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Rio de Janeiro, 27 de julho de 2024


Cidade

Igrejas do Rio, um patrimônio pouco explorado por turistas

Maria Christina M. Corrêa* - Do Portal

23/07/2013

 Maria Christina Corrêa

Enquanto, em todo o mundo, pelo menos 300 milhões de pessoas fazem turismo religioso, de acordo com dados da Organização Mundial de Turismo, a cidade do Rio de Janeiro, escolhida sede da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) 2013, que atrairá milhares de turistas brasileiros e estrangeiros, não possui um roteiro formal desse segmento do turismo. Toda a riqueza arquitetônica e histórica das igrejas cariocas – 32 reconhecidas pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) – passa despercebida pela maior parte dos visitantes, que parece só ter olhos para o Monumento ao Cristo Redentor, que recebe em média 1 milhão de visitantes anualmente.

Márcio Lima, dono de uma agência de turismo, leva seus grupos até a Catedral Metropolitana, e lamenta não poder guiá-los por todas as igrejas da cidade. O guia tem vontade de criar um roteiro específico de igrejas:

– Levo eles aqui pela relevância que tem essa catedral, mas os turistas não gostam muito, tiram uma foto e já estão prontos para ir embora. Querem ver pôr do sol, visitar Pão de Açúcar, alguns até pedem para descer da van. Mas eu não abro mão desses 10 minutos aqui. É por isso que tenho vontade de criar um roteiro só de igrejas. Tem muita gente que não sabe que tem muito a se ver dentro delas.

No Brasil, as igrejas barrocas em Minas Gerais e no Nordeste estão entre os locais mais visados quando se fala em turismo religioso. Também são destinos comuns romarias a Juazeiro do Norte (CE) e ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida (SP), que em 2012 recebeu 11 milhões de visitantes.

Cerca de 15 milhões de brasileiros se interessam por destinos religiosos no país, segundo pesquisas do Ministério do Turismo. Dos 58,9 milhões que fizeram viagens domésticas em 2011, 2% (1,17 milhão) tiveram a religião como motivo da principal viagem anual. Entre os estrangeiros, viagens ligadas a peregrinação, fé e religião representam em média 0,3% do total.

O Rio é o principal destino de lazer de estrangeiros em visita ao país, segundo o Ministério do Turismo. Em 2012, entraram 1.164.187 visitantes de outros países no Rio, de um total de 5,67 milhões de turistas. Mas, prestes a receber um dos maiores eventos religiosos do mundo, é notável a carência de roteiros específicos pelas igrejas no Rio. Guilherme Nunes Ferreira, relações públicas da Igreja Santa Cruz dos Militares, lamenta o sumiço desses roteiros, antes idealizados pelo Iphan, agora praticamente restritos aos passeios organizados por iniciativa privada. Porém, comemora uma mudança no comportamento do turista:

 Maria Christina M. Corrêa – É uma concorrência desleal, porque o turista europeu gosta dessa coisa tropical. Mas o cenário está mudando, porque muitos turistas brasileiros estão começando a descobrir essa beleza histórica. E não precisa nem ser católico para admirar uma igreja – lembra Ferreira.

Notre Dame, na França, é um exemplo: 13,6 milhões de pessoas visitam anualmente a catedral. Enquanto a sede da Igreja Católica, o Vaticano, recebe 4 milhões de turistas por ano, o Cristo Redentor, principal cartão-postal no Rio, recebe cerca de 1 milhão de visitas anualmente. Membro da Associação dos Amigos da Antiga Sé (Samas), Daisy Gil Ketzer, que trabalhou com turismo cultural na Secretaria Municipal de Turismo, afirma que o problema é maior do que se imagina:

– Para as operadoras, é muito mais fácil vender praia, futebol, cerveja e mulatas do que investir em projetos turísticos. Dá mais trabalho, precisa de muita mão de obra, e eles querem a coisa pronta, não querem criar um grupo que vai ajudar o turismo religioso.

O site oficial da Riotur lista sete dicas em 57 atrações turísticas da cidade: o Cristo Redentor; a Candelária; o Mosteiro de São Bento (foto); a Catedral Metropolitana; o Outeiro da Glória; e as igrejas de N.S. de Bonsucesso e da Penha. O Guia Rio, também da Prefeitura, criou área específica para a JMJ, listando “algumas informações sobre algumas igrejas históricas e santuários do Rio de Janeiro”, e indicando dois roteiros de fé – realizados, porém, por empresas particulares: o Rio de Histórias e o advogado Ney Gerhard, “que organiza passeios para grupos pequenos e caravanas para mais de 20 circuitos, entre igrejas e santuários em todo o Brasil”. Maria Christina Corrêa

Para aumentar o número de visitantes em pontos turísticos voltados à religião, historiador e guia turístico Milton Teixeira, ele próprio organizador de roteiros, aposta na iniciativa privada.

