“A primeira regra da sobrevivência é clara, nada é mais perigoso do que o sucesso de ontem”. “Nossos sonhos podem se transformar em realidade se os desejarmos a pontos de correr atrás deles”. As palavras, que lembram as cartilhas de auto-ajuda, foram escaladas pelo técnico Luiz Felipe Scolari antes da vitória contra a Espanha, 3 a 0, domingo passado, na final da Copa das Confederações. Felipão repetiu a tática, igualmente vitoriosa, adotada Copa de 2002, junto à “Família Scolari”. O sucesso recente – que recuperou pelo menos parte da estima do futebol brasileiro, claudicante nos últimos tempos, e acendeu as esperanças para o Mundial do próximo ano – lembra a importância do condicionamento psicológico para êxitos dentro e fora do esporte. Segundo o professor da disciplina Psicologia e Esporte da PUC-Rio Raphael Zaremba, a capacidade motivacional do treinador mostra que os psicólogos devem ganhar mais espaço nas comissões técnicas, não só no futebol.
– O Felipão transformou completamente o time, mesmo sem mudar praticamente nenhuma peça. Isso se devem em parte, à motivação psicológica – observa ele.
Reconhecido por, como se diz no jargão do futebol, "unir o grupo", Scolari costurou uma união refletida nos discursos, na solidariedade tática e na entrega em campo, ingredientes de uma campanha que culminou com o olé sobre a poderosa Espanha na decisão de domingo passado. Segundo os próprios jogadores, cantar o hino abraçados, com a adesão da torcida, foi um dos fatores que ajudaram na conquista.
“Felipão foi um dos primeiros a incluir um profissional da psicologia na sua comissão técnica. Na Copa de 2002 ele fez questão de levar um psicólogo”, lembra Zaremba. A aposta deu resultado. Depois de garantir a classificação para a Copa do Mundo apenas no último jogo da Eliminatória (3 a 1, contra Venezuela), o Brasil embarcava para a Coreia e Japão desacreditado, com o fenômeno Ronaldo voltando de uma séria lesão no joelho e jogadores menos badalados como Edmílson, Roque Júnior e Kleberson. Um mês depois, a Família Scolari, referência ao estilo "agregador", voltaria ao país com o pentacampeonato mundial. Para Zaremba, o trabalho psicológico foi um dos grandes alicerces do título:
– Existe até uma história que o corte de cabelo do Ronaldo no estilo Cascão) foi sugestão do psicólogo, para desviar o foco da lesão do joelho.
A confiança do atleta, de futebol e outras modalidades também sujeitas à pressão pelo alto rendimento, exige preparação psicológica, ressalta o professor. O poder de decisão e a habilidade em superar adversidades como a tensão de uma partida decisiva estão, segundo o especialista, diretamente relacionadas ao condicionamento mental. A tendência, projeta Zaremba, é este tipo de capacitação tornar-se mais valorizado pela área esportiva.
A psicologia no esporte ainda é, no entanto, um campo relativamente novo. Ainda de acordo com o professor Zaremba, a maioria das universidades insere disciplinas do gênero no currículo de Educação Física, enquanto na PUC-Rio faz parte da habilitação de Psicologia. Ele destaca que as comissões técnicas dos principais clubes cariocas já reúnem profissionais da área, assim como algumas confederações de esportes olímpicos. Zaremba ressalva:
– A psicologia era usada de forma errada. O trabalho do psicólogo deve ser feito a médio e longo prazo, de forma preventiva, não para apagar incêndio.
Nem sempre, contudo, psicologia e futebol fizeram uma tabelinha bem-sucedida. Um dos primeiros casos desta integração remonta à preparação para Copa de 1958, quando o técnico Vicente Feola chamou o psicólogo João Carvalhaes para integrar a comissão técnica. Carvalhaes teria submetido todos os jogadores a um teste de Q.I., e Garrincha teria sido reprovado, o que talvez evoluiria para uma impensável barração do craque não fosse a intervenção de jogadores como Nilton Santos e o jovem Pelé. Prevaleceu o apelo do futebol e, como se sabe, o Brasil ganharia o primeiro dos cinco títulos mundiais.
A exemplo do que se espera de um bom time ou uma seleção vencedora, o trabalho do psicólogo tem de se harminizar com o dos outros integrantes da comissão técnica: preparador físico, nutricionista, fisiologista, além do próprio treinador e seus assistentes. É o tal do esquema multdisciplinar:
– O psicólogo não é mais importante do que outro membro de uma comissão técnica. Ele contribui com uma área específica do treino, assim como o preparador físico com o condicionamento, o nutricionista com a alimentação e o técnico com a tática.
A filosofia multidisciplinar e o avanço das ciências do esporte diversificam o preparo dos atletas e, não raramente, vêm acompanhado de dúvidas sobre os limites, por exemplo, entre técnica de relaxamento e displicência ou obstáculo à concentração. O hábito de alguns jogadores chegarem ao estádio tocando pagode pode ser ou não benéfico, dependendo de vários fatores, como as circunstâncias da partida e as características do grupo. Segundo Zaremba, a música está entre as condições propícias ao relaxamento, ao alívio da tensão pré-jogo. Técnicas de respiração também são bem-vindas.
A competência de psicólogos já contribuíram para títulos brasileiras em outras modalidades, como o vôlei feminino. Depois de duas pratas olímpicas, as jogadoras comandadas por José Roberto Guimarães receberam o reforço da psicóloga Sâmia Hallage para a ouro conquitado em Pequim 2008. O futebol feminino tenta seguir os passos do vôlei. Contratou a psicóloga Maria Helena Antunes para as Olimpíadas de 2012, depois de dois vice-campeonatos mundiais e duas pratas olímpicas.
Apesar da crescente inserção dos psicólogos no esporte, ainda é comum associar a imagem deste profissional ao cuidado com doentes mentais. No entanto, as áreas de atuação do psicólogo são diversas, reitera Zaremba, como ajudar o atleta a entender como funciona uma competição, "lidar com as suas emoções" e traçar metas individuais e coletivas. O professor esclarece que a função não pode ser confundida com a terapia:
– O psicólogo não é um terapeuta. O atleta pode consulta-lo caso algum problema pessoal que esteja afetando seu desempenho profissional, mas não é uma terapia propriamente dita.