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17/07/2014“Quem quer que esteja fisicamente bem preparado pode fazer coisas incríveis com seu corpo. Mas quem junta a um corpo em forma uma cabeça bem cuidada, é capaz de feitos excepcionais.” (Alexander Popov, melhor nadador da Olimpíada de 1996).
12 de junho de 2014, abertura da Copa do Mundo. A Seleção Brasileira entra em campo contra a Croácia, da qual venceria por 3 a 1. Após a execução do hino nacional, cantando à capela, jogadores e torcida se comovem. Se durante a Copa das Confederações a emoção da equipe era apontada como euforia por jogar uma Copa em seu país, no Mundial o choro foi o termômetro usado para diagnosticar suposta instabilidade e despreparo emocional. Somado à pressão por sediar uma Copa – e pela obrigatoriedade de vencê-la para lavar a honra do país com a derrota de 1950, para o Uruguai –, contabiliza-se a inexperiência da equipe que, apesar de ter a quinta maior média de idade em mundiais (27,7); 17 dos 23 jogadores nunca haviam disputado uma Copa. Para especialistas, o peso do componente emocional torna-se maior na medida em que há um nivelamento técnico e tático, aquecido pela globalização. De acordo com o professor de Psicologia e Esporte da PUC-Rio Raphael Zaremba, o ideal é trabalhar as competências técnica, tática, física e emocional em longo prazo. Zaremba alerta que a fórmula preventiva evita que o psicólogo atue como uma espécie de bombeiro:
– Quando o profissional é chamado para “apagar um incêndio”, o trabalho não é tão benfeito como se tivesse tido um tempo maior.
Este foi o caso da Seleção Brasileira. Sem realizar um acompanhamento psicológico preventivo, como recomendado por especialistas, a psicologia foi escalada aos 38 do segundo tempo. A psicóloga Regina Brandão iniciou um trabalho junto aos jogadores e à comissão técnica já no início da Copa, e admitiu ter feito um trabalho limitado devido ao curto tempo com a Seleção. Em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura nesta segunda-feira, 14, ela escalou a dificuldade em lidar com a emoção como o calcanhar de Aquiles da equipe: “O comportamento dos jogadores pode ter sido um reflexo de tudo que aconteceu durante a Copa. O problema não é a emoção em si, mas o que fazer com essa emoção. Eles tinham uma qualidade muito grande, mas não tinham experiência necessária para reagir”.
A ausência de Neymar, principal jogador do Brasil na fase classificatória, no entanto, para Marina Gusson, psicóloga esportiva na Confederação Brasileira de Atletismo, não justifica a derrota brasileira na semifinal. Para a especialista, apesar do repentino desfalque, o diagnóstico poderia servir como a motivação que faltava à equipe.
“É esporte, não caso de vida ou morte”
Para a psicóloga especializada em trauma Tatiana Paranaguá, embora a derrota tenha tido contornos de catástrofe nacional devido ao lugar que o futebol ocupa no imaginário brasileiro, o trabalho realizado com a Seleção a partir de agora deve ter um enfoque em como lidar com a frustração.
– Não podemos elevar isso a um grau maior do que é. É um esporte, não um caso de vida ou morte.
Já na avaliação de José Luiz Siqueira, psicólogo do Centro de Controle da Dor, em Campinas (SP), eventos traumáticos desencadeiam emoções intensas, podendo causar sérias consequências na estrutura psíquica dos envolvidos. Apesar disso, o psicólogo atenta para o fato de que não é o evento em si que gera as consequências psicológicas, mas sim a maneira com que cada indivíduo vivenciou o acontecimento, ou seja, o modo como a pessoa interpreta o ocorrido e as emoções mobilizadas tanto durante a situação como posteriormente.
Diante de situações de estresse e frustração, como a encarada pelos jogadores após a partida que tirou o Brasil da final da Copa, Siqueira diz ser o apoio familiar a peça chave para que o atleta supere o trauma mais rapidamente. Para o psicólogo, a tristeza pós-jogo é natural, mas é preciso estar atento para evitar que esse tipo de sentimento perdure e prejudique a vida do jogador.
Passadas a frustração e a tristeza, Tatiana diz que o primeiro aprendizado a ser tirado de uma situação como esta é a humildade: “O importante das derrotas é que podemos encontrar a receita da vitória, pois saber o que está errado já é um grande passo”.
– Aqui no Brasil existe uma cultura de que nós sempre merecemos ganhar e ponto, pois afinal somos o país do futebol, “a Copa era nossa por legítimo direito” e pronto. Essa atitude gera a ilusão de que o merecimento independe do esforço, e impede o atleta de ter a humildade necessária para entrar em contato com as suas verdadeiras limitações, o que é muito importante para a autossuperação.
