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Rio de Janeiro, 17 de maio de 2024


Esporte

Azenha: liga dificultaria corrupção no futebol brasileiro

Juliana Reigosa - aplicativo - Do Portal

29/06/2015

 Arquivo pessoal

O escândalo de corrupção na Fifa, cujo montante incicial chega a US$ 150 milhões, foi qualificado como “Copa do Mundo da fraude” por Richard Weber, diretor do Internal Revenue Service (IRS), espécie de Receita Federal dos Estados Unidos. Para o jornalista e escritor Luiz Carlos Azenha, um dos autores de O lado sujo do futebol (Editora Planeta, 2014), a televisão está no centro desse esquema, porque "é a maior fonte de arrecadação das entidades do futebol". Segundo relatório do Departamento de Justiça dos EUA, 70% do faturamento da Fifa de 2011 a 2014 (US$ 4 bilhões, o equivalente a R$ 12,5 milhões) derivam das vendas dos direitos de transmissão e cotas de patrocínio da Copa 2014. Na visão de quem já cobriu duas Copas do Mundo, o modelo de negócios dos diretos de TV contribui para a fragilidade financeira dos clubes brasileiros. “A emissora monopolista determina quanto cada clube vai receber em negociações diretas”, argumenta o jornalista da Rede Record e do Viomundo, em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital. O Brasil, observa ele, está no epicentro desse episódio devido às investigações alusivas aos ex-presidentes da CBF José Maria Marin, preso na Suíça, com outros seis executivos da Fifa, e Ricardo Teixeira e do réu confesso José Hawilla, dono da agência de marketing esportivo Traffic, que negociou delação premiada com a Justiça americana. Para Azenha, seria interessante a criação de uma liga nacional, baseada no modelo das franquias americanas, que negociam os próprios direitos de imagem. Tal sistema, acredita, “dificultaria o esquema de corrupção sistêmico, caracterizado pelo intermédio de empresas de marketing esportivo como pagadoras de propina na assinatura de acordos de direitos de transmissão.

Portal PUC-Rio Digital: Pela sua percepção, qual é o alcance da caixa-preta que começou a ser aberta com a prisão dos executivos da Fifa e as sucessivas denúncias de propina, inclusive em Copas do Mundo?

Luiz Carlos Azenha: Esse sistema de corrupção é sistêmico, e não um caso isolado de um único cartola ou de um grupo. Foi montado na Fifa e idealizado por um brasileiro: João Havelange. Ele percebeu que, se associasse grandes patrocinadores mundiais às entidades para desenvolver o futebol, disso poderia derivar seu enriquecimento pessoal. Esse esquema começou com ele e com Ricardo Teixeira, que, na época, era seu genro e presidente da CBF. Além disso, se você olhar os contratos realizados pela Fifa, especialmente os de marketing de direito de transmissão, eles foram a origem das propinas que ligaram um grande número de cartolas.  

Portal: O FBI revelou que o atual esquema de corrupção envolve a venda de direitos de transmissão de vários campeonatos, desde a Copa América, passando por Libertadores e Copa do Brasil. O senhor ressalta que a TV está no centro da corrupção do futebol mundial. Por quê?

Azenha: Porque é de onde as entidades do futebol ganham mais dinheiro. Os contratos firmados pela Fifa, especialmente os de marketing de direito de transmissão, foram a origem das propinas que ligaram um grande número de cartolas da Fifa. Além disso, é estranho, especialmente no Brasil, você olhar várias ofertas de venda dos direitos de transmissão, tanto do Campeonato Brasileiro como da Copa do Mundo, com altos valores, e a emissora com a proposta inferior ser a escolhida para assinar o contrato. Esse lado ainda não esclarecido precisa ser investigado com cuidado. Tive acesso ao documento do acordo de delação premiada assinado por Chuck Blazer, ex-secretário-geral da Concacaf, com a promotoria dos Estados Unidos. Ele prevê que o Blazer podia fazer gravações clandestinas, servindo para investigações de outros cartolas. A pergunta agora é: o J. Hawilla, que está no centro desse esquema de corrupção, fez o mesmo tipo de acordo? Se fez, teremos muitas novidades.   

