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Rio de Janeiro, 22 de dezembro de 2024


Esporte

Onda defensiva não ameaça reinado do ataque no futebol

Renan Rodrigues - Do Portal

16/08/2012

 Arte: Carlos Serra

Impulsionados menos pelo ímpeto ofensivo do que pela consistência defensiva, os recentes títulos de Palmeiras (Copa do Brasil), Corinthians (Libertadores), Chelsea (Liga dos Campeões) e, em certa medida, até da Espanha (Eurocopa) renovam uma discussão que se estende dos botequins às pranchetas acadêmicas: caminharia o futebol para um modelo dominado pela competência no desarme ou pelos sucessivos toques de bola, em detrimento da busca voraz ao gol? Estariam os "atacantes de ofício" com o emprego ameaçado? Haverá o torcedor de se adaptar – ou se resignar – a um novo estilo de jogo supostamente bem-sucedido mas não necessariamente cativante?

Na tentativa de melhor compreender a extensão e as implicações da nova (?) onda nos gramados insinuada, por exemplo, por aquelas vitórias, o Portal PUC-Rio passou a bola para treinadores, ex-jogadores, cronistas esportivos e torcedores. Embora perceba uma maior valorização da defesa e da posse de bola em grandes times mundo afora, a maioria deles ainda leva fé na proeminência do ataque. 

Oswaldo de Oliveira, técnico do Botafogo, é um dos que não acreditam que o apelo defensivo se torne efetivamente uma prioridade nos sistema de jogo, tampouco a considera uma tendência do futebol mundial. O treinador recorre à toda-poderosa Espanha, campeã da Copa do Mundo, em 2010, e da Eurocopa, nesta ano, para ilustrar o seu ponto de vista. Para ele, a equipe treinada por Vicente del Bosque usa, a exemplo do Barcelona, o toque de bola como uma arma ofensiva.

– É a maior prova atual de que o futebol ofensivo ainda conquista títulos importantes. Mas isso não está necessariamente associado ao número de atacantes, e sim a uma forma ofensiva de jogar – ressalva Oswaldo, que, em vez de um centroavante tradicional, tem preferido escalar no Botafogo (sexto no Brasileiro) jogadores mais versáteis e de maior mobilidade.

O ex-craque e também treinador Zico, protagonista da seleção brasileira que encantou o mundo na Copa de 1982, na Espanha, e foi dolorosamente eliminada pela Itália de Paolo Rossi, também confia na impetuosidade do futebol. Para o eterno camisa 10 da Gávea, aquele time formado por Júnior, Falcão, Sócrates e Leandro, entre outros bambas, e as equipes atuais do Barcelona e da Espanha representam a possibilidade de se conjugar um jeito alegre de se jogar bola com a eficiência indispensável às conquistas:

– Até hoje, podemos observar o legado daquela seleção de 82 em times, como o Barcelona, que praticam o toque de bola para marcar gols e vencer. Numa competição mais longa, acredito que a nossa seleção ficaria com o título. Competições do tipo mata-mata às vezes causam algumas distorções.

Para o Galinho, o pendor ofensivo ainda predomina:

– Não vejo uma tendência defensiva no futebol. Nem no Brasil, nem no mundo.

Oswaldo pondera ainda que as táticas, mais ou menos ofensivas, dependem também de fatores como o elenco à disposição e o perfil do adversário. A tática defensiva – ou retranca, no bom português das arquibancadas – do Chelsea na semifinal da Liga dos Campeões, contra o favorito Barcelona, e na final, contra um embalado Manchester, foi uma "questão de necessidade":

– Se adotasse um sistema ofensivo, o time londrino provavelmente não conseguiria derrotar a equipe catalã. É uma forma de jogar muito eficiente. Se o Chelsea fosse para cima, iria perder o jogo – acredita Oswaldo.

O jornalista Paulo Vinícius Coelho, comentarista da ESPN, também não enxerga uma nova tendência de jogo ou o esboço de uma hegemonia de táticas defensivas. Ele lembra que time de futebol sempre se montou a partir da defesa (opção igualmente adotada em outras modalidades, como o basquete), sem caracterizar, no entanto, um modelo a ser seguido.

