC o nosso recurso humanístico é valioso. Qualquer faculdade pode ter uma câmera, mas as pessoas que temos aqui são as melhores. Temos que investir nelas – ressalta Paraizo.
Embora o 3D movimente o mercado e as escolas de cinema há mais de uma década, as demandas por produções do gênero aceleraram de vez com o badalado “Avatar”, em 2009. Considerado um ícone do 3D, o filme de James Cameron abusa do recurso para amplificar a adrenalina nas incontáveis sequências de perseguição desse faroeste interplanetário.
– A tecnologia evoluiu, virou moda. Quando um grande diretor como James Cameron faz um filme projetado para ser em 3D, e com todos os efeitos especiais que o filme trouxe, vira uma febre: todos querem fazer 3D – observa Feijó.
A "moda" impôs, além da corrida à formação técnica, uma discussão, entre cineatas, professores e cinéfilos, sobre o uso do 3D. Especialistas alertam para o risco de a técnica ser aplicada exageradamente, para atrair público, sem o compromisso com a forma mais adequada de se contar a história.
– Como espectador, ainda não vi o recurso usado dramaturgicamente, de maneira que adicione ao filme. Espero que o [diretor Martin] Scorsese consiga – diz Paraizo – Mas, como roteirista, gostaria de ter o desafio de fazer um filme que só pudesse ser realizado em 3D. Contar a história dessa maneira seria algo realizador – completa.
Marcelo Taranto, professor do curso de Cinema da PUC-Rio e diretor, entre outros filmes, de “Ponto Final” (2010), que participopu do Festival do Rio no ano passado, enxerga o 3D com reservas. Ele admite que a nova tecnologia "chama muitas pessoas para o cinema", mas "empobrece a imaginação de quem vê":
– Tira o poder da construção imaginária do consciente do espectador. Faz você já viver a situação – argumenta Taranto.
O diretor Eduardo Nunez, que também participou do Festival do Rio, com “Sudoeste” (2011), identifica o risco de a linguagem tornar-se refém do 3D. Mas pondera que a tecnologia muda o ambiente da sala de cinema:
– O 3D transforma o filme. Ele deixa de ser uma simples exibição na sala de cinema e se transforma em um espetáculo, mais parecido com um circo ou com um teatro do que propriamente um filme.
Universitários acompanham atentamente as mudanças impulsionadas pelas novas tecnologias e formas de expressão. Estudante do terceiro período de Comunicação Social e ganhador do ciclo básico do concurso Roteiro PUC 2011, Tiago Coelho acredita que o trabalho do roteirista "não será muito afetado". O importante, lembra o aluno, ainda será construir "uma boa história com bons personagens". Ele também reconhece, no entanto, a importância de se atualizar:
– Vou me preparar para contar um roteiro a partir de novas tecnologias e buscarei disciplinas que me ajudem a criar em 3D, se é isso que as pessoas querem assistir.
Para Kaio Moraes, também estudante do terceiro período de Comunicação, o 3D deve ser usado de maneira "inteligente". Como observa-se, segundo o futuro cineasta, nos filmes "Santuário" (Alister Grierson, 2010) e o recente "Imortais" (Tarsem Singh, 2012), por exemplo. Neles, o recurso realça as cenas de ação e ajuda a melhor contar história. Já filmes como “Thor” (Kenneth Branagh, 2011) e “Besouro Verde” (Michel Gondry, 2010), compara Kaio, utilizam-se do 3D "sem necessidade, para atrair mais público". O aluno duvida da necessidade de se especializar em 3D para entrar no mercado:
– Para os novos cineastas e estudantes de cinema, o 3D não é uma ferramenta essencial. É algo que serve para chamar mais a atenção para o projeto. Entra como um diferencial, não como futuro do cinema propriamente dito – opina.
À medida que o 3D se populariza, inclusive nos aparelhos de TV (no ano passado, foram lançados 86 filmes do gênero em Blu-Ray nos Estados Unidos), o cinema move-se rumo à tecnologia 4D, que inclui recursos voltados para acentuar as sensações e, assim, fortalecer a interação. Caso, por exemplo, da poltrona que vibra quando é exibida uma cena de aventura. Ou que emitem névoas e até cheiros em busca, supostamente, da maior imersão no espectador na história. Artíficios narrativos ou marketing?
– O público gosta de novidades. Até agora só temos uma sala para esse tipo de exibição no Brasil. Mas, com o dinheiro que isso deve gerar, as salas tendem a se atualizar rapidamente para proporcionar novas experiências ao público – prevê Feijó.