Projeto Comunicar
PUC-Rio

  • Facebook
  • Twitter
  • Instagram

Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Ciência e Tecnologia

“Vamos ter de aprender a pensar em muitas dimensões”

Gabriela Ferreira - Do Portal

30/11/2007

Com o crescimento do número de jornais on-line e de blogs informativos, o jornalismo convencional está passando por mudanças cada vez maiores e mais intensas. Nas redações, o número de repórteres vem sendo reduzido e o público está usando muito mais a Internet que o bom e velho jornal impresso para se manter informado. Em entrevista para o Portal PUC-Rio Digital, o jornalista Carlos Castilho afirma que a atual palavra-chave do jornalismo é “contexto”, uma valorização dos diferentes ângulos de uma mesma notícia, que exponha diferentes circunstâncias e interesses envolvidos. Ele explica que o “jornalismo cidadão”, no qual pessoas comuns contribuem para o processo de formação da notícia, está ganhando espaço na imprensa nacional. Castilho diz que o modelo de negócios de jornalismo está falido. “A profissão está numa fase de transição imprevisível, mas a web não vai sepultar a imprensa convencional”, afirma ele nesta entrevista.


Com a idéia de "contexto" e de "jornalismo cidadão", as notícias ganharam muitas visões, o que leva as pessoas a relativizarem os fatos. Essa relativização seria uma banalização da própria notícia?

Não, não se trata de banalização. A relativização, ou melhor, a contextualização, tenta mostrar a complexidade da realidade e dos fatos jornalísticos. Claro, a notícia deixará de estar atrelada à velha dicotomia entre o mocinho e o bandido, para admitir que entre os dois extremos há inúmeras variáveis. Nós, que estamos acostumados a raciocinar apenas entre branco ou preto, alto ou baixo, vamos ter de aprender a pensar em muitas dimensões. Não é porque queiramos que seja assim. É que a realidade tem muitas faces e o jornalismo tradicional a reduziu a apenas duas, uma bonita e outra feia. A avalancha informativa provocada pela internet e pela Web mostra cada vez mais as muitas caras da realidade. Isto não significa que a notícia desaparecerá. Os fatos novos e impactantes são uma realidade permanente. O que muda, e já está mudando, é a rotina jornalística de reduzir a realidade a apenas duas visões.

A prática do "jornalismo cidadão" tira a credibilidade do jornal?

O jornalismo cidadão não tira a credibilidade dos jornais. São eles que a estão perdendo por uma série de fatores em sua maioria ligados ao modelo de negócios das empresas jornalísticas. O jornalismo cidadão sequer é antagônico ao jornalismo profissional. Muito pelo contrário, estou convencido de que os dois são complementares e igualmente indispensáveis.

Com tantos enfoques dados às notícias, será que todo fato não tem um lado mais importante, uma visão da maioria? Não há "verdade"?

A visão das maiorias não necessariamente é a visão mais correta. Cabe ao jornalismo fornecer os elementos para que o público possa identificar qual a perspectiva mais adequada à comunidade onde a publicação está inserida. As maiorias são, por natureza, mutantes porque o surgimento de novos dados provoca mudanças de percepções e juízos de valor entre os consumidores de informação. O jornalismo não pode partir do princípio de que existe uma verdade absoluta e a partir dela estabelecer juízos de valor. A imprensa não é um tribunal e sim um instrumento para ajudar as pessoas a tomar decisões, uma ferramenta de entretenimento e de educação. Um jornal pode ter opinião e posicionamento, mas isto não significa que ele deva suprimir as opiniões e posicionamentos diferentes. Se ele fizer isto ele deixa de prestar serviços para o público e se transforma num grupo de lobby, num partido político ou numa seita.

O jornal pode compatibilizar a idéia de "contexto" e a defesa da sua ideologia nas páginas?

Sim. Contextualizar não significa maquiar a realidade. Não é sinônimo de distorção. Quando um jornal contextualiza uma informação ele identifica causas, conseqüências, beneficiados, prejudicados, circunstâncias etc. Noutras palavras procura ser abrangente na abordagem do fato jornalístico, sem ater-se a posições preconcebidas. O dono do jornal, assim como os jornalistas e qualquer pessoa tem direito a opiniões e posicionamentos. Ele pode expressá-los publicamente. O que ele não pode fazer é omitir as demais opiniões e posicionamentos. Se ele fizer isto, ele está deixando de praticar o jornalismo para aderir ao proselitismo.

Cada vez mais o público leitor tem a capacidade de publicar textos e notícias na internet, em tempo real. O jornalista está perdendo o controle da informação e seu espaço no mercado de trabalho?

Sim, o jornalista profissional está perdendo o monopólio sobre a determinação da agenda pública de debates. Este é um processo irreversível, porque os blogs ocupam cada vez mais espaços como fonte de informação, apesar de todos os seus problemas. Quem está reduzindo o mercado de trabalho dos jornalistas profissionais não são os blogs e nem os jornalistas cidadãos. São as empresas jornalísticas e suas estratégias de cortes de despesas. O jornalismo on-line tende a criar muito mais empregos que os fechados pela imprensa convencional. O problema é que estamos numa transição de modelos e no meio de um processo de recapacitação de pessoal para trabalhar com ferramentas on-line e novas tecnologias da informação. Há muito pouca gente capacitada e as universidades estão sendo muito lentas na reforma de seus cursos de comunicação.

Os textos informativos publicados pelos leitores podem ser considerados "jornalismo" ou um estilo do mesmo?

Depende. Há leitores que assumem posturas jornalísticas mais por bom senso do que por treinamento e formação técnica. Eles podem produzir material informativo considerado jornalístico. Mas há outros leitores que também produzem informações mas que não podem ser considerados jornalistas amadores, porque lhes faltam os elementos essenciais como preocupação com a objetividade, veracidade, clareza, interesse público, contextualização etc. Um weblog estilo meu diário pode publicar informações muito interessantes e atraentes, mas isto não faz dele um blog jornalístico.

O jornalismo estaria em jogo diante de tantos "jornalistas precoces" ou "amadores"?

O jornalismo, como já disse, vive um processo de transição onde estão sendo revistos não apenas muitos dos valores e rotinas da profissão, mas também pela mudança de conceitos chaves como o de notícia, de autoria, de privacidade e colaboração. O jornalismo não está em fase terminal. Está em transição para um novo modelo cujo perfil ainda não é possível esboçar.

Os blogs podem acabar com o jornalismo impresso?

Não, os blogs não acabarão com os jornais impressos, da mesma forma que a Web não sepultará a imprensa convencional. Os jornais, rádios, revistas e emissoras de TV vão mudar de formato, de estratégias editoriais, de público e de modelo de negócios.

Não seríamos mais negligentes com as questões sociais, políticas e econômicas se nos tornássemos relativistas?

Acho justamente o contrário. A contextualização permite uma reflexão diversificada que elimina as hegemonias e abre espaços para visões divergentes, conjunturalmente, minoritárias. Neste ponto estamos valorizando questões sociais como os direitos da minoria e permitindo que diminuam as possibilidades de sistemas opressivos e ditatoriais.