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Rio de Janeiro, 25 de abril de 2024


Esporte

"Pátria de chuteiras" enfrenta uma retranca dupla

Bruno Alfano - Do Portal

02/06/2010

Mauro Pimentel

A nove dias da Copa, o ufanismo do técnico Dunga recebeu cartão amarelo. A tática da pátria de chuteiras não resistiu nem à exigência da galera que acompanhava nos pilotis o amistoso contra o Zimbabue (3 a 0, gols de Michel Bastos, Robinho e Elano), nem aos especialistas em esporte reunidos na PUC-Rio. "A seleção já não representa o nacionalismo observado, por exemplo, em 1970, quando a conquista do tri provocou dois dias de feriado. Isso seria impensável hoje", observou o professor da UERJ Ronaldo Helal, especializado na pesquisa sociológica do futebol, no seminário Esporte na Mídia.

Helal reconhece que o Brasil ainda vira os olhos para a Copa, como mostravam as dezenas de estudantes em torno da TV instalada nos pilotis. "O Brasil e outros países com tradição no futebol, como a Argentina, dão mais importância ao Mundial. Eles [os argentinos] só não enfeitam as ruas porque faz muito frio. Assim, fazem festa no Obelisco (monumento central de Buenos Aires)", completou. Mas hoje seria exagero considerar a seleção brasileira uma catalisadora imbatível do "sentimento de nação". Embora tenha sido escalado por Dunga para justificar a convocação de "guerreiros comprometidos com a pátria", a pretensão ufanista já não encontra suporte na forma com a qual o torcedor se relaciona com a seleção.

– O sentimento de nação representado pelos onze jogadores ainda une as pessoas, mas se enfraqueceu à medida que o mercado do futebol ganhou força - explica Helal - Da seleção, o brasileiro espera mais outra coisa: a diferenciação, o jogo bonito. É interessante que esta cobrança não se aplica, na mesma proporção, ao time de preferência. Se o Flamengo, por exemplo, ganha um título ninguém fica preocupado se, como se diz, "jogou feio".

 Mauro Pimentel Embora seja compreensível, e previsível, a cobrança sobre o time de Dunga é injusta na opinião do pesquisador. Para ele, o Brasil tem uma seleção competente, uma das favoritas ao título. "Na Copa de 1994, aconteceu mais ou menos o mesmo: criticaram muito a seleção, e o Dunga ficou marcado como o símbolo de um futebol bruto. Não foi verdade: Dunga era um ótimo volante, responsável por passes precisos.", lembrou.

Os colegas de debate também defenderam o time comandado por Bebeto e Romário. O jornalista Roberto Falcão, que cobriu a seleção brasileira na Copa de 1994, nos EUA, pelo Jornal do Brasil, chegou a rever os jogos para avaliar melhor o desempenho da equipe treinada por Parreira:

– Como ficava o tempo todo acompanhando o Brasil, não pude ver outros jogos. Fiquei com a impressão, pelo que saía predominantemente nos jornais, de que a seleção brasileira era fraca. Decidi então rever as partidas da seleção e de outras equipes. Confirmei que a conquista não foi acidente. O time era muito bom. Tinha um ataque excelente, uma defesa sólida e um meio competente. Às vezes, a leitura que [nós brasileiros] mostra-se precoce, ou parcial, longe da realidade. Na Copa de 50, também foi assim. Embora tenha ficado no imaginário a história de uma grande injustica.

– Pois é, na Copa da Itália,  foi a mesma coisa. Esquecemos que a Itália (seleção que desclassificou o Brasil de Zico e Sócrates com uma vitória de 3 a 2 nas quartas-de-final) tinha um timaço - acrescentou o repórter da TV Globo Régis Rösing, que embarca hoje para a África do Sul.  

 Mauro Pimentel – De qualquer forma, se o Brasil não ganhar, não haverá uma profunda tristeza. O sucesso ou o fracasso da seleção já não muda tanto o cotidiano do brasileiro - arrematou Helal. 

Para Falcão, o enfraquecimento da "seleção canarinho" como símbolo nacionalista deve-se, em parte, ao avanço do futebol como produto da indústria do entretenimento. Há, segundo ele, uma supervalorização do aspecto comercial em detrimento do jogo:

– O espetáculo é intrínseco ao jogo, que é como uma peça de teatro: precisa de apoio comercial, mas não dá para fazer uma peça apenas de merchandising.

