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Rio de Janeiro, 3 de maio de 2024


Esporte

Gérson lembra como seleção de 70 espantou fantasma uruguaio

Luís Ricardo Araujo da Costa - Da sala de aula

23/03/2010

Fotos: Reprodução/Internet

Depois de um lançamento, o camisa 7 do Uruguai, caindo pelo lado direito da grande área, chuta cruzado uma bola defensável. O goleiro brasileiro talvez esperasse um cruzamento, que não veio. O gol pôs o Uruguai na frente do marcador contra a seleção favorita daquela Copa do Mundo.

O camisa 7 não era Gigghia, entretanto. Era Cubillas, que chutara contra a meta de Félix, que não era Barbosa. A Copa do Mundo era no México, em 1970, distante de um longínquo 1950, de um jogo em que, num Maracanã de 200 mil gargantas inertes, o Uruguai derrotou o Brasil na decisão do mundial.

Brasil e Uruguai se encontravam pela primeira em copas depois do Maracanazo – como os uruguaios apelidaram a vitória contra o Brasil em 1950. A partida, no Estádio Jalisco, pela semifinal da Copa de 1970, daria ao vencedor o direito de disputar a final contra a Itália, que vencera a Alemanha num dos jogos mais espetaculares de todos os tempos. As três seleções candidatas ao título naquele momento – Brasil, Uruguai e Itália – contavam com dois títulos cada. A Taça Jules Rimet, entregue ao campeão em sistema de rodízio, ficaria definitivamente com aquela que conquistasse três vezes o título. A Copa de 1970 veria, portanto, o último dono da taça. Quem perdesse aquele jogo, Brasil ou Uruguai, não voltaria a levantá-la.

E Cubillas abriu o placar, aos 19 do primeiro tempo, numa falha coletiva da defesa brasileira. Brito saiu jogando errado e Morales lançou para o chute canhestro de Cubillas. Félix aceitou. O fantasma talvez reaparecesse aos mais velhos, experimentados do Maracanazo. O radialista Luis Mendes, da cabine em que comentava o jogo pela Rádio Globo, ouviu a reação uruguaia diante do gol:

 O Duilio De Feo, locutor da Rádio Sport, de Montevidéu, virou-se para nós e gritou que éramos fregueses.

Mas nenhum espectro rondava o Jalisco. Em 1950, os jogadores ali em campo eram crianças ou sequer haviam nascido. Gérson, “cérebro” da seleção em 1970, contava 8 anos quando o Uruguai derrotou o Brasil no Maracanã.

 Não estava na cabeça da gente aquele jogo de 1950. Os mais velhos – eu, Félix e Pelé – tinham 8, 9 anos naquela época. A imprensa, sim, colocou o jogo como uma revanche. Para nós, era um compromisso sério contra uma seleção boa, não excelente. O jogo era difícil, mas éramos melhores, explica Gérson.

No dia do jogo, os jornais trouxeram entrevistas com Flávio Costa – técnico do Brasil em 1950 –, Juvenal, Bigode, Barbosa, em cuja conta caíra a culpa pela derrota contra o Uruguai. O carrasco Gigghia falava, mais uma vez, do silêncio que havia imperado no Maracanã. A imprensa anunciava, com estrépito, a chegada ao México de Juan Lopez, técnico uruguaio em 1950, para assistir à semifinal no Estádio Jalisco.

 A imprensa criou essa anomalia. A revanche não era verdadeira, passados vinte anos do jogo de 1950. Depois daquele jogo, todo confronto entre as duas equipes era considerado uma revanche. Mas é um jogo perdido no tempo e fixado na história, sentencia Mendes.

No Jalisco, o gol de empate saiu aos 44 do primeiro tempo, numa tabela entre Tostão e Clodoaldo, que disparou a bola da entrada da área. O lance nasceu após uma troca de posicionamento que passou despercebida pela defesa uruguaia.

 O Monteiro Castillo me marcava individualmente e eu ouvia o treinador deles pedindo para não deixar a bola chegar até mim, que armava o jogo no meio. Eu falei com o Clodoaldo, que não tinha marcação específica: “Você vai e eu fico”. O Castillo, ao invés de acompanhar a subida do Clodoaldo, ficou me marcando. Numa jogada dessas, o Clodoaldo entrou na área e empatou o jogo - revela Gérson.

Aos 31 do segundo tempo, Jairzinho tocou para o gol na saída de Mazurkiewicz, depois de contra-ataque fulminante. Rivelino definiu a partida aos 44, com um chute rasteiro de fora da área, depois de passe de Pelé. Ainda haveria tempo para uma das jogadas mais plásticas da história do futebol: depois de lançamento em profundidade de Tostão, Pelé e o goleiro Mazurkiewicz correram em direção à bola. Pelé chegou antes, mas deixou-a passar entre as pernas, num corta-luz que deixou o uruguaio sem reação. A bola correu em direção à linha de fundo, Pelé alcançou-a e chutou-a, desequilibrado e sem ângulo, para um gol sem goleiro. Ela saiu caprichosamente rente à trave direita.

A vitória confirmava o favoritismo da seleção brasileira, que venceria a Itália dali a quatro dias para conquistar definitivamente a Jules Rimet – roubada da sede da CBF em 1983 e provavelmente derretida. Não havia fantasma que assustasse uma seleção sabedora de uma competência até hoje inigualada.

 Se a nossa seleção disputasse 10 Copas do Mundo, venceria nove e empataria uma, que levaria nos pênaltis  - conclui Gérson.

* Texto produzido em sala de aula para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso ministrada pelo professor Arthur Dapieve.