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Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2025


Ciência e Tecnologia

Genoma sintético levanta questões éticas e religiosas

Juliana Oliveto - Do Portal

02/06/2010

Reprodução

No dia 20 de maio deste ano, pesquisadores do instituto americano J. Craig Venter Institute anunciaram a criação da primeira célula sintética do mundo. Eles sintetizaram, com o auxílio de um software, o genoma inteiro de uma bactéria – a Mycoplasma mycoides, que causa doença em cabras e tem o menor genoma conhecido pelo homem.

Os cientistas injetaram material genético sintético em uma célula da bactéria Mycoplasma capricolum, que já estava sem seu DNA original. As células que receberam o genoma artificial voltaram a funcionar e se reproduzir normalmente, formando colônias com bilhões de bactérias.

No entanto, de acordo com a professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) Lygia Pereira, Craig Venter e sua equipe não criaram a vida completa, já que precisaram utilizar os componentes da bactéria receptora para fazer o genoma sintético funcionar. “Eu não diria que ele criou vida, mas sim que reprogramou uma vida”, afirmou.

A “célula sintética” – como Venter a nomeou – suscitou novos questionamentos não só para o meio científico, mas também para o ético e o religioso.

 Arquivo Pessoal

A respeito do lado religioso, o padre e professor do Departamento de Matemática da PUC-Rio Paul Schweitzer, S.J. disse que não há nenhum problema com essa nova realidade, já que a Criação é uma narrativa mística e não histórica.

– O que os cientistas vão entender um pouco melhor a partir de pesquisas como essa é a maneira como Deus criou o universo, ou seja, a criação tem que ser entendida através de toda uma sequência de eventos desde o big-bang. Assim a criação é muito mais maravilhosa do que se Deus estivesse intervindo constantemente – explicou.

No campo da ética, a velocidade com que os avanços tecnocientíficos atingem nossa sociedade é um fator de preocupação. Edgar Lyra, professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio, acredita que a célula sintética é mais um capítulo de um conjunto de inovações que aumentam a capacidade que o homem tem de modificar, para o bem ou para o mal, o ambiente em que vive.

– De fato nós estamos nos tornando muito poderosos, com todas as inquietações que vêm a reboque disso. A humanidade já mostrou em episódios menos abstratos, como as bombas atômicas, que pode autorizar o uso desses “milagres” para coisas bastante questionáveis – exemplificou.

Para o professor Lyra, a questão maior está relacionada ao que se está buscando, qual a finalidade desses avanços e, principalmente, qual é “a garantia de controle e de bom senso que pode prevalecer em relação a esses investimentos radicais”. Além disso, Edgar Lyra ressaltou que não necessariamente estamos nos tornando mais capazes de lidar eticamente com o poder que nos chega através da ciência.

– O grande problema por trás disso é a velocidade com que as coisas estão surgindo e a impossibilidade de pensarmos, decidirmos e produzirmos legislação a respeito do que a gente quer ou não quer – disse o professor.  Camila Grinsztejn

O padre Paul Schweitzer, S.J., concordou com o professor Edgar Lyra ao dizer que as mudanças ocorrem com muita rapidez. Segundo o padre Schweitzer, a Igreja, com mais de 2 mil anos de tradição, sofre com uma adaptação lenta e difícil, principalmente pelo fato de que esses avanços abrem possibilidades que não existiam no passado.

O professor Schweitzer ressaltou que, para ele, não há um conflito entre ciência e religião. Ele citou Galileu Galilei para afirmar que Deus escreveu dois livros – a Bíblia e o da natureza – e que, sendo ambos do mesmo autor, não poderia haver conflitos.

– Quando aparentemente há um conflito entre religião e ciência, ou do lado da ciência estão tirando conclusões exageradas e não justificadas, ou do lado da religião há uma fé fundamentalista que não é inteligente. Não temos que escolher entre ciência, que é contra a religião, ou fé, que não respeita a ciência, porque as duas caminham juntas – disse.

O professor Edgar Lyra chamou a atenção para a importância do debate ético, dado o caráter incógnito que muitos desses desenvolvimentos podem ter. Para ele, a pior coisa que poderia acontecer é sairmos fazendo as coisas sem controle algum. Para evitar que isso ocorra, Lyra acredita que é necessário abrir novos canais para debate, como nas universidades, através das mídias ou, ainda, da religião.

– Acho que os líderes religiosos têm um papel, por mais que na sociedade laica haja um argumento contrário, porque neles ainda existe algum resquício de autoridade e essas vozes ainda contribuem para chamar a atenção da importância do debate – ressaltou.

A professora Lygia Pereira, da USP, levantou questões éticas em relação ao homem e ao meio ambiente. Ela lembrou que para construirmos prédios e coisas mais sofisticadas, por exemplo, tivemos que desvendar as leis da física envolvidas nesses feitos, mas para “construirmos” seres vivos precisamos entender as leis que os definem.

– Aí está o desafio de Venter, os sistemas biológicos são muito complexos e ainda não conhecemos todas as leis que os regem. Assim, ele pode desenhar o genoma de uma bactéria para que ela resolva o problema, por exemplo, do petróleo derramado no oceano, mas nada nos garante que ela vá fazer isso. Ela pode, em vez disso, ter uma afinidade por alguma espécie de peixe e infectá-lo, mas só saberemos disso na prática – explica.

Craig Venter e seu grupo de cientistas pretendem, em um futuro próximo, criar células sintéticas capazes de produzir biocombustíveis e outras substâncias. O Instituto J. Craig Venter, que leva o nome do cientista, já tem contrato fechado com a Exxon Mobil, para a produção de biocombustível, e com a Novartis, para a produção de vacinas. A pesquisa com o genoma sintético custou cerca de US$ 40 milhões e seus estudiosos garantem que não há risco na produção da célula artificial, porque a enfraquecem de modo que ela só consiga se reproduzir em laboratório.