Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Ciência e Tecnologia

"A televisão vai tomar o lugar do computador", prevê professor

Caio Lima - Do Portal

04/05/2011

Stéphanie Saramago

O futuro das tecnologias é uma incógnita. O cenário é tão complexo que, entre os próprios técnicos do setor, predomina uma grande dúvida sobre os desdobramentos das tecnologias que nos acompanham hoje. Acostumado a coordenar ideias voltadas à inovação tecnológica, provenientes de estudantes e profissionais da diversas áreas, o professor Hugo Fuks, do Departamento de Informática da PUC-Rio, cultiva a rotina de antecipar o futuro. Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, o especialista aponta alguns caminhos tecnológicos, como o da TV Digital no Brasil; critica maneiras pelas quais são conduzidas determinadas inovações; e explica a tendência do que ele chama de "minituriarização de microprocessadores". Projeções de quem qualifica  o desenho futurístico Os Jetsons como o "shift" do destino.

Portal PUC-Rio Digital: Após o Ginga (software para a TV Digital, desenvolvido na PUC-Rio), quais são as próximas novidades tecnológicas da área e as perspectivas para se consumar a interatividade idealizada?

Hugo Fuks: É preciso que o Ginga vá para o set-top box (STB), isto é, para cima da televisão. Confesso que não conheço a fundo o estágio atual, mas o Ginga tem uma linguagem que foi usada para escrever em Nexted Context Language (NCL): permite autoria de documentos hipermídia. Essa linguagem também foi feita para o desenvolvimento de protótipos e aplicativos para tevê. Então, Ginga-NCL quer dizer a base para criar programas que proporcionarão interatividade. Temos o suporte tecnológico, agora precisamos fazer uma série de aplicativos para explorá-lo. Acredito que o caminho da interatividade vá, principalmente, na direção do comércio.

Portal: Por que o senhor acredita que a interatividade seja aplicada mais aos negócios?

Fuks: Falo de comércios porque as coisas tendem a ir por esse lado. Por exemplo, imagina que estou vendo um jogo de futebol e queira comprar a camisa do jogador que acabou de fazer o gol. Por que não? O consumidor de casa quer comprar na hora, com conforto. E, comprando por impulso, as vendas aumentam. Mas essas coisas ainda não acontecem. Então, repito: temos a base da interatividade, mas ainda faltam os aplicativos.

 Stéphanie Saramago Portal: Quais as razões desse descompasso? Como resolvê-lo?

Fuks: É preciso considerar, primeiro, a disputa política dessa história. O conceito de Ginga implementado em televisões envolve embates políticos. Fugindo do contexto político, acho que primeiro vão aparecer aplicativos com iniciativas específicas – de venda, por exemplo – e depois vão aparecer o que nós do departamento (de Informática) chamamos de Ambientes para Programação de Aplicativos. Deve-se ir no sentido dessa segunda fase. É fundamental a programação dos aplicativos não ficar somente nas mãos dos especialistas. Deve ser feito o mesmo que foi feito com a internet: popularizá-la. Quando isso acontecer, a criatividade espalhada nas ruas vai para lá. A criatividade não está no setor de informática, e sim externamente. Os aplicativos vêm da criatividade das pessoas conforme suas "‘loucuras" e desejos. Mas, primeiro, a televisão precisa se espalhar mais, digo no sentido dessas TVs mais modernas (HD). É necessária uma massa usando (os aparelhos mais sofisticados) para fazer sentido.

Portal: O senhor avalia, então, que poderia haver uma aproximação com o modo com que se instituiu a internet? Como isso se refletiria numa Tv do futuro?

Fuks: O comércio eletrônico nasce de um jeito e segue caminhos que ninguém pode imaginar. Hoje, muitas pessoas sabem usar microprocessadores (programadores) – que ficaram baratos, cerca de US$ 30. As coisas surgem de uma maneira e tomam caminhos inesperados. Mas acho que a televisão do futuro vai ter a cara da internet do futuro, porque ambas estão muito próximas de se juntar. Acho que a televisão vai tomar o lugar do computador como centro, além de lazer, de trabalho. Falando em interatividade, o caminho não é a internet, e sim a televisão. Não tem nada de concreto, mas acredito que as pessoas ficarão em suas casas com suas TVs-Computador com câmera, conversando ou jogando, ou seja, interagindo.

Portal: E quanto aos smartphones e tablets? Quais são os próximos passos, na sua opinião?

