Tancredo Neves foi político conciliador com atuação no segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), na transição de Jânio Quadros para João Goulart, em 1961, e na redemocratização, na década de 1980. Assim esclarece “Tancredo Neves – a travessia” (104 minutos), novo documentário do diretor e roteirista Silvio Tendler, também professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio. O filme (assista ao trailer), que estreia nesta sexta-feira (28) em circuito nacional, contextualiza ainda os períodos anteriores, como a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas, por meio da vitoriosa Aliança Liberal, assume a Presidência. Ou como a morte de Vargas, em 24 de agosto de 1954, quando deixa a carta de cuja frase “saio da vida para entrar na História” sobressai.
Quando o bipartidarismo se inicia, por meio do AI-2, em 1967, Tancredo Neves funda o MDB, partido de oposição ao do regime militar, Arena. Com o tempo, Ulysses Guimarães torna-se um grande aliado. Para ilustrar e exaltar os esforços a favor da transição para o período democrático, o documentário exibe imagens de manifestações, acompanhadas do Hino Nacional e de shows dos cantores Cazuza e Fafá de Belém.
Presidente por eleição indireta, realizada em 1985, Tancredo Neves, no entanto, não assume a Presidência. A internação decorrente de uma diverticulite avançaria para o inesperado desvio no rumo da redemocratização. A morte do presidente surpreende e decepciona a sociedade. "Foi aí que percebi que tínhamos perdido o maior líder de seu tempo, e meu avô", lembra Aécio Neves. A luta de Tancredo pela democracia, porém, já era evidente:
– O primeiro compromisso de Minas Gerais é com a liberdade. Liberdade é o outro nome de Minas – discursou Tancredo Neves, ao ser empossado governador de Minas Gerais, em 1983, depois de campanha marcada pelo jingle “Quem é que vai ganhar não é segredo, é Tancredo, é Tancredo”. (Ele havia perdido as eleições para o mesmo cargo em 1960, quando apoiou o marechal Henrique Lott à Presidência)
O documentário reúne 28 entrevistados, entre familiares – como o neto Aécio Neves (PSDB-MG) e Francisco Dornelles (PP-RJ) –, jornalistas – como Roberto D’Ávila, também produtor do filme, Alberto Dines e Ricardo Kotscho –, políticos – como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Cristovam Buarque (PDT-DF), Roberto Freire (PPS-SP) e Eduardo Suplicy (PT-SP) – e celebridades – como Fafá de Belém e Maitê Proença.
Em entrevista ao Portal, o diretor Silvio Tendler, que também assina o roteiro, compara os trabalhos em "Tancredo – A travessia" com "Anos JK – uma trajetória política” (1980) e "Jango" (1984), esclarece aspectos do patrocínio e recorda momentos em que aparece no filme.
Portal PUC-Rio Digital: O documentário “Jango” foi produzido pela filha do João Goulart, Denise Goulart, entre outros. Nesse novo filme, como foi a relação com familiares de Tancredo?
Silvio Tendler: Se Aécio (Neves) participou, ele foi sujeito oculto. Não é problema meu. Nunca tive reunião para tratar de dinheiro nem sobre o que deveria abordar. Almocei com Aécio uma vez na residência oficial do governador, em Belo Horizonte. Entrevistei-o no mesmo dia. Foi o meu único encontro ao longo da realização desse filme.
Portal: O filme lembra Tancredo como um dos grandes artífices da luta democrática. O senhor acredita que possam achá-lo oportunamente parcial? Há preocupação quanto à isenção?
Silvio Tendler: Como diz (o jornalista) Sérgio Augusto, na hora em que você liga a câmera, você toma posição. A arte é parcial. A arte é subjetiva, é o ponto de vista de um autor. Você não pode mentir em nome de uma tese. Ao mesmo tempo, você não pode deixar de tomar partido. E o meu filme é simpático a Tancredo. Talvez uma direita raivosa udenista não goste. Eu fiz porque eu quis, ninguém me pagou, fui simpático porque eu acreditava nele. É um pouco a minha história. Com 34 anos, em 1984, eu estava na rua apoiando ele. Então, ao contar a história de Tancredo, eu também estou contando as minhas histórias de luta política. Estou sendo parcial, real, verdadeiro.
Portal: De presidentes de destaque no Brasil, além de Juscelino Kubitschek, João Goulart e Tancredo Neves – que já foram documentados pelo senhor –, também tivemos Getúlio Vargas. O de Vargas será o próximo?
Silvio Tendler: Não vou voltar para trás. Não sou caranguejo. Eu ando para frente. Getúlio já foi trabalhado suficientemente.
Portal: O senhor era criança durante o governo dos presidentes JK e Jango. O que muda ao dirigir um documentário de um presidente que o senhor acompanhou?
Silvio Tendler: Eu já me coloquei no próprio Tancredo Neves. Fiz questão de apresentá-lo como parte da minha história pessoal. Tanto é que tem imagens minhas no filme. Há dois momentos em que eu me dou o direito de me citar: quando estou com Denise Goulart (filha de Jango), num comitê de artistas intelectuais, aqui no Rio, para receber Tancredo; e quando o senador Pedro Simon cita que, durante o enterro do Jango, o Tancredo discursa. Ele fala “isso até aparece no filme Jango”. E o filme Jango é meu, então eu coloquei.
Portal: Quais foram as principais barreiras enfrentadas para fazer o documentário sobre Tancredo?
Silvio Tendler: Foi, talvez, o documentário mais fácil de minha vida. Porque eu já tinha pleno conhecimento de arquivos – já tinha feito dois outros filmes, recolhido muito material –, e sabia quem tinha as imagens que eu não tinha. Além de tudo, Tancredo era uma pessoa muito querida. Foi muito fácil conseguir material da TV Globo ou da Rede Bandeirantes. Do ponto de vista de documentação, eu não tive dificuldade alguma. Não sei se é qualidade ou defeito, mas a família colaborou também. Todo mundo que eu quis entrevistar aceitou. Os que não falariam para mim toparam falar para Roberto (D’Ávila) (foto).
Portal: Na carreira de documentarista, quais foram os principais desafios?
Silvio Tendler: O filme mais difícil que eu fiz foi “Anos JK", porque não existiam arquivos organizados. Um filme de duas horas, com aquele tamanho, com aquela documentação, sem internet. Não existia computador, era tudo máquina de escrever. Não existia ilha de edição – era moviola –, tudo manual, não existiam essas caneletas digitais – era tudo película cara. As pessoas, em pleno AI-5, tinham medo de ceder documentos, medo de se comprometer, medo de falar. Hoje, quem tem medo de falar de Tancredo? Você bate no Google e acessa tudo. Informação não falta. Arquivos não faltam, só precisa de cabeça – e isso eu tenho.
Serviço
O Unibanco Arteplex Botafogo exibe "Tancredo – a travessia" às 13h30, às 15h40, às 19h50 e às 21h50, na sala 5. O cinema fica na Praia de Botafogo, 316. A classificação é livre.
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