A transferência de Cristiano Ronaldo para o Real Madrid, na temporada passada, ilustras as crifras estratosfréricas que cercam o espetáculo "futebol". O craque português foi vendido pelo Manchester por cerca de 94 milhões de euros. Cristiano e os demais jogadores no Mundial da África do Sul agregam à competição 5 bilhões de euros, estima o instituto Football Finance.  

Amplificado pelos meios de comunicação, o show do futebol atrai número crescente de espectadores nas principais competições mundiais. Na final da Copa de 1950, 177 mil assistiram ao Uruguai desbancar os anfitriões no Maracanã. Embora a média de público nos estádios tenha diminuído, por uma série de fatores, a multiplicação das coberturas em rádio, TV e internet disseminou o acompanhamento do esporte mundo afora. A transmissão do Mundial pela TV começou em 1954, na Suíça, para oito países europeus, mas só em 1970, no México, os brasileiros só assistiram à primeira Copa via satélie. Saborearam a máquina de Pelé, Gérson, Rivelino, Tostão e Jairzinho conquistar o mundo pela terceira vez.

 Mauro Pimentel Depois de 56 anos, na Alemanha, 3.340.000 pessoas assistiram aos jogos nos 12 estádios da Copa e um bilhão de telespectadores, em 200 países, acompanharam a competição vencida pela Itália. Com cerca de um sexto da população mundial interessada pelo esporte, as transmissões vão se sofisticando. Criam um show turbinado por dezenas de câmeras, efeitos especiais, computadores, animações. Produzem, assim, uma outra realidade – “mais real” – apropriada pela imprensa, observou Helal:

– A mídia faz parte do espetáculo. Ela não cria, mas se utiliza e se beneficia dele.

Para Falcão, enquanto os veículos de variedades tratam da "notícia pura", os veículos específicos de esporte conjugam a informação com o espetáculo:

– O público específico gosta desse espetáculo que há em torno do futebol e procuram os veículos segmentados.

Impulsinado pelos meios de comunicação,  o futebol-espetáculo, ou futebol-indústria, recebeu da Fifa uma dose generosa de oxigênio. A instituição que regulamenta o futebol profissional no mundo teve papel determinante para torná-lo um sinônimo de grande audiência e lucro. Em 1974, quando o brasileiro João Havelange assumiu a presidência da Fifa, esta foi a diretriz: expansão. Nas palavras oficiais, extraídas do site, o órgão “converteu o futebol em uma das melhores indústrias do lazer, abrindo mercados no mundo não apenas para a Fifa, senão para o resto das nações”. Para reforçar a estratégia e consolidar o conceito "globalizante", países com pouca tradição no esporte passaram a sediar Copas, comos os Estados Unidos, em 1994, e o Japão e a Coréia do Sul, dobradinha em 2002. 

Passaporte para boas histórias

Régis ressaltou que o futebol, apesar da apropriação comercial, ainda pode ser um passaporte para conquistas sociais e boas histórias. Assim porva, por exemplo, a reportagem feita pelo repórter sobre a capacidade redentora do futebol numa Ruanda que emergia da guerra civil. O jogo, a brincadeira de jogar bola – acima da disputa e do espetáculo – ajudou a cicatrizar as feridas dos sobreviventes da luta entre tribos naquela país africano. Cerca de 100 mil morriam, em média, a cada dia. Depois de 15 anos, os adversários Hutus e Tutsi uniam-se em outro campo. Passavam a integrar um mesmo time na disputa do campeonato local. Torceram pela seleção, que ficou a um ponto de disputar a Copa. Dimiruíam, assim, as fronteiras do passado.

– O futebol foi o fio condutor dessa história. Espero que tenha servido de inspiração – comentou Régis – Procurem uma abordagem criativa do esporte. Ele dá margem a uma séria de histórias bacanas, além do jogo – disse o repórter, dirigindo-se à plateia formada, predominantemente, por estudantes. 

 Mauro Pimentel Helal emendou, de bate-pronto:

– Costumam associar torcida e violência, mas o futebol também apresenta vários exemplos pacificadores. Em 2004, quando Rio estava apreensivo com a batalha entre facções criminosas da Rocinha e do Vidigal, as torcidas de  Flamengo e Vasco, que disputavam a final do Carioca, foram às ruas na maior tranquilidade.

Régis foi adiante:

– O esporte é o maior promotor de instantes de paz da história. O mundo devia ter um evento esportivo por dia.