“A espetacularização está no jornalismo esportivo e seus críticos perderam”, afirmou o jornalista Sidney Garambone, editor de esportes da TV Globo, na abertura do ciclo de palestras da Semana de Comunicação no Esporte, nesta quarta-feira, na PUC-Rio. Ele lembrou que, de certa forma, aquele casamento é antigo, eternizado, por exemplo, nas crônicas de Nelson Rodrigues. "Uma vez, para contar que Didi havia sido decisivo numa partida, Nelson escreveu que o craque nem precisaria ter ido ao estádio, teria decidido o jogo por telefone. É uma imagem sensacional", exemplificou Garambone, sob risos da plateia formada, principalmente, por estudantes de comunicação.
O também jornalista Maurício Torres, narrador e apresentador da TV Record, acrescentou que os locutores de rádio tradicionalmente compensam a falta de imagens com uma carga forte de emoção. Ele reconhece que o uso da computação realçou a conversão do jogo em espetáculo na TV, mas pondera: os recursos tecnológicos também ajudam a explicar melhor a partida.
– O entretenimento não pode ofuscar ou distorcer a informação. O repórter tem que dar prioridade à informação – ressalva.
Embora a tecnologia digital tenha aguçado a tensão entre a notícia e o espetáculo, sobretudo na tevê, Maurício acredita ser possiível, e necessário, conciliá-la. Para cumprir este desafio, o narrador assume, segundo ele, um papel essencial. "Cabe o narrador cuidar do equilíbrio, administrar as doses entre show e informação. Mesmo depois de ter vivido o show midiático da Olimpíada de Londres, na cobertura feita pela Record, o jornalista reitera a confiança no poder da informação para atrair a audiência:
– Nem sempre a partida de futebol ou a corrida de Fórmula 1 corresponde ao que o espectador deseja. Você precisa prender a atenção de quem assiste. Como fazer isso? Usando a informação.
Maurício admite que as transmissões de rádio eram quase “uma obra de quase ficção”. Segundo ele, os locutores criavam um jogo diferente do real. Assim como, guardadas as diferenças, faziam as crônicas de Nelson Rodrigues. "Havia e há um acordo tático entre o cronista e o leitor ou o ouvinte em torno de uma certa fantasia que ajuda a melhor entender e apreciar o esporte", observa Garambone. "Mas determinados exageros ou banalização devem ser evitados. Por exemplo, o uso da palavra 'vexame': hoje se um time grande ou a seleção perde um jogo logo vira 'vexame'", ressalvou o ex-editor do Esporte Espetacular. Dirigindo-se aos estudantes, ele provocou:
– Vou fazer uma pergunta a vocês: se o Brasil perdesse de 2 a 0, por exemplo, para a República Tcheca, na Copa, seria um vexame?
Diante de feições moderadamente afirmativas, Garambone arrematou:
– Provavelmente esta seria a conclusão de muita gente e de grande parte da imprensa, o que daria à derrota um contorno dramático além da conta. As pessoas esqueceriam que a República Tcheca já foi vice-campeã mundial duas vezes...
A carga dramática ou a criação de um "jogo paralelo" em narrações de rádio e textos de jornais revela-se impossível, afirma Mauricio. Como os recursos eletrônicos fazem uma radiografia detalhada das cenas da partida e há um volume muito maior de transmissões por TV e pela internet, diminuiu-se o espaço para a imaginação:
– Criou-se até a figura do pênalti de videoteipe, flagrado só pela câmera lenta. Por isso, aquela transmissão mais imaginativa tornou-se impossível. Existem diferentes recursos nas transmissões que te desmentem – justifica o narrador.
Tais recursos também devem estar a serviço da melhor informação, ressalta Mauricio. "É importa que o narrador, o repórter, o editor estejam atentos a detalhes que possam esclerecer melhor uma jogada, um gol. Isso se torna um diferencial na transmissão e ajuda a manter a audiência sem que o espetáculo fique apelativo", recomenda.
Usar com habilidade os recursos audiovisuais, para harmonizar informação jornalística e espetáculo, é uma das competências inerentes ao profissional da área. Garambone argumenta que os limites desta aplicação sejam mais flexíveis na cobertura esportiva:
– Por exemplo, na Guerra do Golfo, em 1990, lembro que a (rede americana) CNN criou uma vinheta especial para o noticiário. Achei estranho. Considero uma vinheta para mostrar o "show" da guerra um exemplo “ruim” de espetacularização. Já no esporte, esta estratégia é adequada.
Garambone considera igualmente negativa a dramaticidade às vezes desmedida que se atribiu a determinadas partidas, cenas, jogadores. Ele recorda que, na semana anterior ao jogo decisivo da Eliminatória para a Copa do Mundo de 1994, contra o Uruguai, no Maracanã, as discussões nos botequeins e na mídia apontavam o “fim do mundo” , uma “guerra civil”, diante da possível eliminação do país, único a ter participado de todas as Copas. Convocado às pressas, Romário fez dois gols e evitou a "tragédia épica".
– É óbvio que o mundo não iria acabar. O público percebe essa espetacularização. O recente caso do Usain Bolt, velocista jamaicano detentor de recordes em diversas modalidades, traduz isso. Ele foi considerado “semideus”, um homem fora do comum pelas marcas que obteve – exemplifica.
Se a mistificação e a eletrônica carregam as tintas do espetáculo esportivo, por outro lado os avanços tecnológicos ameaçam a "graça" do jogo, pois o detalhismo espanta o imponderável, o erro, a polêmica que lubrifica o mundo dos torcedores. Contra esta tese defendida por alguns críticos da aplicação de tecnologia nas competições, como se oberva, por exemplo, no tênis e no judô, os jornalistas argumentam que a redução do erro ajudará não só o mérito esportivo, mas também a qualidade do espetáculo.
– As polêmicas, este tempero do esporte, não acabará – afirma Mauricio – A Fifa vai aceitar, mais cedo ou mais tarde, o uso de tecnologia, mas isso não vai acabar com o debate.
O narrador da TV Record alerta, no entanto, que é preciso cautela mesmo com a “justiça” promovida por avanços como a super câmera lenta até porque, equipamentos como o tira-teima apresentam, segundo ele, uma margem de erro:
– O tira-teima é ótimo, mas é apenas um gráfico, sem precisão cirúrgica. O próprio chip na bola, que será testado no Mundial de Clubes, em dezembro, pode falhar.
Os jornalistas divergem, contudo, sobre a inclusão de modalidades menos populares no cardápio midiátio. Garambone ponderou: não há uma “conspiração” a favor do futebol: a mídia espelha o espaço que os esportes têm na socidade e, especialmente a TV, a capacidade de a modalidade se tornar uma atração interessante:
– Algumas modalidade são chatas para a TV. Não funcionam na TV. Não estou dizendo que sejam menos importantes, menos nobres ou atraentes. Mas funcionam menos na TV, e isso é levado em conta. Até o badalado vôlei, para conquistar mais espaço na TV, teve que mudar as regas. Ficou mais empolgante.
Maurício concorda que a TV só transmite “o que é interessante”, mas acredita que esportes como o tênis e o curioso curling ganham mais espaço nas tevês e nos jornais, até pela proximidade da Olipíada no Brasil, em 2016. Ele pondera que a maneira de fazer a cobertura de alguns esportes ajuda a realçar determinados aspectos e a deixá-los mais atraentes:
– A cobertura do tênis, por exemplo, não costuma explicar os termos técnicos do jogo. Alguns esportes ainda não foram “transformados” pela TV e, por isso, não seguram a audiência.