Quando não está escalando prédios, John Ferreira, de 26 anos, aproveita a vista que tem da sua janela. Mas o alpinista industrial pode estar com os dias contados na casa onde vive. Morador da Rocinha desde que nasceu, ele já pensa nos efeitos que a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) pode trazer para o local.
– O senhorio ainda não comentou nada, mas basta ver o que aconteceu no Morro Santa Marta, em Botafogo. Casas que valiam de R$ 15 mil a R$ 20 mil passaram a valer R$ 50 mil, e na Rocinha não vai ser diferente. Dá para ver o Rio inteiro aqui de cima. Cristo Redentor, Pão de Açúcar, Lagoa. A vista atrai os turistas.
A valorização do mercado imobiliário das favelas começou antes mesmo da implantação das UPPs. De acordo com a pesquisa UPP² e a economia da Rocinha e do Alemão: do choque de ordem ao de progresso, publicada em novembro pela Fundação Getulio Vargas (FGV), os preços dos aluguéis na Rocinha subiram 7% a mais que no asfalto. Somado à alta do mercado anunciada em setembro pelo Índice Fipe Zap (indicador do IBGE dos negócios imobiliários), ocorrida após um período de quatro meses de desaceleração, isto prova que o chamado “efeito-favela” tem começado a mudar; a diferença entre os preços do asfalto e da favela tem diminuído.
As apostas para o futuro não são modestas. O vice-presidente administrativo do Sindicato da Habitação do Rio (Secovi), Ronaldo Coelho Netto, lembra os efeitos da implantação da primeira UPP, no Morro Santa Marta, em Botafogo, em 2008. Não só os preços das casas aumentaram, como também a procura por elas. Tomando como exemplo o caso da favela pioneira da pacificação, Ronaldo prevê o que acontecerá na Rocinha:
– Haverá um período de valorização e intensificação do comércio, inclusive com o surgimento de novos negócios. A expansão imobiliária gerará empregos, e o crédito já está ficando mais fácil e mais longo, possibilitando a realização do sonho da casa própria. A população terá uma condição muito mais digna, com serviços básicos e vitais para todos.
Mas o aumento na procura nem sempre significa negócio fechado. Maria Santos, moradora da Rocinha, tenta vender a casa da família, na Rua 4 da Rocinha, há cinco meses.
– Eu reformei a casa todinha depois que meu pai se mudou. Coloquei madeira de lei, pisos de cerâmica, materiais de primeira qualidade. A procura tem aumentado muito, mas R$ 65 mil é o que ela vale, e não vai ser a UPP que vai mudar isso – diz a comerciante, que conta ainda que a onda recente de assaltos na favela fez os preços baixarem após a valorização repentina causada pela pacificação.
John já tem pronto um “plano B” caso não feche acordo com o dono de sua casa quando o aluguel for reajustado, no início do ano: vai agilizar a construção da sua casa própria, num terreno vizinho. O temor pela expansão imobiliária existe, mas a lógica que domina as relações na favela não é necessariamente a de mercado. John acredita que os novos contratos de aluguel são os que mais vão encarecer.
– Não temos contrato escrito, cria-se uma relação de amizade entre o proprietário do imóvel e o inquilino, o dono fica acanhado de aumentar muito, porque já conhece a pessoa. Isso impede que suba demais.
Se as previsões do estudo da FGV se confirmarem, o período de valorização pelo qual passará a Rocinha será mais intenso que o de outras favelas. Isto porque a pressão imobiliária na favela cartão-postal do Rio é bem maior. As casas da Rocinha são geralmente menores e abrigam mais pessoas, formando um aglomerado populacional.
A sensação de segurança que a presença da UPP provoca é, obviamente, o principal fator de valorização dos imóveis, mas o “efeito-favela” não é resolvido tão facilmente. A dificuldade de provar o direito de propriedade sobre a terra gera incerteza e impede que os imóveis valorizem tanto quanto poderiam. O economista José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, explica:
– Você pode estar comprando algo do qual não poderá assumir que é dono. Caso o governo garanta os direitos de propriedade, esse boom pode durar bastante tempo. Se a economia continuar crescendo e o desemprego se mantiver baixo, os preços tendem a aumentar – diz o economista, que também acredita na atração de empresas de comércio e serviço para a Rocinha, estimulada pela UPP.
Uma das observações feitas na pesquisa da FGV, no entanto, é a da baixa esperança dos moradores da Rocinha frente às possibilidades de transformação com a instalação da UPP. O que talvez seja o maior desafio da pacificação é explicado pelo morador John:
– É normal que as pessoas acabem valorizando os traficantes após sua retirada pela polícia, porque sentem falta dos "benefícios" que eles davam. No Dia das Crianças, davam presentes, no Natal, as famílias ganhavam cestas básicas. O governo tem que pensar numa forma de compensar essa ausência.
*Colaboração: Ligia Lopes
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