Na avaliação de Adriana Amaral, psicóloga do Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan-Marinha), a preparação da Seleção Brasileira deveria ter sido diferenciada pelo fato de jogar em casa. Nas Olimpíadas de Pequim, em 2008, lembra, foi feita uma preparação com os atletas locais, que incluía até o barulho da torcida a favor, coisas que não costumam ter.
Adriana reforça que o ideal seria realizar um trabalho com ciclo mínimo de quatro anos:
– Eu vi muitos atletas falando nos jornais que não tinham noção do que era jogar uma Copa em casa. Eles não estão acostumados com o barulho da torcida e com o assédio diário dos fãs. Portanto, é importante, na medida do possível, tentar “prever os imprevistos”, trazer para o mais próximo da realidade.
Na medida em que há um nivelamento tático e técnico, o acompanhamento psicológico torna-se um diferencial. Com a globalização, as novas tecnologias e a facilidade no acesso à informação, diz Zaremba, é possível nivelar tática e fisicamente, mas o aspecto emocional ganha peso.
Psicóloga da Confederação Brasileira de Judô e da Seleção Brasileira Sênior de Nado Sincronizado, Adriana Lacerda completa:
– Hoje se percebeu que o componente emocional pode ser determinante para o alcance de um ótimo desempenho. Alguns técnicos e também atletas atribuem ao fator emocional até 70% de importância em uma competição. O que se sabe é que, quanto mais treinado mentalmente seu cérebro estiver para lidar com as mais diversas situações, mais preparado o jogador estará. O fator psicológico sempre foi decisivo, mas de 20 anos para cá ganhou uma dimensão de debate muito maior.
A psicologia do esporte tem lutado para ganhar espaço e credibilidade. A maioria, incluindo os dirigentes esportivos, ainda não entende que o trabalho do psicólogo é preventivo, realizado em longo prazo.
O psicólogo José Luiz Siqueira completa:
– A psicologia do esporte não é um recurso a ser utilizado apenas nas crises. É muito importante que haja um trabalho em longo prazo para preparar o grupo e trabalhar as potencialidades e desenvolver recursos individuais e do grupo. Seleções como as de Estados Unidos, Holanda e Alemanha contam com um trabalho bem sedimentado nesta área.
De acordo com Zaremba (foto), a psicologia só é reconhecida às vésperas de grandes eventos, como Copa do Mundo e Olimpíadas, ou em momentos de crise, o que é compreensível: o brasileiro, em geral, só procura apoio nessas circunstâncias.
– A cada dois anos a população e a imprensa atentam para o fato de que esses atletas são seres humanos com as mesmas questões que os outros, e sofrem grande pressão por representar seu país, desta vez em casa, e ter a responsabilidade de alegrar a todos – afirma Zaremba.
Para a psicóloga Tatiana Paranaguá, ainda tem-se muito a “ideia antiquada de que talento independe de controle psicológico, e que psicólogo é coisa de maluco”. Entretanto, sua maior preocupação é com a melhoria do potencial do atleta, que, além de jogador, desempenha vários papéis na sociedade. “Ele pode ser bom, mas sempre tem o que melhorar”, completa a psicóloga esportiva do Cefan, Adriana Amaral.
“Psicólogo não pode ser confundido com motivador”
O trabalho do psicólogo é mais bem-sucedido quando este consegue criar um vínculo com a equipe, se integrando à comissão técnica de forma constante, assim como o preparador físico, o fisioterapeuta, e outros. O psicólogo está presente como um suporte para ajudar o atleta a lidar melhor com suas emoções, que é mais do que simplesmente condicionar; é entender a necessidade do seu organismo naquele momento e aplicar as melhores medidas. Adriana Amaral exemplifica com o caso do goleiro da Seleção Brasileira, Júlio César:
– O choro dele não quer dizer necessariamente que é uma fraqueza, mas, se ele tem autoconhecimento e se reconhece precisando extravasar daquela forma, ele vai chorar sem que isso o atrapalhe.
Sobre o diferencial da psicologia do esporte, Adriana Lacerda ressalta que esta área é ocupada até hoje por profissionais de outras formações, ditos “consultores de melhoria de performance”, “motivadores”, etc:
– Estes viram a oportunidade de atuação, mas não têm a formação e a competência para trabalhar todos os componentes da questão psicológica.