Portal: Em O Lado Sujo do Futebol, vocês apontam que o esquema de corrupção investigado pela Justiça americana assemelha-se ao desvendado pela promotoria da Suíça em 2012, que levou à renúncia de Ricardo Teixeira da CBF. Em quais aspectos os esquemas se parecem?

Azenha: Os dois esquemas são de enriquecimento ilícito envolvendo empresas de marketing. O desvendado pela promotoria suíça era o da International Sport and Leisure (ISL), empresa fundada por Horst Dassler, herdeiro da Adidas. O sistema atual é o do J. Hawilla, dono da Traffic. Eles são muito parecidos porque envolvem, de um lado, empresas de marketing esportivo como pagadoras de propina e, de outro, cartolas que detêm o controle sobre os direitos de transmissão.

Portal: Clubes tradicionais no Brasil estão afundados em dívidas (devem à União cerca de R$ 4 bilhões) e tecnicamente falidos. Há alguma relação entre as finanças combalidas e o modelo de venda de direitos de transmissão? 

Azenha: Sim. No Brasil, a emissora monopolista determina quanto cada clube vai receber em negociações diretas. Comparando com o esquema de transmissão da Liga de Futebol dos Estados Unidos, a relação de falência desses clubes fica clara. Na Major League Soccer (MLS), os direitos de transmissão são divididos igualmente entre os clubes. Com isso, existe um equilíbrio muito grande entre os campeonatos. Já no Brasil, os direitos são concentrados nos clubes com maior audiência. O Corinthians, por exemplo, recebe muito mais do que o Botafogo. Para um clube que tem esse valor como a maior fonte do futebol, isso gera uma grave distorção. Então você tem uma carta de clubes, com Flamengo e Corinthians à frente, recebendo mais, e um grande número de clubes no Brasil praticamente falidos porque não recebem nenhum tipo de dinheiro de transmissão.

Portal: Neste sentido, de harmonizar a distribuição da verba entre clubes de futebol, que modelo de negócios ajusta-se melhor à realidade brasileira?

Azenha: Um modelo que funciona bem é o das ligas americanas. Elas próprias negociam os direitos de transmissão, fazendo o dinheiro chegar aos clubes de maneira equilibrada, sem precisar de intermediários. Assim, os campeonatos ficam muito mais interessantes e aumenta as chances do campeão ser diferente ano após ano. Além disso, dificulta esquemas de corrupção, já que esses envolvem, de um lado, empresas de marketing esportivo como pagadoras de propina e, de outro, cartolas que detêm o controle sobre os direitos de transmissão. Acredito que a CBF não deveria apitar em nada na questão dos clubes, cuidando exclusivamente da seleção. Seria interessante que os times brasileiros se organizassem em uma liga nacional, sendo responsáveis pela venda dos direitos de transmissão e divisão desse bolo publicitário. 

Portal: A secretária de Justiça americana, Loretta Lynch, afirmou que o esquema dos réus investigados era usado, entre outras coisas, para lucrar com o crescente mercado americano do futebol. Na sua avaliação, qual é o impacto dessas revelações no namoro da Conmebol com a ascensão do futebol nos Estados Unidos?

Azenha: A igualdade de condições nas competições por contratos é algo muito prezado pelas empresas americanas. De todas as federações de futebol, a Conmebol só perde para a Concacaf em termos de corrupção. Isso é visível pelo número de presos e investigações apuradas até o momento. Para os empresários americanos interessados em futebol, o campeonato tem uma importância cada vez maior. A MLS, inclusive, tem tido uma média de pública maior do que o Campeonato Brasileiro: são 25 mil pagantes por partida contra 16,5 mil no Brasil. Nesse sentido, há uma pressão dos próprios empresários em relação às federações, que são antros de corrupção.

Portal: Patrocinadores da Fifa, como Coca-Cola e Visa, já cobraram providências e ameaçaram rever contratos. O senhor acredita que, em meio às denúncias, investidores do futebol podem transferir as verbas, ou parte delas, para outras modalidades esportivas, principalmente as olímpicas?

