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Rio de Janeiro, 1 de junho de 2024


Esporte

Da Cidade de Deus para o mundo: irmãs realçam o judô

Lucas Loos - Da sala de aula

18/10/2010

Rafael Mosca/Divulgação

O sobrenome é Silva. O local de nascimento e criação é a Cidade de Deus, região pobre na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Até aí a história das irmãs Raquel e Rafaela segue um roteiro muito parecido com o da grande maioria dos jovens de origem carente do Brasil. O caminho começou a se modificar há 10 anos, quando o judô entrou na vida das duas meninas. Ambas conheceram o esporte por meio do ex-treinador da seleção brasileira Geraldo Bernardes, desenvolveram-se no Instituto Reação – ONG liderada pelo medalhista olímpico Flávio Canto – e atualmente defendem o Brasil em torneios mundo afora.

Apesar de mais nova, Rafaela, 18 anos, é quem possui os melhores resultados da dupla. Consolida-se como um dos principais nomes da seleção brasileira adulta. Só em 2009, a judoca, 11ª do ranking mundial na categoria leve (até 57 kg), venceu a etapa de Madri da Copa do Mundo, ficou com o bronze no Grand Slam do Rio e terminou o Mundial Sênior de Rotterdã em quinto, melhor resultado do Brasil na competição. Para uma judoca que poderia ainda estar disputando torneios juvenis, as conquistas da temporada passada indicam uma carreira promissora.

Rafaela chegou ao judô por influência do pai, que não queria mais as duas filhas "à toa pelas ruas". No início, a ideia era usar o esporte como ocupação a mais para as meninas. A brincadeira foi ficando séria e hoje é um misto de diversão, paixão e profissão.

– Eu ficava muito na rua quando era pequena, e meu pai queria me colocar em um curso ou em algum esporte. Como gostava muito de brincar, preferi o esporte. Então fui para uma academia perto de minha casa e escolhi o judô. Cheguei com 8 anos de idade e levava na brincadeira. Depois foi ficando mais sério, até que cheguei à seleção adulta, em 2008 – conta Rafaela, a principal atleta da seleção brasileira na sua categoria.

Dois anos mais velha que a irmã, Raquel Silva começou a praticar judô mais ou menos no mesmo período que Rafaela e também tornou-se um dos destaques da seleção feminina. Com um currículo que também reúne resultados expressivos, como a medalha de ouro na etapa da Copa do Mundo da Alemanha, em 2008, e dois bronzes na competição (Brasil-2008 e Portugal-2009), Raquel não quer saber de uma disputa em família.

– Em 2000, o Geraldo (Bernardes) nos convidou para experimentar uma aula e não saímos mais. Quando eu era criança não imaginava que o judô iria ter essa importância na minha vida. Só fui levar a sério quando entrei para a seleção, aos 14 anos. O engraçado é que minha irmã falava que queria viajar comigo para os torneios e atualmente ela viaja mais do que eu – lembra Raquel, 41ª do ranking mundial na categoria meio-leve (até 52 kg).

Instituto Reação: busca por novos talentos

Raquel e Rafaela começaram a treinar com Geraldo Bernardes em 2000, mas foi em 2003 que a brincadeira tornou-se coisa séria. Neste ano, em outro ponto da cidade, na Rocinha, o judoca carioca Flávio Canto fundaria o Instituto Reação – ONG que promome a inclusão social por meio do judô. Poucos meses após Canto iniciar o projeto, Geraldo resolveu importar um polo do Reação para uma academia de Jacarepaguá, onde dá aula até hoje e treina as duas irmãs.

Geraldo é o responsável pelo polo de maior movimento do Reação, com 500 crianças e adolescentes – desde jovens pobres da Cidade de Deus até filhos de empresários. A infraestrutura e metodologia favorecem a formação de talentos, como Raquel e Rafaela, que, mesmo na seleção, seguem fiéis ao lugar.

– Elas andavam pela rua brigando. Aí os pais as trouxeram para cá e elas começaram a treinar comigo. Canalizei a agressividade para o judô. Já no início eu falava que iam chegar à seleção, e elas nem sabiam o que era seleção. Hoje são uma realidade. Estão no caminho certo. Foram subindo paulatinamente. Daqui para frente, para crescerem, depende muito mais delas – observa Geraldo, que também foi treinador de Flácvio Canto na seleção brasileira.

O Instituto Reação atende cerca de mil crianças em quatro polos cariocas: Cidade de Deus (Jacarepaguá), Rocinha (São Conrado), Pequena Cruzada (Lagoa) e Tubiacanga (Ilha do Governador). Cada núcleo realiza uma função diferente dentro da ONG. O da Rocinha, por exemplo, trabalha também o lado social. Lá, além do judô, 250 jovens recebem aulas de reforço escolar, educação ambiental e alfabetização; e participam de atividades culturais. 

Texto produzido para a disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso, ministrada pela professora Carla Rodrigues