Gabriel Picanço - Do Portal
30/09/2011Megafestivais como o Rock in Rio, que se encerra neste fim de semana, reúnem um seleto grupo de artistas, os maiores da indústria fonográfica, raros nomes do mainstream que continuam sendo ouvidos por milhões e gerando lucro para as gravadoras. Porém, essa indústria não fatura mais como antes. A difusão da internet gerou uma crise no setor fonográfico tradicional e obrigou as gravadoras a repensarem seu modelo de negócio. A solução para os grandes da música ainda não foi encontrada, mas já se entendeu que a mudança veio para ficar. Para os artistas independentes, que sempre estiveram distantes do público devido à centralização dos meios de produção e divulgação musical, a internet serviu como oportunidade para produzir livremente. Hoje é fácil fazer e divulgar uma obra, o que permite aos novos artistas, de qualquer gênero, encontrarem o seu público. Mesmo assim, a nova configuração do cenário musical independente brasileiro e mundial precisa de amadurecimento para se tornar mais favorável aos novos artistas. É este o mote do Seminário Internacional Música Independente no contexto pós-crise, que reunirá profissionais e estudiosos do tema para debater os caminhos e desafios dos artistas independentes na atual configuração de produção musical, nesta segunda e terça, dias 3 e 4, na Uerj.
Para o professor Júlio Diniz, diretor do Departamento de Letras da PUC-Rio e coordenador geral do Núcleo de Estudos em Literatura e Música (Nelim), que participará do evento no primeiro dia na mesa Nas bordas e fora do mainstream, a relação umbilical que unia artistas e gravadoras foi rompida, dando lugar ao nomadismo da produção cultural:
– Hoje, qualquer um pode fazer um CD em casa. Gravar as músicas é a parte menos complicada de todo o processo. Não se precisa mais de uma gravadora ou um estúdio imenso para isso. Com a mudança do suporte tecnológico, a cultura pela rede está cada vez mais acessível, seja para produzir ou veicular. A ideia de mainstream desapareceu, em termos estéticos. Existe mercado para qualquer coisa – afirma Diniz.
Mesmo sendo mais fácil produzir música, Diniz e outros especialistas acreditam que é necessário amadurecer alguns pontos do novo mercado, como a distribuição e venda das obras e a questão dos direitos autorais. A socióloga Santuza Cambraia Naves, professora do Departamento de Sociologia da PUC, que no evento falará sobre mainstream e vanguarda na Tropicália, acredita que as discussões estéticas trazidas pelo movimento musical dos anos 60 agora dão lugar ao debate sobre mercado.
– Houve a descentralização das grandes gravadoras, das grandes produtoras de discos. Com a indústria de disco pulverizada, você tem maneiras de divulgar as músicas, não só pelas gravadoras independentes, como também pela internet. Modos que seriam impensáveis na época do Tropicalismo. Mais de 40 anos depois do movimento tropicalista, por mais que ele tenha trazido questões que são muito atuais hoje, o momento é diferente, as condições são diferentes, os suportes são diferentes. Aparecem novas questões e, em torno dessas novas questões, novas respostas – diz Santuza
As jornalistas Olívia Bandeira de Melo e Oona Castro, do site Overmundo, estudaram o caso da formação de cenas musicais no Norte do país a partir da apropriação tecnológica, sendo o tecnobrega de Belém do Pará o principal representante desse grupo. No caso paraense, a revolução independente começou antes mesmo da internet. O esvaziamento de investimentos das gravadoras nesta região propiciou o surgimento e estabelecimento do estilo. Os artistas locais desenvolveram um modo de produção caseira, baseado na distribuição de CDs com o apoio de camelôs que disseminam as músicas, garantindo o faturamento em shows e festas de aparelhagens (foto). Acabaram assim criando e fortalecendo uma cena que, se dependesse da indústria formal, dificilmente iria acontecer.
– O que temos a aprender com aquela cena é pensar nas oportunidades a partir das deficiências do mercado onde estamos. Pensar qual a indústria que queremos construir e qual o modelo de negócio mais favorável. O tecnobrega é apenas uma das cenas fortes no Pará. Ela movimentava, em 2006, R$ 10 milhões por mês e gerava em torno de 6.500 postos de trabalho, não necessariamente formais – diz Oona.
Segundo a pesquisadora, apesar de a cena do tecnobrega ter sido boa para a maioria dos artistas locais, ainda existem algumas características do modelo que ainda precisam ser aprimoradas. Segundo Oona, a informalidade abriu caminhos para um grande potencial inovador, mas criou barreiras para a consolidação, pois está baseada em regras que são comungadas localmente, mas não são avalizadas pelo estado. Isso permitiu, por exemplo, que a banda baiana Djavú passasse a tocar tecnobrega por todo o Brasil, assumindo para si a criação do gênero.
– Os artistas do tecnobrega de Belém dizem que a Banda Djavú roubou. Mas durante anos eles trabalhavam com a difusão livre. Era um acordo baseado em relações de confiança, pessoais, que funcionava bem na região, mas tinha o desafio de ser reproduzido em outros locais. Eles se tornaram vítimas do próprio modelo de negócio.
As inscrições para o seminário são gratuitas, e os debates também serão transmitidos ao vivo, no site do evento.
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