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Rio de Janeiro, 26 de abril de 2024


Campus

Jornalistas e pesquisadores debatem mídia e violência

Yasmim Restum e Luísa Oliveira - Do Portal

14/05/2015

 Davi Raposo

A criminalidade e sua cobertura pela mídia, a violência cobra jornalistas, a desmilitarização da Polícia Militar e a política de segurança pública no estado foram alguns dos temas debatidos no seminário Mídia, o discurso do medo e a leitura da sociedade, organizado pelas professoras Patricia Maurício e Leise Taveira nesta segunda-feira, 11, no Departamento de Comunicação da PUC-Rio.

A mesa A perigosa cobertura da mídia acerca da violência reuniu a jornalista Renata Souza, formada pela PUC-Rio e doutoranda da Escola de Comunicação da UFRJ, e o jornalista Chico Otavio, professor do Departamento de Comunicação e repórter especial do jornal O Globo. Renata, coordenadora do jornal O Cidadão, do Complexo da Maré, onde mora desde que nasceu, realiza pesquisas sobre a militarização dos jovens da favela e a repercussão da violência nas redes sociais. A jornalista criticou o modelo das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) e seus efeitos para a representação da favela pela mídia:

– As UPPs foram pensadas para fazer uma verdadeira reviravolta na segurança pública, mas os conflitos perduram e as vítimas continuam sendo as mesmas. A criminalização da favela ocorre, em grande parte, devido ao estereótipo discriminador e excludente proposto pelas coberturas jornalísticas. Quando um jornalista elabora um infográfico, uma notinha ou uma pequena ilustração mapeando as comunidades pelas zonas de atuação de facções criminosas, este repórter está dizendo para os seus leitores: “Não passe por aqui, a violência é iminente”, e isso distancia o repórter das pessoas, torna-o uma máquina de produzir informação. É preciso repensar o jornalismo que se pratica e propor novas estratégias de cobertura – defendeu.

Formada nos anos 2000, Renata se mostrou preocupada com o número de jornalistas vítimas da violência e reiterou que, apesar de não haver uma guerra declarada na cidade, como no Oriente Médio, vê uma guerra contra as drogas que mata muitos profissionais de comunicação:

– Não se pensa na violência contra o jornalista, ou mesmo se o veículo para o qual ele trabalha deu condições mínimas para que ele realizasse uma cobertura, como aconteceu com o cinegrafista da Band Santiago Andrade, morto por um rojão atirado por um manifestante, e o fotógrafo do Extra Fabiano Rocha, que recentemente mudou-se do Rio pelas frequentes ameaças de morte nas redes sociais, desde que flagrou um policial do Batalhão de Operações Especiais (Bope) usando uma máscara ninja.

Jornalista premiado, há 18 anos no Globo, Chico Otavio reiterou a necessidade de equilíbrio no trabalho jornalístico, e afirmou ver hoje “uma maior procura pelo olhar do outro”, apontando um progresso na qualidade de reportagens da mídia comercial:

– O jornalismo aprofundado ainda é monopólio da mídia comercial. Não consigo ver jornalismo de qualidade e de isenção financiado por dinheiro público, nem por blogueiros, que produzem um jornalismo extremamente adjetivado, e também não consigo ver a sociedade financiando as reportagens, porque ainda persiste a cultura de não acreditar no trabalho deste jornalismo. Não é fácil, mas estamos em uma linha de evolução, e ainda acredito na mídia comercial. Das vítimas fatais de crimes contra a imprensa, 90% dos casos são diferentes do que foi o de Tim Lopes (quando fazia uma reportagem para a Rede Globo infiltrado no Morro do Alemão). Concordo com Renata quando ela diz que falta transparência e verdade, mas houve avanços também.

Chico contou um momento vivido no início de sua carreira, nos anos 1980, para ilustrar as transformações que percebe no ambiente profissional:

– Eu era repórter da Última Hora quando fui pautado para cobrir uma fuga de presos no complexo penitenciário de Bangu. O presídio era cercado por um matagal, e eu fui até o local acompanhado de uma tropa que estava entrando no mato atrás dos foragidos. Até que um sargento sacou um revólver e me entregou, dizendo: “Toma, é para você se proteger”. Eu nunca tinha pegado num revólver! Hoje isso seria motivo de voz de prisão, mas era assim nessa época. Pouco antes de eu iniciar minha trajetória no jornalismo, o repórter de polícia era recém-alfabetizado, o seu editor era, muitas vezes, um delegado aposentado ou que fazia um bico depois do expediente, e o porte de armas era comum entre os jornalistas, isso quando não participavam da tortura executada por policiais.

Um dos fundadores da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Chico Otávio apontou a redemocratização do país como um fator essencial para mudança do perfil das linhas editoriais e reforçou a necessidade de ampliação das fontes jornalísticas e de cultivo de uma empatia e sensibilização do jornalista com a história contada:

– A redemocratização do país deu voz ao sistema judiciário, à sociedade civil, e até promoveu uma maior correlação de força dentro das redações. Mas ainda é preciso reforçar o diálogo com representantes legítimos das comunidades e a busca por fontes alternativas como ONGs, o Ministério Público ou a Defensoria Pública. Para a polícia, todo traficante é o maior traficante do mundo, e muitas vezes não há provas. Eu não confio. Os policiais acham que estão dando satisfação à sociedade e veem o questionamento do jornalista como uma afronta ao seu trabalho. É inacreditável – lamentou.

