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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Campus

Pesquisa capta mudanças na cobertura da violência

Yasmim Restum* - aplicativo - Do Portal

11/05/2015

Desconstruir a representação negativa das favelas cariocas pela mídia e avaliar a transição do fotojornalismo desde os anos 1990 são os dois principais objetivos das pesquisadoras Andrea Mayr, professora de Linguística e Comunicação de Mídia da Queen’s University de Belfast, da Irlanda, e visitante do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCom) da PUC-Rio; e Alice Baroni, jornalista formada na PUC-Rio, doutora em Filosofia pela Queensland University of Technology e pós-doutoranda no PPG-Com.

Andrea e Alice vêm analisando os jornais O Dia e Extra, colhendo depoimentos de fotojornalistas e realizando pesquisa de campo em comunidades do Rio – Complexos da Maré e do Alemão, e favelas de Pavão-Pavãozinho e da Rocinha. De acordo com suas observações iniciais, a pesquisadora irlandesa afirma que as imagens feitas nas favelas cariocas consolidam um estereótipo negativo:

– As imagens não são mais documentais ou representações da realidade, são símbolos. A representação visual de mídia dialoga com imagens da escravidão quando vemos rapazes descalços, seminus, e usualmente fora de contexto, expondo uma forte dicotomia entre “bem” e “mal”, sem qualquer resultado efetivo de mudança ou benefícios para as comunidades.

Alice atribui o abandono do padrão de publicação de corpos ensanguentados pelos jornais, como se via anteriormente, à conjuntura dos anos 90, com a infiltração do tráfico nas comunidades.

– Durante a pesquisa percebi que o fotojornalismo começou a apresentar sinais de mudança exatamente no auge da violência nas favelas. Os anos 90 foram o momento em que a relação entre a favela e a chamada cidade formal começou a mudar. A chegada da cocaína e de armas como fuzis e K47, as facções disputando territórios nas comunidades e também com o Exército, a Polícia, as máfias... Agora, a entrada das UPPs nos morros provoca uma nova reordenação social. A violência está aí; o que mudou é o que pode ou não ser mostrado.

Alice explica que a violência, que antes era representada explicitamente, passou a ganhar um valor simbólico.

Ouça:

Andrea pondera que a significativa mudança no conteúdo de violência do fotojornalismo praticado nos jornais impressos, com imagens simbólicas ocupando o espaço das sensacionalistas, se contrasta com as publicações em redes sociais:

 Paula Bastos Araripe – As redes sociais mostram caminho inverso ao da mídia impressa. A imagem chocante ou o vídeo de violência brutal explícita não são exibidos pela mídia hegemônica, mas ainda não sabemos o que pode ser alcançado a partir da opção pelo sensacionalismo visual nas redes.

Antes de iniciar o trabalho de campo, as mídias digitais não eram foco da pesquisa, mas se tornaram relevantes quando as pesquisadoras notaram o conflito entre o discurso virtual e o off-line. Ao estudar o caso do dançarino Douglas Silva, o DG, morto numa operação policial, a pesquisadora britânica, que desenvolve trabalhos na área de criminologia, notou nas redes sociais uma aceitação generalizada da morte do jovem por uma suposta ligação com o tráfico de drogas, depois desmentida.

 “Fotógrafos dizem que não sabem se voltarão para casa ou não”

Alice, também jornalista, diz que o intuito da pesquisa é compreender os impactos da cobertura da violência e dos crimes em comunidades para a formação de uma imagem social desses atos e dos moradores das favelas, além de analisar o modo como os jovens se apropriam das redes sociais para se inserir no ativismo midiático. Elas pretendem estender seus estudos por pelo menos mais um ano, incluindo debates com moradores das comunidades.

Nessa etapa da pesquisa, as pesquisadoras estão coletando depoimentos de fotojornalistas como Evandro Teixeira, Alcyr Cavalcanti, Severino Silva e Domingos Peixoto, experientes na cobertura de violência em favelas.

  Paula Bastos Araripe– A maioria dos fotógrafos que entrevistei contou que entram em favelas mesmo com medo. Em geral eles confiam mais no morador para dizer como está a situação, embora em caso de conflitos eles só entrem com policiais, nunca sozinhos. Todos os fotógrafos disseram não saber se vão voltar para casa ou não – conta Alice, lembrando que há casos de depressão e mesmo suicídios entre jornalistas que voltam de áreas de conflito pelo mundo: Soldados, quando voltam de guerra, têm todo um apoio psicológico, mas com o jornalista isso não acontece. Pelo contrário, eles não podem mostrar nenhuma vulnerabilidade, e voltam logo ao trabalho.

Andrea acrescenta que o risco é ainda maior para profissionais do meio audiovisual:

– O fotógrafo e o cinegrafista são os mais afetados em coberturas em favelas. O repórter às vezes não precisa chegar tão perto da ação, mas fotógrafos e cinegrafistas, se não forem, não têm imagem.

“Ativismo online só tem eficácia quando praticado fora das redes sociais”

Coautora do livro The Language of Crime and Deviance: An Introduction to Critical Linguistic Analysis in Media and Popular Culture, Andrea alerta para a desqualificação das causas on-line, mencionando como exemplo o apoio do ativista René Silva a DG por meio da campanha “Eu não mereço morrer assassinado”:

– É notável a imagem como sendo uma forma de protesto. A maior parte dos 53 comentários feitos sobre a foto de Rene Silva, na página do Extra, reuniam críticas negativas. Mesmo aqueles que usaram hashtag “Eu não mereço morrer assassinado” não apoiaram a campanha. As pessoas se apropriaram do discurso, das hashtags, mas não escreveram de modo a apoiar. Isso significa que a sociedade legitima a morte de pessoas ligadas ao tráfico. Na verdade, é uma grande reprodução da mídia do estereótipo do delinquente, um rapaz sem camisa, com boné, de bermuda, negro – analisa.

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Andrea avalia o comportamento do brasileiro como reflexo da exacerbação da violência nos noticiários, o que encoraja o aumento da violência policial. Chamou sua atenção estudo do sociólogo Ignácio Cano (Uerj), de 2010, sobre direitos humanos, citando que 43% dos entrevistados concordavam com a frase “bandido bom é bandido morto”.

Na opinião de Alice, os casos de Rene Silva e de DG se enquadram em mais uma representação estereotipada da favela e do morador de comunidade e colaboram para a construção de uma imagem de indivíduo delinquente sem uma discussão sobre o contexto histórico, ou cultural da favela:

– O problema está na mídia hegemônica, na qual o racismo é expresso através das imagens que proliferam um mesmo tipo de representação social da favela. A cultura do medo, da violência muda a maneira como as pessoas reagem às campanhas.  

Andrea comentou ainda seu estranhamento diante da cobertura midiática da violência no Rio:

– No Reino Unido não existe esse tipo de cobertura fotográfica, o uso dessas imagens com violência explícita nos jornais são muito chocantes para mim – confessou.

Assista à apresentação das pesquisadoras: Photojournalism and Media Activism in the Favelas of Rio de Janeiro

* Colaborou Fernanda Fiuza.