Carolina Bastos - Do Portal
20/05/2011Numa sala de aula de 30 alunos, a metade mantém os smartphones ao alcance das mãos. O levantamento informal feito pela professora Meg Mesquita para as suas três turmas do primeiro período de comunicação da PUC-Rio estende-se, provavelmente, a outras tantas turmas dos ensinos superior e médio. Ao invadir o "material escolar", a febre dos smartphones levanta discussões sobre as consequências ao aprendizado e a melhor forma de se lidar com esses aparelhinhos incorporados à rotina da sala de aula. A psicóloga Leila Cohn, diretora do Centro de Psicologia Formativa do Brasil, alerta que o uso excessivo do celular ameaça o desempenho do aluno.
Segundo a especialista, há dois tipos de risco. O primeiro remete à dispersão dentro de sala, que estimula um tipo de organização mental sustentada por um estado de alerta, atendendo (ou tentando atender) a várias demandas externas ao mesmo tempo. “Há pouca disponibilidade de estar em contato consigo mesmo e com a atividade com a qual se está lidando. Por exemplo, o conteúdo exposto pelo professor, uma prova, um trabalho”, explica Leila. As consequências se agravam com síndromes como déficit de atenção e hiperatividade, o que “prejudica o crescimento da pessoa e o desenvolvimento intelectual”. O segundo risco, ainda de acordo com a psicóloga, vem da radioatividade emitida pelo celular:
– A exposição em excesso, constante, pode criar problemas também desse tipo. Crianças e adolescentes são mais vulneráveis, pois ainda têm o cérebro em formação. A preocupação deve estar principalmente nas escolas e faculdades.
Por outro lado, as novas tecnologias do gênero, aplicadas na dose certa, contribuem para a expansão do conhecimento, acredita a professora do Departamento de Educação Rosália Duarte. Assim, o smartphone (numa tradução livre, "celular inteligente", com acesso à internet e aplicativos como mensagens instantâneas, email e redes sociais) possibilita ao estudante "a expressão do seu pensamento e de suas ideias em diferentes linguagens, favorecendo a construção da autonomia intelectual”. Dentro da universidade, ela apoia o uso para o acesso ao conteúdo trabalhado em aula, tarefas complementares e contato com o professor. Para Rosália, a contribuição dessa tecnologia depende diretamente do modo com que é utilizado e dos objetivos:
– Tecnologias não são mágicas. Não solucionam os problemas, elas apenas contribuem para isso, quanto usadas da maneira correta – ressalva.
Fátima Santos, do Departamento de Letras, condena o "uso indevido" do celular em sala de aula, pois "leva à dispersão dos alunos". No primeiro dia de aula, ela avisa aos alunos que só permite a utilização do smartphone em sala para fins acadêmicos. Se houver desobediência, apela para o bom humor:
– Eu brinco com eles. Digo que vou ganhar celulares novos, que vou fazer cestinhas para os aparelhos ficarem distantes enquanto leciono. Isso descontrai a aula, me fez nunca ter grandes problemas. Eles aprovam meu temperamento.
"O aluno interessado no conteúdo ficará atento"
A professora de mídias interativas do Departamento de Psicologia Daniella Romão também defende o aparelho para objetivos acadêmicos. Ela lembra que a dispersão nas aulas é uma ameaça anterior à invasão dos smartphones: “O aluno sempre teve, digamos, recursos para não prestar atenção na aula, como dormir, conversar ou trocar bilhetes”. Daniella reconhece, no entanto, que o smartphone pode ampliar a dispersão, e o considera um "mal necessário":
– Faz parte da geração deles. Não podemos proibir algo assim. Se o aluno estiver interessado no conteúdo, ficará atento – opina.
A universidade aderiu à tecnologia no início do semestre, com o lançamento do aplicativo que permite a reprodução do PUC-Online em smartpohone. A estudante de publicidade Daniella Fleury já consulta notas e horários via celular, mas conta que as prioridades são a rede social Facebook e as mensagens instantâneas. Confessa que ficou “deslumbrada no início”, mas garante que logo tranformou o vício em benefícios acadêmicos:
– Comecei a ler os textos das disciplinas e os emails dos professores pelo celular. Até dúvidas eu tirava em sites de busca.
A professora Fátima apoia esse tipo de uso:
– O processo de educação deve ser dinâmico e presencial. Deve ter interação entre o professor e o aluno, e não distância. Precisamos da troca de informações. A tecnologia ajuda nisso, quando usada da maneira correta.