  Paula Bastos AraripeProfessora da Queen’s University of Belfast, Irlanda, Andrea Mayr, visitante do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Comunicação da PUC-Rio, que se dedica a pesquisar a cobertura da violência pela mídia carioca, acredita que o sensacionalismo contamina o noticiário brasileiro, com corte de imagens e falta de discussão sobre os problemas (leia entrevista com a professora e sobre o seminário Photojournalism and Media Activism in the Favelas of Rio de Janeiro, nesta quinta-feira 14, com a também pós-doutoranda do programa Alice Baroni).

Marcos Antônio de Jesus, repórter da Rádio Globo e CBN que participou da última mesa do dia, com a professora Andrea, o grande problema do jornalismo factual é que tudo é feito sem reportar os dois lados da história:

– Em anos de jornalismo, presenciei situações extremas de violência em diversas coberturas, inclusive vendo colegas mortos na minha frente. Portanto posso dizer que as coberturas jornalísticas em tiroteios e ocupações têm sido feita de forma equivocada. O papel do jornalista é relatar, não participar. Quando o repórter toma o partido do lado oficial, ou seja, do policial, e esquece-se da população da favela, não está dando os fatos ao público. Isso tem que mudar dentro da nossa classe.

 

O destaque dado pela mídia à violência, em especial aos casos ocorridos nas áreas mais nobres da cidade, reuniu o professor Fernando Vieira, graduado em História pela PUC e doutor em Sociologia pela UFRJ, e o pesquisador Guilherme Simão, jornalista formado e mestrando pela PUC-Rio, na mesa O olhar da mídia para a segurança pública: existiria alternativa à militarização da segurança?.

Paula Bastos AraripeO historiador e sociólogo lembrou que, a partir dos anos 1980, o crescimento do narcotráfico e a iniciação do Brasil como consumidor, com grupos brigando por este mercado, intensificaram a violência, levando-a a ultrapassar a fronteira das áreas mais pobres e invadir as regiões nobres da cidade, o que teria:

– A partir do momento em que a violência extrapolou o morro e invadiu o asfalto, ela chama a atenção e desperta o sentimento nas grandes mídias de que precisa ser anulada. Deixa de ser um problema somente das comunidades e passa a ser uma adversidade também nas áreas nobres, tornando-se real e perceptível.

Para o pesquisador, isso teria levado a mídia, ao longo das últimas décadas, a ocupar o lugar de “garantia da ordem da legalidade”.

– A grande mídia carioca cria um olhar sobre a imagem da violência, principalmente porque a imprensa representa um interesse econômico. Mesmo assim, ainda acredito que há espaço para a constituição de uma mídia desmilitarizada. 

As mídias sem fins lucrativos

Pesquisador do papel das mídias sem fins lucrativos, como jornais e portais alternativos, Guilherme Simão – que em sua dissertação de mestrado Jornalismo sem fins lucrativos faz um estudo de caso do trabalho da agência americana ProPublica e da brasileira Agência Pública – acredita que o jornalismo de interesse público se tornou vital para a sociedade:

– É o tipo de jornalismo que faz com que a democracia funcione bem. Ele tem o objetivo de fazer com os cidadãos sejam formados e se tornem capazes de tomar suas próprias decisões. E ele faz isso jogando luz aos problemas encontrados na sociedade, além de querer ampliar a transparência das instituições, revelar o que está oculto e ser um instrumento de reforma da sociedade.

Paula Bastos AraripeAssim como Chico Otavio, Simão lembrou que, apesar de sua relevância, o jornalismo investigativo não costuma dar retorno financeiro no Brasil, país em que não há o costume de doações para este fim. E que, por ter um financiamento caro, torna-se cada vez mais difícil de mantê-lo nos grandes veículos:

– Até o século XX, predominava o empacotamento das notícias, que financiava todo o jornal, inclusive a parte investigativa, o que não é mais necessário hoje, por causa da internet; e os grandes grupos de comunicação pertenciam às famílias, que tinham interesse em ter apoio político para manter os seus jornais. Elas tinham interesse fazer jornalismo investigativo para ganhar credibilidade. Hoje, porém, o mercado não suporta mais a produção de jornalismo investigativo porque não há mais os subsídios que o financiaram.

Na dinâmica da internet, que torna cada vez mais fragmentado o conteúdo disponível, cabendo ao leitor a seleção daquilo que vai ler, notícias sobre violência têm procura constante pelos leitores, embora, para Simão, não devessem pautar o jornalismo:

 – A mídia não pode apenas relatar a violência. Deveria se preocupar em oferecer o que os leitores precisam saber, não o que eles querem. 

* Colaborou Davi Raposo.