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Rio de Janeiro, 8 de maio de 2024


Ciência e Tecnologia

"Temos que testar as teorias com precisão cada vez maior"

Daniel Cavalcanti - Do Portal

29/07/2011

Reprodução/Internet

Recentemente, a Agência Espacial Americana, Nasa, divulgou dados de um experimento iniciado em 2004. O objetivo do experimento era testar uma das teorias mais populares da física moderna: a Teoria da Relatividade Geral, concebida há mais de 90 anos pelo físico Albert Einstein. Conhecido como gênio, Einstein bateu de frente com as teorias consagradas de Isaac Newton e suas equações davam conta de fenômenos ainda não explicados pela física.

Para realizar o experimento, a Nasa enviou uma sonda para a órbita terrestre, equipada com giroscópios de alta precisão, usados para medir alterações sensíveis na movimentação de astros muito distantes. A teoria resistiu ao experimento e reforçou assim sua posição de destaque dentro da comunidade científica.

Para explicar a importância desse trabalho, o Portal entrevistou a professora Carla Göbel, do Departamento de Física da PUC-Rio. Ela explicou o que fundamentou a relatividade geral e como essa nova ideia resultou em uma melhor compreensão do mundo e do comportamento da matéria. Além disso, Gobel apontou a importância da pesquisa experimental para a física moderna. Segundo ela, é graças às pesquisas e experimentos realizados em todas as áreas da ciência que novas tecnologias são encontradas e influenciam toda a vida cotidiana.

 Stéphanie Saramago Portal PUC-Rio Digital: O que é a Teoria da Relatividade?

Carla Göbel: A Teoria da Relatividade Geral foi formulada um pouco sem base. Albert Einstein estava muito insatisfeito com a forma como a gravitação era descrita e achava que havia inconsistências. Existia a Mecânica Clássica, de Newton, que explicava a gravitação, inclusive em sua primeira lei. No entanto, o póprio Einstein, quando criou a relatividade especial, reformulou a teoria newtoniana, quando disse que o tempo não era absoluto, mas relativo, mas manteve a primeira lei de Newton, que define os chamados Referenciais Inerciais e a ideia de que todas as leis da Física estão sujeitas a esses referenciais. Toda a Relatividade Geral nasce do chamado princípio da equivalência, que diz que qualquer referencial que esteja somente sujeito à força da gravitação deveria estar sujeito a todas as leis da física. Para fazer isso, ele precisou reformular tudo, mas sem nenhuma evidência experimental de suas teorias, estava só conceitualmente incomodado. Depois, passaram-se 10 anos em que ele tentou demonstrar esse princípio da equivalência. 

Portal: Que tipo de experimento seria necessário para obter essa prova? 

C.G.: Pense em um elevador ou em uma caixa fechada com uma pessoa dentro. Você faz os experimentos em um espaço absoluto, onde todas as leis da física são válidas. Se você pega esse elevador e deixa-o cair, em relação à Terra, a pessoa dentro do elevador começa a flutuar e não sente mais que está dentro de um campo gravitacional, pois não consegue sentir o próprio peso. Sentimos que caímos por causa do ar batendo no corpo, mas dentro de uma caixa flutuando no espaço, longe de qualquer campo gravitacional ou caindo em direção à Terra, a pessoa não tem como saber que está caindo. Por isso, as leis da Física têm que ser válidas para qualquer referencial que esteja apenas sujeito às forças da gravitação. Einstein precisou reformular toda a matemática para possibilitar isso, que é a parte complicada. Nessa época, precisou aprender muita geometria. Ele descobriu que, para provar sua teoria, ele teria que concilicar dois conceitos muito diferentes: massa e geometria. Einstein formulou que a própria massa cria o espaço-tempo. Essa ideia veio do filósofo Ernst Mach. Para ele, não faria sentido falar do universo se não houvesse nada nele. Einstein decidiu dar uma definição mais verdadeira para isso. Juntar geometria e massa significou o seguinte: onde há um corpo massivo, o espaço-tempo não é plano, ele se encurva onde há massa. Então, em 1915, a primeira grande coisa que ele fez e deu base para sua teoria foi resolver um velho problema da mecânica celeste. É o chamado Problema da Secessão do Periélio de Mercúrio. Vários planetas distantes da Terra foram descobertos pois, como sabemos muito bem a mecânica celeste, sabemos como os vários astros influenciam um ao outro em sua órbita. Se apenas existissem o Sol e a Terra, a órbita terrestre seria uma elipse bem definida. Mas não é só o Sol que influencia sua órbita, temos Marte, por exemplo, que também influencia. A partir do momento que começamos a determinar as órbitas com muita precisão foi que encontramos outros planetas que causam distúrbios nessas órbitas, alguns deles apenas encontrados por causa de erros entre o que era calculado e o que era encontrado pela medição. Depois que descobrimos todos os planetas, Mercúrio continuava com uma pequena diferença nos equipamentos de medição, que ninguém conseguia explicar na época. Essa é a Precessão do Periélio de Mercúrio. Quando Einstein terminou sua teoria, ele conseguiu calcular essa órbita sem a diferença. A teoria dele dava conta desse problema, e a teoria de Newton já não conseguia dar conta disso.

Portal: Como ele fez isso? 