Daniella recorda o dia em que seu smartphone a “salvou” pouco antes de uma prova surpresa de jornalismo. Por "falta de tempo", não havia lido o jornal. Antes de começar a prova, ela consultou sites de notícias para "se atualizar rapidamente".
– É pratico e eficaz, basta usar de maneira correta. Não podemos mais abrir mão da tecnologia. Ninguém hoje vive sem computador, internet ou qualquer outro tipo de recurso avançado – opina.
Excesso pode prejudicar socialização
Leila Cohn concorda com a observação da estudante. “Sem internet hoje, não existe trabalho. É possível perceber isso só quando não podemos ter acesso ao computador”, acrescenta a psicóloga. Embora esclareça que o uso frequente não caracterize necessariamente um vício, adverte que o excesso consome mais tempo e mais esforços fisiológicos do que se imagina. A especialista também alerta sobre riscos à socialização:
– O indivíduo fica muito ligado com a visão, a audição e o pensamento. Fica hiperestimulado com a tecnologia e desestimulado em termos sociais. Muitas vezes esse indivíduo se torna inábil em termos de socialização. Passa a ter uma pseudoconexão muito atrativa por meio do smartphone, que pode afastá-la das suas relações físicas.
A estudante de jornalismo Karina Groisman fica "online quase 24 horas por dia" nas redes sociais, via celular. Admite que o fluxo intenso de mensagens a atrapalha nas aulas, faz perdê-la “o fio da meada sobre o que o professor está falando”. Karina pondera, contudo, que os "comunicadores devem ter a notícias sempre na palma da mão".
– É essencial que tenhamos acesso às notícias rapidamente. Não descartaria nunca o smartphone da minha vida acadêmica, porque é possível conciliar as duas coisas. Eu só preciso aprender a fazer isso – brinca.
Uso parcimonioso transforma aparelho em aliado acadêmico
O estudante de publicidade Raphael Castro, repórter do programa Fuzuê na TV, da CNT, diz que não abre mão do smartphone. Reforça que o "uso adequado" pode ajudar o aluno a esclerecer dúvidas:
– Muitos alunos tem vergonha de perguntar algo em voz alta ao professor. Então, o celular pode facilitar a vida dos tímidos, que entram em sites de busca para tirar alguma dúvida – opina.
Raphael reconhece que o aparelho nem sempre é utilizado para nobres propósitos. Pode-se tornar, por exemplo, um aliado tecnológico para colar nas provas e "se dar bem" em trabalhos acadêmicos. "A culpa não é da tecnologia. Cabe ao estudante decidir qual caminho tomar”, lembra.
Para Daniella Romão, o advento dessas novas tecnologias impõe ao professor uma atualização ou adaptação da didática. “Pode transformar os recursos tecnológicos em conteúdo acadêmico", sugere. "E na hora de chamar a atenção do aluno, fale para compartilhar com a turma o conteúdo, caso seja viável”. Exige também o estabelecimento de limites. Ela descarta o uso em provas:
– Há uma troca de informações indesejável, por meio de mensagens instantâneas ou da internet. Precisa haver um limite.
A estudante de direito do IBMEC Paula Coelho tem o aparelho há dois anos, mas é contra o uso em sala. Ela conta que, durante as aulas, deixa o celular no modo silencioso e só verifica suas notificações nos intervalos. Mas essa decisão só veio depois de três meses de uso intenso em sala: o desvio da atenção para o celular resultou em notas baixas.
– Eu só ficava na internet e nas redes sociais. Acho que todos precisam ter esse choque uma hora. Você só percebe a diferença quando recebe uma nota mais baixa ou esquece de uma prova por falta de atenção – alerta Paula.
Mau uso da tecnologia ameça também a ética
Além da concentração e do aprendizado, o uso inadequado do smartphone ameça também a ética. Nesta semana, uma aluna de escola particular do Rio fotografou com o celular uma questão de química, durante o teste, e a publicou em "tempo real" na rede social Facebook. No espaço para descrição da imagem, pediu aos amigos a solução. A cola virtual chegou em minutos.
Outro uso inadequado remete à exposição desautorizada e oportunista da imagem alheia, como a publicação, em redes sociais, de equívocos ou gafes eventualmente cometidos em sala. Leila recomenda cuidados para se preservar a "tênue fronteira entre o público e o privado". Até o ensino médio, ela considera que o equilíbrio entre rigidez e diálogo seja a melhor estratégia para manter o uso das novas tecnologias alinhado aos objetivos da melhor formação acadêmica e pessoal.
– O profissional deve fazer um acordo com os alunos, que precisam respeitá-lo e utilizar o bom senso – orienta.
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