Se na final da Copa das Confederações o técnico Luiz Felipe Scolari foi reconhecido por, como se diz no jargão do futebol, “unir o grupo”, desta vez, o estilo implantado na Família Scolari foi criticado como “paternalista”. Apesar do auxílio da psicóloga Regina Brandão, Scolari chegou a afirmar que era o psicólogo do time. Muito se comenta que um dos fatores para o insucesso da Seleção Brasileira foi o excesso de motivação por parte do técnico, que teria sobrecarregado os jogadores pela pressão de ter que vencer uma Copa no Brasil. A psicóloga Adriana Amaral explica que seu trabalho ajuda justamente a eliminar essa sobrecarga. “Caso o atleta autorize, passo seu perfil elaborado para o técnico, para que este saiba o ‘nível de ativação’ que cada atleta precisa para estar no ‘ponto certo’. Há os que precisam de uma maior injeção de ânimo, uns que nem precisam, e outros que, se exigir demais, podem entrar em campo violentos e serem expulsos”.
– Não adianta apenas chamar um psicólogo para motivar o grupo. Isso é bom, mas o medo, a insegurança, o descontrole, tudo isso vem mais de dentro do que de fora. Logo, só o trabalho de dentro para fora, que estruture cada jogador, poderá fazer uma equipe ser psicologicamente forte. Na hora da tempestade não adianta apenas o talento para manejar o leme com destreza; quem se desesperar vai afundar – conclui a psicóloga Tatiana Paranaguá.
Equilíbrio emocional em campo é reflexo de apoio familiar
Imprensa e família também podem ser fonte de cobrança para o atleta, dependendo de como ele interpreta a expectativa que têm em relação a ele. As redes sociais têm grande impacto na vida do atleta, que pode se perder nesse meio caso não tenha autoconfiança para se controlar e avaliar o que é verdadeiro ou não.
– A imprensa tem um papel muito instável porque cria heróis e vilões da noite para o dia, e o atleta fica nessa berlinda o tempo todo. Se ele se apoiar só nisso, ele fica instável – diz Marina Gusson.
Psicologia no esporte individual
Embora o trabalho da psicologia do esporte esteja sempre baseado em seus quatro aspectos fundamentais – planejamento, cinestesia (sensação do movimento do atleta), concentração e suporte emocional – deve variar de acordo com o tipo de esporte, individual ou coletivo.
– No futebol e no esporte coletivo em geral trabalhamos características como relacionamento intergrupal, concentração, posicionamento. Mas um atleta de tiro esportivo vai precisar de concentração total, respiração quase zero. Logo, é outro tipo de habilidade que se trabalha com o atleta – explica Adriana Amaral, psicóloga esportiva do Cefan.
Para os especialistas, é fundamental saber que atletas que praticam esportes individuais sofrem muita pressão para alcançar suas metas. As rotinas de treino são intensas e muitas vezes solitárias, inclusive para as categorias mais jovens. Para esses atletas, o fator emocional pode ser determinante, e muitas vezes aquele que ganha é o competidor com melhor preparo psicológico.
– Nos esportes individuais como tênis, golfe e judô, o peso do fator emocional fica mais evidente – afirma Adriana Lacerda.
Nos esportes individuais, o foco deve estar na concentração, e o atleta tem que ignorar o ambiente externo para alcançar o melhor desempenho possível: “A preparação vai ser planejada dentro das características daquela modalidade para que se consiga manter o nível de atenção, concentração e tomada de decisão” – salienta Marina Gusson.
Apesar de a preparação ser diferente nos esportes individuais e coletivos, para Adriana Amaral, “todos os esportes podem se beneficiar da psicologia”.
João Carvalhães: pioneiro da psicologia esportiva no Brasil Em 1958, após as derrotas da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950 por 2 a 1 para o Uruguai, no que ficou conhecido como Maracanazo, e de 1954 para a Hungria, os atletas brasileiros foram acusados de jogar sem fibra. Numa avaliação feita pela revista francesa France Football, os jogadores canarinhos foram classificados como excessivamente temperamentais, imaturos e emocionalmente vulneráveis. Frente a esse contexto negativo, João Carvalhães foi convocado para integrar a comissão técnica. Na época não existia psicologia como profissão. Ele era psicotécnico – profissional que trabalha com testes e avaliações –, e sua experiência na área de Recursos Humanos fez com que fosse chamado pelos dirigentes da Seleção. Nos 20 dias de preparação em Poços de Caldas (MG), foram realizados testes nos jogadores e pela primeira vez foi traçado um perfil psicológico da Seleção Brasileira. A partir dessa participação de João Carvalhães como psicólogo na Copa de 1958, a psicologia esportiva começou a ganhar expressão nacional, sendo Carvalhães o pioneiro dessa ciência no Brasil. A psicóloga Adriana Lacerda cita como outro grande marco na psicologia esportiva as Olimpíadas de Londres 2012, na qual diversos atletas e treinadores declararam realizar uma preparação psicológica e destacaram sua importância na conquista dos resultados. |
*Colaborou: Marcela Henriques
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