C.G.: Ele fez predições. Diz-se que a luz anda em linha reta. Na verdade, ela anda pelo menor caminho possível entre dois pontos. Se o espaço é plano, ela vai andar em linha reta, mas se esse espaço for curvo, ela vai tomar o menor caminho dentro desse espaço curvo. Einstein predisse que, no caso de uma estrela atrás do Sol em relação à Terra, por exemplo, durante um eclipse – quando a Lua está entre o Sol e a Terra – seria possível ver essa estrela, pois a massa do Sol desvia a trajetória da luz. A teoria seria provada se, durante um eclipse onde a luz do Sol fosse ofuscada, seria possível avistar essa estrela diretamente atrás do Sol. Essa predição foi observada em 1921, durante um eclipse que pôde ser visualizado aqui mesmo, no Nordeste brasileiro. Essa foi a primeira evidência experimental de que a teoria de Einstein estava certa. Depois disso, ela se confirmou de várias maneiras possíveis como o efeito da dilatação temporal, que o próprio GPS precisa levar em conta. Certas correções são baseadas nas fórmulas de Einstein. 

Portal: E o que esse experimento da Nasa muda no terreno científico da teoria de Einstein?  

C.G.: Esse experimento realizado pela Nasa procurou descobrir se a Terra gera um efeito gravitacional de encurvamento do espaço perceptível, não só pela sua massa, mas também por sua rotação. Precisava-se descobrir se o eixo de rotação da Terra faria um arraste do espaço-tempo. Da mesma maneira que uma bola de tênis arrasta o ar e cria um redemoinho à sua volta, a Terra também teria um efeito parecido na curvatura do espaço-tempo ao seu redor. Já tem uns 50 anos que essa ideia foi pensada, mas tecnologicamente ela não podia ser realizada. O experimento precisava ser realizado fora da Terra, então a Nasa lançou a Gravity Probe B ou GPB. Nessa sonda, enviaram esses giroscópios dentro de uma cápsula de hélio líquido, para que fosse mantida uma temperatura praticamente no zero absoluto. Foi feito assim pois qualquer coisa que acontece no espaço pode distorcer as medidas, inclusive mudanças de temperatura. Então, a grande dificuldade do experimento foi, justamente, conseguir colocar essas cápsulas em um ambiente que não pudesse ser distorcido por nada além do próprio campo gravitacional da Terra. Eles conseguiram um nível de precisão enorme. A abertura angular para obter os dados tinha a capacidade de medir a espessura de um fio de cabelo a 16km. Apesar da dificuldade dessa medição, conseguiram provar as medições teóricas de como a Terra, com sua massa e com a sua velocidade angular do seu eixo de rotação, deveria distorcer o espaço-tempo. 

 Stéphanie Saramago Portal: Mas existia necessidade de provar essa teoria novamente?

C.G.: A teoria de Newton deu muito certo por mais de 500 anos. Mas o que fez com que ela mudasse? Experimentos de precisão cada vez mais alta provam a teoria em lugares onde ela ainda não foi provada. Temos que ficar constantemente batendo de frente com as teorias, para saber se ela ainda é valida. Se ninguém contestasse a teoria de Newton, não haveria avanços. Temos que testar as teorias com precisão cada vez maior.

Portal: Como isso influencia nosso cotidiano?

C.G.: No nosso cotidiano tudo isso tem influência. Mas a que nível? Estamos em constante comunicação com satélites. Uma das coisas que acontecem com a Relatividade Geral é que o tempo é diferente, a medida do tempo muda dependendo do campo gravitacional onde essa medição é feita. No caso do GPS, por exemplo, se essas medições não forem levadas em consideração, haverá erros nas medidas do aparelho. Para que serve a ciência? Nós, físicos, somos movidos pela curiosidade, para tentar entender como o mundo funciona, de onde veio e para onde vai etc. Essas são questões que nasceram com o homem, pelo próprio fato de se tratar de um ser pensante. Quando você está pesquisando um assunto – seja essa experiência em particular, ou as pesquisas do genoma humano – não necessariamente você sabe onde isso vai te levar. Na realidade, você faz a pesquisa pela pesquisa. Mas, o que nasce daí você não tem como prever. Toda a mecânica quântica, por exemplo, quando foi formulada no início do século 20, muitos questionaram a utilidade dessas pesquisas. Muitos acreditavam que saber o que havia no interior de um átomo não teria qualquer utilidade. Hoje, toda a tecnologia do mundo moderno está baseada na mecânica quântica: computadores, celulares, semi-condutores etc. Mesmo a internet nasceu em laboratórios de física de partículas. Os cientistas precisavam de maneiras melhores de trocar informações e acabaram desenvolvendo o embrião do que chamamos hoje de internet. A tecnologia que foi desenvolvida para realizar esse experimento pôde ser repassada para a indústria e gerar novas ideias. Fazemos isso tudo pelo amor à ciência. O próprio Einstein, quando formulou a Teoria da Relatividade Especial, afirmou que uma das consequências da teoria é que massa é uma forma de energia. Daí foi criada a energia nuclear que, sendo bem utilizada, é uma energia mais limpa que o óleo. No entanto, você também pode construir bombas com essa mesma tecnologia. Tudo isso tem a ver com a própria natureza humana. O próprio Einstein foi, depois, um dos maiores críticos da bomba atômica.