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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cultura

Mão na guitarra. Mao na guitarra?

Fernanda Ralile - Do Portal

07/11/2007

Que relação Mao Tsé-tung, John Kennedy e Martin Luther King teriam com a guitarra? Pense. E aí, nenhuma? Pois é. Mas para Sérgio Kastrup há, sim, algo em comum entre essas três personalidades e o instrumento. O RDC, em setembro, parou para ouvi-lo: “Assim como esses caras foram importantes para a China, para os Estados Unidos e para os negros, a guitarra e o guitarrista também tiveram papel fundamental na humanidade, foi uma libertação!” Carioca da gema, o menino cresceu ouvindo as canções da bossa nova – seus pais eram músicos. E ele, quem diria, tanto ouviu sambinhas que aos 12 anos não agüentou e mudou radicalmente de lado: virou roqueiro. Um susto para a família, mas uma surpresa para o próprio Sérgio, que descobriu no rock’n’roll seu talento para a música e, especialmente, para a guitarra.


Ele tem cabelo grisalho, longo e preso. Pele morena de praia, blusa regata e claro, uma guitarra (Fender, com braço Ibanez), presente de um amigo francês. Irreverente e bem-humorado, o músico apresentou a palestra “Guitarra, um meio de sobrevivência”. O encontro foi realizado por iniciativa do próprio músico, que conseguiu na Pastoral um espaço para contar sua história. Ao se despertar para o rock, Kastrup, como é conhecido, teve a guitarra como grande companheira, dando a ela de cinco a seis horas diárias de dedicação. Andar na rua sem aquele instrumento pendurado em suas costas era algo raro. A guitarra tornou-se parte de seu corpo. Ciente do dom que tinha, passou a sonhar com a vida de guitarrista profissional. “Eu sabia que tocava bem e, antes de qualquer coisa, acreditava em mim. Por que de que adianta você acreditar em um sonho sem acreditar em você mesmo?”. Mas as dificuldades logo apareceram.
Kastrup teve de arrumar outros empregos e, no tempo livre, pegava a guitarra para treinar. Bancário, modelo, figurante, fez de tudo um pouco. Mas só durante um tempo. Aos 24 anos, resolveu largar tudo e ir atrás de seu sonho: “Se é para ter pouco dinheiro e só usar roupa velha, tudo bem, eu não quero nem saber, eu vou ser é guitarrista! Eu não me via trabalhando em qualquer outra coisa que não fosse a música.” Ele começou tocando nos bares da Lapa e em todo tipo de boate carioca. Tocando um dia aqui outro ali, em pouco tempo fechou todo circuito do Rio. E passou a tocar em outras cidades. Kastrup tocou em rodeio, na roça e em muitos lugares do interior. “Brasilzão mesmo”, brinca. Faltava a Europa.


Lá, Kastrup teve um reencontro com seu trauma de infância, “Quando eu cheguei lá, eles olhavam para mim e falavam: ‘Você é brasileiro? Pois então eu quero bossa nova!” Foi uma grande batalha para conseguir impor seu rock. Com o tempo e muita insistência, conseguiu tocar em lugares como Genebra e Amsterdã, sonho de qualquer músico. Mas quando não tinha show ao vivo, não tinha o feijão pronto. “Não adianta você querer manter um status para depois não ter dinheiro para comer. Então eu toquei muito na rua, em bonde, metrô. Porque entrar no palco com toda aquela iluminação, holofotes, tudo isso é muito bom, mas você não pode só ficar esperando por isso.”


Momentos bons e ruins, altos e baixos, assim foram seus anos como guitarrista na Europa. Sempre usando comparações inusitadas, Kastrup comparou sua guitarra com o serrote do marceneiro e com a enxada do agricultor. Ele viu no instrumento, o seu instrumento, um meio de sobrevivência. Hoje, fala inglês e francês fluentemente, poderia arrumar um bom emprego e ter a guitarra como um hobby, mas não seria feliz. “Viver daquilo que você gosta é infinitamente melhor do que ter dinheiro e trabalhar em algo que não dá prazer. Eu tive tudo para não ser guitarrista, mas acho que, se não fosse, não teria a mesma alegria de viver.”