– O turismo religioso não é explorado. Quando a prefeitura entra na história, é para derrubar. Ninguém sabe que existe uma empresa de turismo oficial do município – critica.

A inexistência de roteiros que levem os turistas às igrejas acarreta em uma série de problemas de modo geral. Igrejas históricas como São José, Antiga Sé, Santa Cruz dos Militares, Mosteiro de São Bento, Candelária e outras não são mantidas pelo governo, e sim por iniciativas privadas. Algumas fazem parte de irmandades com mais recursos, como a do Santíssimo Sacramento da Candelária, que, além da própria igreja, tem um colégio e uma casa de repouso.

Por serem igrejas históricas e localizadas, em sua maioria, no Centro, bairro praticamente comercial, seus visitantes não são frequentes, diferentemente das paróquias de bairros como Ipanema e Leblon, cujo fluxo mensal é intenso. Se depender dos fiéis, as igrejas do Centro não conseguem se manter, sendo qualquer gasto extra um motivo de preocupação, como aconteceu durante as manifestações recentes, quando as fachadas da Igreja São José foram pichadas e as janelas da Antiga Sé apedrejadas. Os custos dessas reparações são das próprias igrejas. Questões práticas precisam ser divididas em mundo ideal e mundo real: as igrejas poderiam ficar abertas por mais tempo, o que significaria uma segunda jornada de trabalho ou hora extra de funcionários.

– Problemas pequenos se tornam grandes porque as agências de turismo não se preocupam em montar pequenos roteiros e dividir os lucros. Eles querem todo o lucro e o equipamento cultural disponível para eles – reclama a secretária executiva da Associação dos Amigos da Antiga Sé (Samas), Daisy Gil Ketzer.

Daisy acredita que o grande problema é a estrutura da política e a maneira como ela se organiza. A prefeitura deveria ser responsável por levar os criadores de trade turístico – estrutura do turismo na cidade – para as igrejas, mas, segundo Daisy, não há interesse e não existe continuidade dos projetos, o que prejudica iniciativas que estavam funcionando.

– Estamos sempre reiniciando o processo, é uma pena. Enquanto há pessoas interessadas, tudo dá certo. Se por algum motivo essa pessoa precisa sair, as instituições não se sentem responsáveis por continuar o trabalho – lamenta.

Outro problema é a falta de iniciativa por parte das igrejas. Enquanto a Antiga Sé e Santa Cruz dos Militares, por exemplo, criam visitas guiadas e deixam guias à disposição, outras nem abrem as portas. Além da falta de unidade com relação a horários de abertura e visitas guiadas, a guia de turismo da agência Rios de História Priscila Melo ressalta que muitas igrejas não querem fazer parte desse circuito:

– Enquanto algumas aceitam a visitação, acendem as luzes e criam visitas guiadas, outras ainda não têm essa visão turística e não querem fazer parte de roteiros, muito menos receber turistas. A Igreja da Ordem Terceira do Carmo, por exemplo, não tem folder, não tem guia, não tem nada.  Maria Christina M. Corrêa

A guia acrescenta que a falta de padronização impede as agências de turismo de organizar visitas, e que o apoio de organizações como Riotur e Arquidiocese do Rio de Janeiro seriam essenciais para a elaboração de projetos. A ausência de sinalização na parte externa das construções é outro problema apontado por Priscila:

– Já vi pessoas passando pelo Real Gabinete Português de Leitura e fazendo o sinal da cruz na frente. As pessoas não sabem que aquilo não é uma igreja! Isso mostra que não há informação e essa falta cria uma confusão na cidade.

Priscila cita uma publicação da Riotur, chamada “Caminhos da fé”, editada em português, inglês e francês, esgotada há mais de seis meses, e lembra que seria uma oportunidade de, na época da JMJ, apresentar igrejas que não estão no grande circuito turístico, como a Igreja de Nossa Senhora do Salete, na região do Catumbi.

– Às vezes, uma ação simples poderia mudar muita coisa – afirma a guia.

Leia também o roteiro turístico e histórico de igrejas do Rio de Janeiro preparado pelo Portal e veja o ensaio fotográfico nas igrejas.

Colaborou: Gabriel Camargo