Aclamado por uma plateia formada por estudantes e admiradores de sua obra, o poeta, crítico de arte e colunista da Folha Ferreira Gullar afirmou que a polêmica com o poeta Augusto de Campos (do movimento concretista), em torno de um artigo publicado em sua coluna do jornal sobre o “redescobrimento da obra de Oswald de Andrade”, não é nada mais que uma discussão tola. A declaração foi dada durante sua participação no projeto TeKnósPoiÉsis – Poéticas do oral ao digital, organizado pela Cátedra Unesco de Leitura e que se estende até o dia 30 de setembro no Solar Grandjean de Montigny, na última quinta-feira (18). Gullar também aproveitou o contato com os jovens para abordar a ruptura com o movimento concretista e relembrar passagens de seu exílio da ditadura militar.
Sobre a recente polêmica, Gullar se diz tranquilo e parece não querer levar adiante o assunto. Segundo o poeta, por ser escritor é melhor falar as coisas com graça do que ficar enchendo a paciência das pessoas.
– Fiz um artigo para comentar a obra de Oswald de Andrade usando como gancho a homenagem da Festa Literária de Paraty (Flip) a ele. Citei um encontro entre mim e o Augusto de Campos, no qual ele afirmou que o Oswald era um irresponsável e não podia ser considerado um grande artista. Para mim o que importa é a obra, não a pessoa. O artigo foi só para dizer que, após uma releitura do Oswald, ele passou a ser reconhecido como é até hoje. Essa discussão surgiu de um assunto tolo – disse Gullar.
Sem fugir dos temas mais espinhosos, o poeta criticou o movimento concretista na literatura brasileira, na década de 1950. Para ele, de concreto esse estilo não tem nada, “só de abstrato”:
– Esse nome só surgiu porque havia uma tendência predominante na cultura brasileira. Como dizia um filósofo, concreto é a soma de todas as determinações, ou seja: quanto mais eu falo de algo, mais ela fica concreta. A soma das determinações seria a soma das informações, e não vejo isso nessas obras.
A arte concreta, afirma o poeta, é a ruptura com o modernismo (nacionalista, pejorativo), uma coisa nova, uma arte que pretende ser objetiva e racional. Foi por essa racionalidade que Gullar afirma ter abandonado o movimento:
– Não sou uma pessoa racional, e desconfio dela. A arte que queria ser só racional me inquietava.
Com o rompimento surgiu o neoconcretismo, do qual muitos afirmam que Gullar é “o pai”. Ele refuta o rótulo, e afirma que só inventou o nome como resposta ao "concretismo" dos paulistas: "É contra, mas é uma consequência. Não fui eu que inventei a arte neoconcreta", ressaltou.
Histórias da ditadura
O poeta contou com bom humor algumas passagens de seu exílio por Chile e Argentina. Uma delas é a cerimônia de lançamento de Poema sujo – considerada uma das mais importantes obras brasileiras e, que só chegou ao Brasil graças ao poeta Vinicius de Moraes.
– Após a divulgação de Vinicius, chegava a hora da publicação oficial com autógrafos. Acontece que essa foi a única vez que eu vi uma noite de autógrafos sem o autor – lembra. – No entanto, esse foi o poema que me ajudou a poder voltar do exílio, pois houve uma comoção nacional que os militares não puderam evitar – lembrou Gullar.
O poeta relembrou ainda do dia em que militares invadiram sua casa e lá encontraram um livro intitulado Do cubismo à arte neoconcreta: "Os militares leram a palavra cubismo e apreenderam meu livro achando que tinha relação com Cuba", lembra.
– Tinha um "ilustre" militar na operação, que era o capitão Guimarães – revelou aos risos.