Fuks: Acredito que cada vez mais essa área está indo na direção das vestimentas. Falando da qualidade, é preciso ver a coisa não do ponto de vista da aparelhagem, e sim do serviço: o usuário quer fazer.

Portal: Como assim?

Fuks: Uma coisa é clara no smartphone: é preciso parar tudo para dar atenção a ele. Ou seja, perdemos dois olhos e duas mãos, e isso não é bom. Agora, imagine ter a mesma informação do smartphone na lente dos óculos. Não ficamos com a mão nem a vista ocupadas. Por isso, acredito que o caminho é da minituriarização, da aproximação com o corpo (roupas, acessórios). Tudo que pode travar tende a perder espaço entre as pessoas . O smartphone corre esse risco.

Portal: Como se construir esse novo ambiente tecnológico?

Fuks: Três conceitos fundamentais. Primeiro, tem-se que olhar para serviços, não para aparelhagem, ou seja, “o que eu posso fazer com isso e onde?”. Segundo, pensar que cada vez mais localizamos a internet. Terceiro, o caminho da "minituriarização"’ é irreversível. Tudo que carregamos (roupas, óculos, relógios, bijuterias), hoje, passarão a ter microprocessadores.

 Stéphanie Saramago Portal: O que seria realmente útil e necessário para o homem contemporâneo? Como converter os avanços tecnológicos em qualidade de vida e evitar que os usuários fiquem reféns dessas maravilhas eletrônicas?

Fuks: Faço das palavras de Churchill (ex-premier britânico) as minhas: “os homens fazem os prédios e depois os prédios moldam eles”. Se você dá um protótipo a alguém, você a informa sobre alguma novidade que ela pode fazer. Então, devemos escolher o que queremos para nós. O que realmente vai melhorar a qualidade de vida são as próprias pessoas que vão julgar e buscar. Devemos sempre tentar fazer o seguinte exercício: pensar numa inovação e avaliar o que ela pode melhorar na vida. Para colocar um produto no mercado, é preciso pensar e especular o que pode acontecer. No entanto, só algumas respostas vão chegar.

Portal: O senhor disse que aplicativos surgem da inspiração das ruas. Filmes ou desenhos futurísticos também não podem assumir esse papel inspirador? Algum exemplo?

Fuks: Os autores desses filmes e desenhos futurísticos estão explorando espaços. O artista sonda e tem várias tecnologias que nasceram dessas "viagens". Hoje, estamos com essas impressoras 3D. No futuro, se alguém quiser comprar algo, vai avaliar o produto, fazer suas especificações e moldar ali na hora, sem precisar enviar pelo correio. Ou seja, a informação do produto e não a matéria em si, que será construída na hora, depois dessa “viagem”. Haverá relação informação-matéria. O desenho Os Jetsons é o ‘shift’ da matéria para informação.

Portal: Como distinguir uma tecnologia inovadora de uma invenção passageira?

Fuks: Existe inovação com ‘i’ minúsculo e com ‘i’ maiúsculo. Quando pegamos coisas que já existem, combinamos de uma maneira nova, estamos fazendo inovação (minúsculo). Quando criamos algo que a maioria das pessoas nunca pensou existir fazemos Inovação (maiúsculo). Ciência é fundamental para criar as Inovações. E olho aberto com o ‘i’ minúsculo. Porque esse "i" minúsculo também pode ser bom, por que não? Não é questão de criar vários processadores e colocar numa máquina. É preciso revolucionar a maneira como ela processa a informação. Mais uma vez, sair do mundo que tem massa para o que não tem.

Portal: Quando vai acontecer essa passagem de ‘massa’ para ‘sem massa’?

Fuks: Não sei. Isso ninguém pode dizer. Quando se fala de futuro próximo, exageramos. Quando falamos de futuro distante, desvalorizamos. Então, é difícil dizer. Mas já existem alguns laboratórios disputando para ver quem cria o primeiro processador fotônico.

Portal: Como a PUC-Rio se insere nesse cenário de busca da inovação tecnológica?

Fuks: A PUC é bem vista no setor. No entanto, é preciso de mais investimento em tecnologia no Brasil como um todo. Criamos nossas próprias pesquisas, mas, para internacionalizá-las definitivamente, precisamos que o governo federal invista, mesmo sendo uma universidade particular. O Brasil é um repetidor de tecnologia.