O Rio tem a fama de ser o cartão-postal do Brasil. Pelos números do turismo, por exemplo, isso parece ser ainda mais verdadeiro. No carnaval deste ano, a cidade recebeu mais de um milhão de turistas, o que significou um aumento de 20% em relação a 2010. No réveillon de 2009/2010, a taxa de ocupação dos hotéis foi de 98%. Os últimos acontecimentos, como a escolha da cidade como sede das Olimpíadas e a pacificação das favelas, cujo maior símbolo foi a retomada do Complexo do Alemão, podem ser uma das explicações para esse crescimento avassalador. Mas o que faz as pessoas escolherem o Rio para morar, viajar, conhecer? Um dos motivos é o que os publicitários chamam de “marca”. A cidade, assim como uma empresa, tem uma imagem, uma reputação, e neste momento está tendo a grande oportunidade de se reinventar.
O recém-lançado livro Rio: a hora da virada, coletânea de artigos organizada pelos economistas André Urani e Fábio Giambiagi, tenta traçar um panorama das possibilidades e dos problemas que a Cidade Maravilhosa tem que enfrentar para realmente aproveitar o novo ânimo das autoridades e da população. Um dos textos trata exatamente dessa marca que o Rio promete entregar.
O jornalista Bruno Israel e a publicitária Ana Couto defendem que a cidade criou uma psedo-marca, e acredita que ela seja suficiente para vender e projetar o Rio tanto dentro como fora do país. Não porque o conceito de Cidade Maravilhosa esteja errado, mas porque a cidade não cumpre a promessa de ser maravilhosa. Surgem, então, os principais pontos do branding de lugares, como é chamada essa modalidade de publicidade: a qualidade e fidelidade do que é vendido são fundamentais para se construir uma marca sólida e durável.
Um dos organizadores do livro, o economista André Urani afirma que uma marca não sobrevive de promessas e que ela também não é capaz de encobrir falhas. Para ele, isso não significa que a cidade não possa ter problemas, mas é preciso assumi-los, e não fingir que não existem:
– Imprimir uma marca faz parte do amadurecimento de um lugar. Isso está ligado diretamente com a identidade desse lugar. O Rio é maravilhoso, mas a cidade não, porque a cidade é uma construção humana. Portanto, o primeiro passo é admitir que temos contradições e precisamos lidar com elas – diz.
Marca é a imagem intangível que temos de alguma coisa. É o valor inconsciente. A cidade de Nova York é um exemplo de sucesso de branding. Na década de 1970, a cidade estava quebrada financeiramente, imersa na violência urbana e na corrupção da polícia. Ou seja, um lugar com pouco atrativos tanto para moradores como para turistas. A logomarca I Love NY, onde a palavra love é substituída por um coração, foi o começo da mudança de percepção da cidade. O mote da campanha era que a “cidade estava doente e nós precisamos cuidar dela”, e isso virou o propósito de milhões de pessoas: cidadãos, visitantes e representantes oficiais. A campanha foi acompanhada de investimentos públicos em limpeza urbana, no combate à corrupção da polícia e ao tráfico de drogas, além de pequenos deslizes como a sujeira de cachorros. O envolvimento para buscar melhores condições de vida para as pessoas e para a cidade partiu de todos os setores da sociedade, e foi encarado como um dever de casa que aos poucos foi internalizado.
– Esse processo não pode ser um projeto político, porque se for está fadado ao tempo de governo – ressalta Urani.
O melhor dessa mudança é que a marca Nova York conseguiu agregar valor ao produto e, dessa forma, garante que os turistas estejam dispostos a pagar o preço que for para desfrutar das inúmeras possibilidades da cidade. E esse trabalho só é possível porque Nova York entrega o que promete: diversão, compras, cultura, moda, inovação, e reverter em mais investimentos, empregos, melhorias urbanas. Ou seja, é um ciclo de mudanças.
– Eu nem sabia que essa logo tinha sido inventada pelo governo de Nova York. Pensei que era só uma estampa que ganhou o mundo – comenta a estudante Marianna Ribeiro.
– A marca de um lugar não pode ser copiada para outro. Precisamos encontrar nossa própria vocação - alerta André Urani.
Para o Rio, esse caminho ainda é longo. Mas algumas demonstrações podem ser encaradas como tentativas de chegar lá. A mobilização social é a principal delas. Manifestações contrárias a obras que só tenham utilidade para a Copa e as Olimpíadas, o apoio a campanhas como Choque de Ordem, a Lei Seca, o controle do xixi na rua no carnaval são alguns exemplos. O que reforça que o interesse de ter uma marca está ligado a uma mudança de comportamento, de postura, principalmente dos cidadãos. Dessa forma, acaba se tornando uma exigência na pauta governamental. É o que os autores chamam de fugir do “jeitinho brasileiro”, que se traduz numa permissividade e passividade excessivas diante do errado, e que acabam vendendo uma imagem deturpada. Carnaval, mulatas, futebol e sol não podem ser os únicos valores do Rio.
Esse novo momento da cidade é a oportunidade para descobrir o propósito do Rio e, assim, formalizar uma promessa possível de cumprir. Como declarou o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, um ícone dessa revolução, não há nenhum programa de segurança que sobreviva sem investimento sociais:
– A UPP não é uma panaceia e também não é a solução de todos os problemas. Existem muitas coisas que ainda devem ser feitas – disse ele em entrevista recente ao jornal O Globo.
Esse também precisa ser o espírito dos interessados em construir uma marca consistente para a cidade. Uma atitude certa não apaga a errada, mas com certeza o inverso é verdadeiro. Por isso, para vender a Cidade Maravilhosa, é preciso valorizar nossos legados com inteligência e sensibilidade estratégica. E, assim, criar uma reputação positiva concreta tanto para quem mora ou trabalha como para quem visita o Rio.
* Esta reportagem foi produzida para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Carla Rodrigues, que debateu com os alunos, ao longo do primeiro semestre de 2011, a recuperação da cidade do Rio de Janeiro, seus desafios, perspectivas e impasses. O trabalho resultou numa série de cinco reportagens, publicadas no blog Rio de Janeiro em Debate, e agora pelo Portal. Leia também Promessas para o porto e Rio, o paraíso cinematográfico.