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Rio de Janeiro, 20 de abril de 2024


Cultura

Falando a língua dos surdos

Letícia Simões - Do Portal

07/11/2007

Grande parte do que aqui será dito não pode ser colocado em palavras. Preste bastante atenção nas mãos e no rosto da pessoa com quem você está conversando: eles serão o seu guia. Ah, e esteja atento aos detalhes: um simples dedão pode mudar todo o sentido da fala. Bem-vindo ao mundo dos sinais. O MEC, com a Lei 10.435, incluiu no currículo dos cursos de Educação Especial, Letras, Pedagogia e Fonodiaulogia a disciplina Linguagem Brasileira de Sinais – Libras. Para entender o que é, como se fala, como se ensina, além de muitas outras dúvidas, o Departamento de Letras da PUC vem organizando a série de palestras “Falando outra língua: o mundo dos surdos e a língua dos sinais”. Em setembro, a convidada foi a professora Emeli Marques Costa Leite.


Emeli trabalha com Libras há 20 anos. Seu filho nasceu surdo e ela não sabia como conversar com ele. Não se falaram até dominarem a linguagem dos sinais. Em 1984, os dois entraram para o Instituto Nacional de Educação de Surdos e, três anos depois, ela passou a se aprofundar na pesquisa da linguagem gesto-visual. Hoje, trabalha para que a língua dos surdos seja vista como uma minoria lingüística – e não pela visão preconceituosa de um jeito para pessoas deficientes se comunicarem. “Se há 34 anos eu soubesse o que sei hoje, meu filho não teria os problemas que tem”, diz. A linguagem dos sinais é complexa. Envolve posição da mão, expressão facial e postura do corpo. Não são apenas os gestos feitos com as mãos, como muitos pensam. Pequenos detalhes mudam o sentido da palavra. Por exemplo, o punho fechado. Sozinho, é a letra “A”. Batendo no peito, surge “saudade”. Quando se coloca o polegar para dentro da mão fechada, surge o “E”. Ao se contar uma história, o corpo inteiro fala: gira para marcar a passagem do tempo, mostra tristeza apertando os olhos e contraindo o rosto, mostra a alegria abrindo os braços e um largo sorriso. A língua se expressa de uma forma que usa todo o espaço – e essa é uma característica apenas sua.


Um dos maiores mitos da Libras é sua universalidade: os gestos são os mesmos seja no Brasil, seja na Noruega, seja no Japão? Ledo engano. Cada país tem a sua língua de sinais, e dentro do mesmo país existem variações: um juntar de dedos no Rio não significa a mesma coisa que em São Paulo. Cada vez mais são necessárias pesquisas para mapear essas variações. Mas, segundo a professora, elas são raras.


A lei do MEC prevê a criação do curso de Tradução-Interpretação de Libras-Língua Portuguesa. A professora acredita que a determinação vai dar visibilidade à linguagem de sinais e diminuir o preconceito contra os surdos. A profissão de intérprete é nova – surgiu durante a Segunda Guerra Mundial. Se existem poucos profissionais nas línguas orais, há menos ainda na língua gesto-visual. A grande maioria é formada pelos familiares e amigos de surdos. Há um ponto em que ela discorda do MEC: colocar intérpretes nas salas de aula. “Em uma palestra, uma só pessoa fala. A sala de aula tem características muito diferentes – o aluno pergunta, outro interrompe, o professor retoma a linha de pensamento. Quem ele vai interpretar?”, questiona ela. Além disso, explica, nas línguas orais se tem a possibilidade de ouvir, fazer anotações e resumir. Na língua dos surdos isso não é possível. Quando uma pessoa termina de falar, já começa a interpretação.


O que vai acontecer, segundo ela, é uma confusão tanto para o intérprete como para o garoto surdo, e isso apenas irá atrapalhar o seu desenvolvimento na escola. “Qual a solução para este garoto?”, pergunta uma aluna. “Olha, 96% dos surdos são filhos de pais ouvintes. Não se aprende Libras em casa. O Estado deve construir creches e escolas-pólo para essa criança. Na escola o sujeito é formado, e se um menino não encontra outros iguais nesse ambiente, o que será dele?”, diz a professora.


Outra aluna diz que, em seu prédio, há um casal de surdos que a cumprimenta todos os dias. É possível o surdo falar? Emeli responde que a capacidade de se expressar com a voz independe do ouvido – está relacionada às cordas vocais, língua e respiração. Se um fonoaudiólogo trabalhar a voz de um surdo desde bebê, ele pode falar. Mas é um processo longo, tortuoso e difícil. E não é isso que o integra à sociedade. Ele aprende a língua portuguesa para ler e escrever, mas se expressa pela gesto-visual. “Falar com a voz não faz diferença. O que importa é a pessoa ter a mente íntegra”, termina Emeli.