No dia 30 de março deste ano, cientistas do Centro Europeu de Pesquisas Nucleares (Cern) conseguiram recriar em pequena escala as mesmas condições do momento do big-bang, explosão fundamental que teria dado origem ao universo. A colisão entre feixes de prótons a uma energia de 7 trilhões de elétron-volts (7TeV), a maior alcançada até hoje, foi realizada pelo maior acelerador de partículas do mundo, o LHC (sigla em inglês para Grande Colisor de Hádrons).
O Portal PUC-Rio Digital conversou com a professora do Departamento de Física da PUC-Rio Carla Göbel, que faz parte da equipe que trabalha em um dos experimentos do projeto LHC, no Cern. Ela passou um ano no mais importante laboratório de pesquisas nucleares do mundo. Na entrevista, Carla fala sobre o funcionamento do projeto LHC, que envolve pelo menos quatro experimentos diferentes, o que realmente aconteceu no dia 30 e quais as consequências disso.
Portal PUC-Rio Digital: Qual o propósito do projeto LHC?
Carla Göbel: Na realidade, trata-se do estudo do que é feita a matéria, do que somos feitos. E, veja bem, esse estudo é realizado desde a antiguidade e a gente não está fazendo nada muito diferente disso. Entretanto, como hoje a tecnologia permite ir além, a gente está indo cada vez mais longe. No início do século XX, finalmente se descobriu, através das experiências de Mendeleev, qual era a estrutura da matéria, ou seja, que a matéria é formada de átomos, qual a diferença entre os elementos e quais as suas propriedades químicas. Ao passar do tempo, a ciência foi se aprofundando cada vez mais no estudo da matéria e a melhor maneira de fazer isso é estudando as colisões que acontecem todos os dias, o tempo todo, na atmosfera. Estas, na verdade, são as colisões mais energéticas de todas e a gente ainda está bem abaixo de produzir a energia das colisões atmosféricas. O projeto LHC apenas reproduz no laboratório coisas que já acontecem. E por que a gente não estuda diretamente da atmosfera? De fato, a gente estuda, só que essas colisões acontecem quando e da forma que querem, e a gente não tem um super detetor na atmosfera. O melhor que se pode fazer, e se faz, é colocar detetores no solo. Essas colisões são algo sem controle, então o que a gente faz é uma experiência controlada onde você vai chocar prótons contra prótons com uma energia e condições conhecidas, e vai ter detetores perfeitos para analisar as partículas que saem daí. Então o que a gente quer com isso é ver alguma coisa que de fato é produzida, mas que a gente não consegue ver. O que a gente está colocando são óculos apropriados para enxergar essas colisões.
P: Mas o que realmente produz o experimento de colisão de prótons?
CG: Da mesma maneira que Mendeleev conseguiu entender a lógica por trás do fato de cada elemento ter uma propriedade química diferente, ele descobriu também que os elementos na verdade se diferenciam uns dos outros pelo número de prótons e elétrons que o constituem. A gente já tem uma sistemática para entender as partículas que existem. O que se sabe do princípio da estrutura química é que toda matéria é feita de elétrons, prótons e nêutrons. Hoje, a gente sabe que os prótons e nêutrons que vivem dentro do núcleo também são formados por partículas mais elementares, os quarks. Mas há quarks mais estáveis e outros que decaem. Quando a matéria decai, ela fica na forma mais simples, os quarks UD. Todas essas partículas são produzidas no centro das estrelas, na atmosfera, o tempo todo, porque precisa de energia para produzi-las. Einstein mostrou que se você tem energia na forma cinética, velocidade, você pode transformar essa energia em matéria. Então, fazendo colisões, a altas energias, o que se faz é transformar uma parte da energia de movimento em energia de massa e você pode, assim, produzir partículas mais pesadas que normalmente não estariam aqui. Elas existem na atmosfera, mas têm um tempo de vida muito curto. O próton vive um tempão, mas tem partícula que vive a uma curtíssima fração de segundo (0,000000000000000000001 de segundo, por exemplo), elas vivem pouco, mas existem, só que nisso que são produzidas elas decaem em outras partículas mais leves. O que a gente faz com esses experimentos é produzir essas partículas e tentar vê-las e estudá-las antes de decaírem, porque apesar de não estarem aqui formando a matéria sólida, elas existiram no início do universo, quando tudo era muito mais quente e denso.
