Artur Romeu - Da sala de aula
26/09/2011A Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro anunciou em janeiro de 2010 que iria remover 119 favelas “não urbanizáveis” até 2012 e demonstra que está empenhada em cumprir a promessa. O plano inclui a remoção de pelo menos 13 mil pessoas que, segundo estudo feito pela prefeitura, estariam vivendo em áreas de risco. Ainda de acordo com a prefeitura, os moradores seriam realocados, após indenização prévia, para as casas do projeto do governo federal “Minha Casa, Minha Vida”, em regiões como Cosmo e Campo Grande, a cerca de 40 quilômetros do Centro. Da mesma forma, a construção das vias expressas Transoeste, Transolímpica e Transcarioca tem justificado a remoção de uma série de comunidades que estão no caminho das obras.
No debate sobre política habitacional, promovido pelo Encontro Regional de Estudantes de Direito, na PUC-Rio, o Secretário Municipal de Assistência Social da cidade, Rodrigo Bethlem (PMDB), defendeu as reformas urbanas desenvolvidas pelo poder público. Mas reconheceu que, ao analisar todo o processo, é possível que tenham ocorrido “problemas pontuais”.
– Não se consegue fazer omelete sem quebrar ovos. Temos o compromisso em privilegiar o interesse público em detrimento do privado. Estas obras de infraestrutura vão trazer qualidade de vida para muita gente e infelizmente estas remoções são necessárias – afirmou Bethlem.
Segundo o subprocurador Geral de Direitos Humanos do Ministério Público do Rio de Janeiro, Leonardo Chaves, o estado não tem respeitado a Lei Orgânica do Município e muito menos a Constituição Federal, que garante o direito a moradia.
– A legislação só justifica as remoções quando os moradores correm perigo de vida. Eles devem ser realocados para as áreas mais próximas e receber uma indenização que respeite o valor de mercado do terreno e um aviso prévio razoável, estipulado em no mínimo 30 dias. Temos provas de que isso não acontece – afirma o procurador.
Ao expor uma ordem de remoção da Vila Harmonia, comunidade localizada no Recreio, com a desocupação “no prazo máximo de 0 dias”, assinada em 27 de outubro de 2010, Leonardo Chaves denuncia a gravidade do problema. De acordo com as informações que obteve, pelo menos outras duas comunidades sofreram com uma ação ilegal da prefeitura: Restinga e Vila Recreio 2, ambas na Zona Oeste do Rio. Segundo dados recolhidos pela Defensoria Pública, as três regiões somadas contam mais de 500 famílias, com um histórico de ocupação que remonta aos anos 1970, além de não estarem em áreas de risco.
Ex-procurador do Rio de Janeiro, o advogado e professor Miguel Baldez presta assessoria jurídica a comunidades nas questões do direito a moradia e a posse de terra há 30 anos. Ele afirma que o Estado está “cometendo um crime contra a sociedade ao levar adiante as políticas de remoções”.
– O que acontece no Rio é absolutamente ilegal, mas não vem de hoje. As remoções eram uma prática constante do governo Carlos Lacerda e uma herança do “Bota Abaixo” de Pereira Passos. Este processo está diretamente associado a especulação imobiliária, que é o paroxismo da produção capitalista da cidade, analisa Baldez.
Apesar das raízes históricas desse conflito habitacional, o ex-procurador afirma que houve uma intensificação das remoções nos últimos anos. A defensora pública Maria Lúcia Pontes foi coordenadora do Núcleo de Terras e Habitação do Rio durante quatro anos e também alerta para o aumento do número de remoções. Segundo ela, “os megaeventos nos próximos anos são o pano de fundo para o processo de mercantilização da cidade”.
– O mercado se expande na cidade onde existe espaço e oportunidades de lucro, por isso normalmente cresce onde estão as comunidades. Apesar de algumas terem décadas de ocupação, continuam irregulares e é portanto mais fácil e barato removê-las. Aumenta, assim, o valor agregado da área ao distanciar as favelas – explica Maria Lúcia.
Vila Autódromo, do dano estético ao ambiental
Apertada entre os muros da pista de corrida e a margens da Lagoa Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, a Vila Autódromo tem uma história de ocupação que remonta aos anos 1960. A área, inicialmente isolada do resto da cidade, atraiu num primeiro momento pescadores e, em seguida, com as obras de construção do Autódromo, outros tantos operários e trabalhadores que também acabaram se instalando na comunidade, hoje com cerca de 1.500 habitantes.
O presidente da Associação de Moradores, Altair Antunes tem 57 anos dos quais os últimos 15 vividos na Vila Autódromo. Sua chegada coincidiu “mais ou menos quando começaram os problemas na comunidade”.
– Antes de chegar aqui, eu morava numa favela da Zona Sul que foi expulsa pelo Carlos Lacerda. Fui para a Cidade de Deus, de onde também tive que sair por causa da construção da Linha Amarela. Vim para Vila Autódromo no começo dos anos 1990. Mais uma vez cheguei junto com as ameaças de remoções – conta Antunes.
Moradora há mais de 30 anos da comunidade, a professora de rede estadual de ensino, Inalva Brito, acompanha desde então as diversas “investidas da prefeitura para tirar a comunidade”. Segundo ela, que também faz parte da associação de moradores, a grande maioria das casas da comunidade é loteada e regularizada, mas ainda assim sofrem pressões do poder público para deixarem a área.
– A primeira acusação que sofremos foi uma ordem de remoção que justificava a retirada da comunidade por “dano estético”. Depois vieram outras, como área de risco, dano ambiental, invasão do perímetro de segurança da área olímpica e a construção do Centro de Mídia para 2016. Temos conseguido demonstrar ao longo dos anos que estas acusações são infundadas, afirma Inalva.
As obras da Transoeste e da Transolímpica, que estão sendo construídas para desafogar o trânsito da cidade, agora são o principal motivo de preocupação da Vila Autódromo. Segundo os moradores, o aterramento de vários pontos próximos à comunidade e a Lagoa Jacarepaguá pode provocar o alagamento das ruas quando houver grandes chuvas. No ano passado, os moradores da Vila Autódromo criaram o Movimento Olimpíadas Não Justificam Remoções e vem se articulando com outras comunidades na tentativa de resistir às pressões do governo.
* Esta reportagem foi produzida para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Carla Rodrigues, que debateu com os alunos, ao longo do primeiro semestre de 2011, a recuperação da cidade do Rio de Janeiro, seus desafios, perspectivas e impasses. O trabalho resultou numa série de cinco reportagens, publicadas no blog Rio de Janeiro em Debate, e agora pelo Portal. Leia também Uma marca para a Cidade Maravilhosa, Promessas para o porto, Rio, o paraíso cinematográfico e Transporte público no Rio de Janeiro: além da estética