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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Ciência e Tecnologia

"Corrida de engenharias" impulsiona disputa nas pistas

Igor de Carvalho - Do Portal

28/04/2011

 Luisa Nolasco

A cada temporada, inovações como o sistema KERS (redistribuição da energia de frenagem para melhorar a aceleração) e a asa móvel transformam o automobilismo, especialmente a Fórmula 1, num laboratório futurista. Boa parte das engenhocas destina-se a aumentar a segurança, e não raramente atropela a autonomia do condutor. Embora, para aflição dos puristas, a máquina assume mais poderes, os graves acidentes ocorridos recentemente no autódromo de Interlagos – nos quais morreram os pilotos Paulo Kunze (Stock Paulista Light), Gustavo Sondermann (Copa Montana) e João Lisboa (motociclista) – reacendem um sinal amarelo sobre a necessidade de os avanços tecnológicos estenderem-se aos materiais e traçados das pistas. 

Para o professor Mauro Speranza Neto, do Departamento de Engenharia Mecânica da PUC-Rio, "a evolução das engenharias e as novas tecnologias tornam a Fórmula 1 mais segura". Ele ressalva, no entanto, que o progresso tecnológico não significa imunidade a acidentes, e acredita que as corridas ficarão automatizadas:

– A coisa está evoluindo de tal maneira que daqui a 10, 20 anos talvez os pilotos não sejam mais necessários. Ou talvez comandem o carro por meio de um simulador.

Com a arrancada tecnológica, os pilotos têm de se adaptar a essas mudanças entre as temporadas. Se por um lado as intervenções se automatizaram e as habilidades exijam, como se diz, menos "braço", por outro as alternativas ao volante se ampliaram:

– Hoje o piloto tem que ter habilidade para comandar aquele monte de botões no volante. Há 30 anos, o piloto intervinha com a sua sensibilidade, com sua capacidade de perceber certar características do carro. O piloto ainda faz diferença, o que muda hoje, é o maior número de recursos. Hoje o carro dá muito mais alternativas do que alguns anos atrás – compara o professor.

 Luisa Nolasco  

Na avaliação de Speranza, a corrida de carros é impulsionada pela "corrida das engenharias":

– Corrida de carros é uma competição de engenharia. Quem tiver a melhor engenharia em todos os aspectos vai fazer a diferença.

Na temporada deste ano, a Fórmula 1 teve a volta do KERS (sistema de recuperação de energia cinética) e a novidade da asa móvel. No primeiro recurso, um gerador elétrico conectado ao eixo traseiro ajuda a frenagem. Uma bateria armazena a energia liberada, para ser aplicada na aceleração, quando o piloto julgar mais necessário. Basta apertar um botão. O KERS libera cerca de 80hp de potência extra.

Já a asa móvel permite a regulagem dinâmica, de acordo com as circunstâncias da corrida. O piloto pode deixá-la aberta ou fechada. Quando está aberta, há menos aderência dos pneus e menos resistência do ar: importante para ganhar velocidade em ultrapassagem. Quando fechada, aumenta a resistência do ar e, consequentemente, favorece a aderência dos pneus.

– A aerodinâmica é decisiva hoje em ultrapassagens. Alguns pilotos estão conseguindo evitar as ultrapassagens só com o KERS, pois não se pode usar os dois (recursos) ao mesmo tempo – afirma o especialista.

Pavimento ecológico favorece a aderência

Os três acidentes ocorridos em Interlagos nesse ano renovam as discussões sobre materiais e traçados mais indicados para resguardar a segurança dos condutores. As misturas asfálticas – em que o asfalto é modificado por polímeros para melhor absorver as cargas do tráfego – predominam nos autódromos. Em Interlagos, utiliza-se o asfalto-borracha (insere-se borracha de pneus que não podem ser mais utilizados), também conhecido como "pavimento ecológico". Segundo a professora Michéle Dal Toé Casagrande, do Departamento de Engenharia Civil da PUC-Rio, esse tipo de pista apresenta uma vida útil maior e permite melhor aderência, em relação às misturas asfálticas convencionais.

 Luisa Nolasco

Outro tipo de pavimento é o CPA (camada porosa de atrito). Trata-se de uma mistura mais cara, pois leva asfalto modificado e até fibras de celulose. O resultado é um pavimento "mais drenante", que evita o acúmulo de água acumulada e, assim, contribui para a prevenção de acidentes. Esta característica faz com que o CPA seja adotado em ruas e estradas 

– Em uma curva muito perigosa da Dutra, por exemplo, foi aplicada essa mistura de CPA e o nível de acidentes diminuiu bastante, pois era uma região da rodovia que sofria muito com o acúmulo de água após chuvas intensas – lembra a professora.

Outro recurso essencial à segurança é o controle de ondulação da pista. Equipamentos avançados identificam “deflexões” e apontam os locais em que é necessária a correção dessas irregularidades. Michéle afirma que esses sistemas, relativamente comuns nas principais estradas européias, ainda estão distantes, pelo custo alto, das rodovias urbanas brasileiras.

Nos autódromos, sobretudo os mais recentes, as áreas de escape mostram-se igualmente importantes para prevenir e atenuar acidentes. Na prática, têm o objetivo de fazer com que os carros percam velocidade quando o piloto perde o controle.

– Diminui a chance de um acidente pior, mas nunca 100%. Ou os circuitos mais antigos incorporam tais avanços, ou a tendência será não utilizá-los mais – acredita a especialista.

As estruturas dos veículos estão "cada vez mais seguras", garante Speranza. Para ele, as chamadas células de segurança, feitas de fibra de carbono, são desenvolvidas justamente para resistir às fortes colisões e choques:

– Numa competição de Fórmula 1 isso está no máximo. Os carros se esfaleram, mas a célula de sobrevivência reduz a chance de os pilotos sofram grandes acidentes.

Em outras categorias, esse avanço tecnológico ainda está longe da pole position. Na opinião do professor, fatalidades como a morte de Guilherme Sondermann, na Stock Car, poderiam ser evitadas com a evolução das células de sobrevivência: 

– Esses carros, por mais seguros que sejam feitos, ainda não apresentam a estrutura adequada, ainda são de tubos soldados. Ele acabou morrendo pela aceleração recebida em decorrência da batida com o outro carro. O banco não estava adaptado e o equipamento de segurança era para colisão frontal e não lateral. Tem que se pensar nisso também – acrescenta.