P: E onde a ciência quer chegar com isso?
CG: Eu li outro dia no jornal – e eu não leio essas matérias sempre, porque sempre tem algo errado – que “já foram feitos 10 milhões de big-bangs”. Na realidade não é isso, já foram feitas 10 milhões de colisões próton contra próton, o que não quer dizer que cada colisão é um big-bang. O big-bang que aconteceu foi só um, não vai ser refeito. Isso é algo que se fala demais porque vende, é bom para gente quando vende, mas tem que se ter cuidado porque na verdade a gente não está reproduzindo o big-bang. Quando se fala disso já vem os mais assustados e acham que a gente vai acabar com o planeta e é o que eu estou tentando dizer: essas colisões com energias de ordem de grandeza muito maior do que a gente está fazendo acontecem na atmosfera, e o mundo não acabou. A gente não faz nada que já não aconteça, só vamos fazer com uma frequência maior. Essas colisões acontecem em intervalos irregulares e se a gente for ficar esperando... Fazemos acontecer muitas, só isso. Não estamos fazendo nada perigoso, porque perigoso por perigoso a Terra já teria acabado. A gente acredita que a partícula de Higgs deve ser produzida, mas a chance dela ser produzida é menor do que a chance de ganhar na Mega-Sena. Então, se você quisesse ganhar na Mega-Sena como você faria? Você jogaria muitas vezes e todas as semanas, então é isso que a gente faz, para ter a chance de encontrar uma coisa em 10 bilhões você faz 10 bilhões e vai aparecer uma. Então, olha só, já foram feitas 10 milhões de colisões, a gente ainda está muito longe. Se já tiver aparecido um Higgs nessas 10 milhões a gente já deu sorte, porque o que a gente precisa na realidade é coletar muitos dados para desse monte de informações ver se vai aparecer um ou outro Higgs. Os dados que estão começando a sair agora são os primeiros, até se começar a falar da busca do Higgs vai demorar pelo menos dois anos. Enquanto isso, a gente vai coletando dados, até porque o LHC está começando a produzir colisões em uma energia de 3,5 contra 3,5, que é de 7TeV no total. Isso é metade do que se esperava inicialmente. Antes daquele problema que occoreu no final de
P: Caso não se encontre nada agora, o projeto prevê um segundo mini big-bang?
P: Como esse experimento vai atingir as pessoas leigas?
CG: Se você quiser pensar estritamente para que serve, eu não sei te dar essa resposta. O que eu sei é o seguinte: sempre, desde o início dos tempos, o homem quer descobrir do que é feito, pra onde vai. Isso faz parte da curiosidade humana. Você faz um Projeto Genoma para quê? Ele serve para que a gente entenda o nosso DNA. Você pode de repente conseguir dar conta de certas doenças etc. Isso dá uma sensação de que vale a pena investir. Na verdade, o LHC também vale a pena, mas o benefício é um pouco mais indireto. Por exemplo, toda a tecnologia que a gente usa hoje, o computador, os celulares, tudo isso vem do que um dia foi pesquisa básica. Quando nasceu a mecânica quântica, perguntava-se: “E pra que serve isso?”. Sem a mecânica quântica você não teria o seu computador, todos os dispositivos eletrônicos, semicondutores etc. Isso tudo é consequência da mecânica quântica. Até a relatividade geral, que diz que o espaço encurva. Caramba! Ele encurva? Para que isso serve? Serve para entender que a precessão do periélio de mercúrio tem uma pequena correção e essa pequena correção que você tem que fazer de relatividade geral é fundamental no GPS. Se você não faz as correção devidas, você erra o posicionamento das coisas por centímetros, metros, mas erra. Então, entendendo a matéria, vamos entender do que somos feitos.
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