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Rio de Janeiro, 27 de abril de 2024


Esporte

Seleção é imune à disputa entre Dunga e a imprensa

Bruno Alfano e Evandro Lima Rodrigues - Do Portal

28/06/2010

Photocamera

Reconhecido pela eficiência no desarme quando ajudou o Brasil a ganhar o tetra, em 1994, Dunga virou sinônimo de ataque. Dos habituais confrontos com a imprensa aos xingamentos à beira do campo que quase lhe renderam uma suspensão nesta Copa, o técnico acumula discussões no currículo dourado pela classificação confortável ao Mundial da África do Sul. O pragmatismo dos resultados asseguram-lhe imunidade. Ou será o comportamento do treinador uma ameaça à imagem e ao lucro da seleção brasileira? Para Luiz Léo, professor da PUC-Rio especialista em marketing esportivo, os negócios da seleção estão vacinados:

– Em poucos segmentos de negócios o Brasil comporta um empreendimento de tanto sucesso. Além dos dez parceiros comerciais que a CBF ostenta atualmente, remunerando seu principal produto (seleção brasileira), há uma fila de interessados, aguardando a oportunidade de entrar para este seleto "clube".

No marketing, as empresas procuram associar a sua imagem a valores simbolizados pelo "garoto-propaganda". Em um evento como da Copa do Mundo, porém, os contratados para os anúncios são escolhidos menos pela imagem que representam do que por sua visibilidade. Exatamente por isso, a bola da vez, segundo Luiz Léo, é o técnico Dunga. Já ao fim da Copa os anúncios protagonizados pelo técnico tendem a mingua – mesmo em caso de título:

– Não há dúvidas de que Dunga irá perder receitas de publicidade após a Copa, mas não por sua imagem propriamente dita, e sim pela própria sazonalidade do evento. Não acredito que ele [Dunga] faça um antimarketing. Agressividade também pode ser um dos valores explorados pelas marcas – argumenta Léo.

O antropólogo e professor da PUC-Rio Everardo Rocha, especialista em consumo, acredita que a "postura" do técnico pode levar à retranca do mercado publicitário: 

– O Dunga fecha mercado para ele próprio. Ser mais generoso e polido poderia abri-lo.

 Mauro Pimentel Para Everardo (foto), a falta de polidez nas declarações do comandante prejudica a imagem da seleção fora do país, mas é insuficente para atrapalhar a torcida pelo time. Vitória do pragmatismo.

– No plano internacional, a imagem do Brasil pode ficar manchada. Dentro do Brasil, eu acho muito difícil matar o amor dos brasileiros pelo time. Isso está fora de cogitação. O resultado é o negócio que mais pesa. Na medida em que os resultados forem positivos, os problemas tornam-se irrelevantes – avalia Everardo.

Para o professor de comportamento do consumidor Eduardo Ayrosa, da Fundação Getúlio Vargas, a imprensa tem sua cota na atitude agressiva do técnico:

– Para algumas pessoas, os jornalistas incomodam mesmo e a imprensa está agindo assim porque está sendo atacada. Se, por acaso, o Brasil continuar ganhando, o que vai se dizer?

Duelo com a imprensa

O desentendimento entre a imprensa e Dunga não é novidade. O desempenho da Copa de 90 – vencida pela Alemanha, na Itália – foi o pior desde 1966. Eliminada nas oitavas de finais, pela rival Argentina (1 a 0), o time comandado por Sebastião Lazaroni  e do qual Dunga era capitão foi criticado pelo futebol defensivo. A derrota marcou a geração apelidada pela imprensa de "era Dunga".

Quatro anos depois, sob os cuidados de Carlos Alberto Parreira, o Brasil escolhia de novo uma formação que privilegiava o jogo destrutivo para enfrentar os adversários. Entretanto, os gols da dupla Romário e Bebeto – e os poucos sofridos pela sólida defesa, três em todo o Mundial – levaram a equipe canarinho ao tetracampeonato e o capitão Dunga, à redenção.

 Photocamera Em 1998, na França, Dunga despediu-se da selelção – como jogador. Ainda como capitão, exercia a liderança a qualquer custo: no segundo jogo da primeira fase, contra o Marrocos (3 a 0 para o Brasil), o capitão deu uma cabeçada em Bebeto após breve discussão. A dupla fez as pazes ao longo da partida e o episódio foi diluído pelas vitórias. 

Everardo Rocha acredita que a forma como a imprensa tratou o então jogador desde o seu primeiro Mundial ainda o incomoda:

– Ele [Dunga] se sente muito perseguido desde sempre. Quando jogador, não foi bem tratado, bem acolhido, desde a era Dunga, sinônimo de futebol feio. Então ele reage enfaticamente, de uma maneira desnecessária – grosseira até. Isso vem de uma mistura de fatores: personalidade, posição que ocupa, pressão, medos. 

O psicólogo Raphael Zaremba, professor de psicologia do esporte da PUC-Rio, também acredita que a razão das atitudes do técnico com a imprensa pode ser encontrada na história da vida dele. Ressalva que "essa postura serve para preservar o grupo":

– Dunga parece ter uma grande preocupação em defender e preservar o seu trabalho e o grupo que ele comanda, mas, para isto, acaba adotando uma postura considerada "agressiva" por muitos.

A pressão do cargo também é apontada pelo especialista como responsável pelo duelo com os jornalistas:

– Podemos tanto tentar encontrar respostas na história de vida dele quanto na pressão que qualquer pessoa que ocupa o lugar que ele está ocupando enfrentaria.

A Copa da deselegância

A Copa do Mundo de 2010 coleciona exemplos de técnicos pressionados perdendo a cabeça. A coletiva do eslovaco Vladimir Weiss – depois da derrota de 2 a 0 para o Paraguai, pela segunda rodada do Mundial, no dia 20 – durou apenas 40 segundos. “Os adversários foram melhores, o que é a resposta óbvia", foi a explicação para a derrota e única resposta do treinador, além de uma ameaça feita a um jornalista eslovaco. No dia seguinte, Weiss faltou a coletiva, por “não aceitar a maneira de tratamento da imprensa”. No dia 24, foi a público pedir desculpas:

– Peço que vocês me desculpem pelo que aconteceu no nosso relacionamento até agora. Eu faço futebol para quem gosta de futebol. Só que alguns de vocês (jornalistas) querem trazer tristeza para o nosso ambiente – afirmou.     

O técnico francês Raymond Domenech, depois da derrota para a África do Sul por 2 a 1, que confirmava a humilhante eliminação na primeira fase do Mundial, deixou de cumprimentar o treinador adversário, Carlos Alberto Parreira. Domenech deixou o brasileiro de mão estendida, num desfecho vergonhoso para a participação da França da Copa – com duas derrotas, um empate e incontáveis problemas de relacionamentos entre os jogadores e a comissão técnica.

– O fair play (a gentileza) não está sendo uma coisa muito presente nos técnicos nessa Copa – que são de fato muito pressionados. Deve ser complicado você ficar com 500, 600 jornalistas no seu pé o tempo inteiro – opina Everardo.