– Poucas equipes conseguem ser vitoriosas jogando nesse sistema, pois não aproveitam as poucas oportunidades de gols criadas. Ser eficiente na hora do gol é difícil.

 Maria Christina Corrêa Oswaldo observa que a opção por um esquema predominantemente defensivo costuma ser usado quando um time está em desvantagem técnica, para, supostamente, aumentar a competitividade da equipe. O treinador alerta, no entanto, que a tática defensiva precisa ser muito eficiente para o time não sair derrotado.

O jornalista Paulo Julio Clement, coordenador da Fox Sports, aponta uma diferença decisiva entre um sistema defensivo eficiente e uma tática defensivista, na qual a equipe quase abdica de atacar e recua excessivamente – um teste para os nervos do torcedor. "Como o adversário domina as ações, tem mais chance de marcar. Ficar na defensiva significa entregar a bola para o adversário", arremata. O cronista argumenta que, por outro lado, uma boa defesa facilita a vida dos atacantes. Caso, por exemplo, do campeão da Libertadores. Ele considera o Corinthians do técnico Tite um dos melhores exemplos do casamento entre marcação e eficácia ofensiva:

– O Corinthians marca forte desde o ataque. A estratégia deles é atrapalhar a saída de bola do adversário. Essa é a principal característica da equipe, que, mesmo sem um centroavante específico, obtém um número expressivo de gols.

Especialista em análises táticas, Paulo Vinícius Coelho observa que sistemas defensivos vitoriosos se tornaram referências em diferentes épocas. Hoje quem dá bola é a equipe catalã, base da seleção espanhola:

– A tendência é tentar copiar o modelo do Barcelona. É um futebol de marcação sobre pressão, mas ofensivo, com muita posse de bola. É parecido com o modelo da Espanha.

 Maria Christina Corrêa O Barcelona de Messi, Xavi e Iniesta, campeão do mundo sobre o Santos de Neymar, avança como referência no mundo, inclusive para as novas gerações. O olheiro Valdir Ferreira, treinador das categorias de base do Bonsucesso, afirma que, embora torcedores cobrem talentos especialmente para o meio e o ataque, as divisões de base dos clubes cariocas continuam revelando jogadores ofensivos, até por ser a preferência dos jovens atletas: 

– A cultura do futebol brasileiro e do futebol carioca valoriza o padrão ofensivo. Ser artilheiro ainda é o sonho da maioria dos garotos. E o mais importante na formação do talento é priorizar os fundamentos. O aspecto tático é inserido depois, para torná-lo competitivo.

Já Paulo Vinícius Coelho sugere uma melhor lapidação de novos talentos. A começar por um modelo de seleção e preparação cuidadoso pela Confederação Brasileira de Futebol:

– A CBF precisa sistematizar o trabalho com os jovens para que se espalhe por todo o país, aumentando a possibilidade de revelar novos talentos.

“Ficou a lembrança do melhor futebol do mundo”, diz Edinho

O investimento nas novas gerações representa não só uma estratégia necessária ao retorno financeiro para confederação, clubes, jogadores e empresários, mas a perspectiva de reencontrar o "autêntico" futebol verde-amarelo estampado em seleções como a de 1982. Para o ex-zagueiro e técnico Edinho, integrante daquele time comandado por Telê Santana, um dos grandes desafios é encontrar um equilíbrio vencedor entre o espetáculo e a necessidade de vitória:

– Hoje se sabe que o principal é ganhar. Conquistamos outras Copas, como a de 1994, usando um futebol, digamos, objetivo. No fundo, no fundo, as pessoas querem ganhar.

Edinho compara a inesperada eliminação do Brasil na Copa de 82, num 3 a 2 para a Itália que se tornaria campeã, com a derrota do poderoso Barcelona para o Chelsea na semifinal da Liga dos Campeões deste. Para ele, se o time catalão jogasse 20 vezes contra o time londrino, provavelmente ganharia 19 vezes.

– As duas derrotas foram fatalidade. Não significam que o bom toque de bola e o sistema mais ofensivo serão castigados, nem que o futebol passará a valorizar mais táticas defensivas – opina.