Azenha: Sim. Inclusive, a pressão para o presidente da Fifa Joseph Blatter renunciar teria vindo mais dos grandes patrocinadores. Devido ao esquema de corrupção, o FBI investiga contratos entre empresas e federações. Entre eles, está o celebrado ebtre Nike e CBF. A multinacional teria pago US$ 30 milhões em propina para assinar o acordo. Nenhuma empresa quer ser arrastada para o meio desses escândalos. Para não correr o risco, patrocinadores tendem exigir providências e até reavaliar acordos. 

Portal: Dois dias depois da prisão, na Suíça, dos executivos da Fifa, inclusive do ex-presidente da CBF José Maria Marin, a proposta da criação de uma CPI sobre a CBF, rejeitada havia mais de dois anos, foi aprovada. O Ministério da Justiça e a Polícia Federal também se comprometeram em apurar irregularidades. O senhor acredita que as investigações no Brasil vão engrenar?

Azenha: Não, porque existe uma bancada da bola no Senado (grupo de deputados dedicados ao lobby de interesses de dirigentes do futebol) muito bem articulada pela CBF. Desde 2000, quanto tivemos a CPI da Nike, esse grupo conseguiu blindá-las e o esquema só se fortaleceu. Inclusive, o presidente da CBF Marco Polo Del Nero já esteve no Congresso. Não acredito que as investigações no Senado terão consequências práticas.

Portal: Na sua opinião, qual será o impacto dessa maré de denúncias no Brasil?   

Azenha: No Brasil, o impacto será o atendimento de parte das reivindicações do Bom Senso F.C (grupo de jogadores que luta por mudanças associadas, especialmente, às condições de trabalho). Existe uma desigualdade, refletida no futebol, entre alguns milionários e a grande maioria dos jogadores: esses ficam desempregados boa parte do ano, depois dos os campeonatos regionais. Então, do ponto de vista da CBF, vejo uma mudança a curto prazo nesse aspecto.

Portal: Quanto às investigações em curso, de que forma podem se converter, efetivamente, em avanços na gestão do futebol?

Azenha: A sucessão de Joseph Blatter na Fifa já é uma mudança importante. Caiu um esquema de enriquecimento existente há mais de 50 anos e, junto dele, grande parte dos cartolas. Temos que esperar agora os desdobramentos das investigações e extradições dos presos na Suíça para novidades na gestão mundial do futebol. Devem acontecer ainda novas delações premiadas, talvez até do José Maria Marin. 

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O Lado Sujo do Futebol (Editora Planeta, 2014)

O livro escrito por Amaury Ribeiro Jr., Leandro Cipoloni, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet traz à tona histórias de traições, contratos suspeitos, amizades de interesses, cartel, subornos, enriquecimento ilícito, coações, jogo político e, como diz Azenha, "muita sujeita" na cúpula do futebol. Tais revelações sustentam-se em documentos oficiais extraídos de cartórios do Brasil e do exterior, transcrição de conversas gravadas, informações apuradas com rigor jornalístico e criteriosa pesquisa em arquivos de revistas e jornais.

No prefácio, Romário aponta a importância da publicação: “agora, mais do que nunca, tenho certeza de que a CBF é mesmo o câncer do futebol!”. Já os autores advertem: “se você não quer perder a ingenuidade em torno do esporte mais apaixonante do mundo, pare por aqui”.

Os autores

Os jornalistas Amaury Ribeiro Jr., Leandro Cipoloni, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet amealharam alguns dos principais prêmios da categoria, inclusive o Esso.

Autor do best-seller A Privataria Tucana, Ribeiro Jr., de 56 anos, integrou a redação de veículos como IstoÉ, O Globo, Correio Braziliense e Estado de Minas. Acumulou prêmios em todos eles.

Cipoloni, de 37 anos, também foi repórter em jornais impressos nos primeiros anos de carreira. Há 10 anos, está na TV Record, como chefe de redação.

Um dos grandes nomes do jornalismo televisão, Azenha trabalhou na TV Manchete, no SBT e na Globo, antes de se transferir para a equipe de repórteres especiais da Record. Tem 57 anos e cobriu duas Copas do Mundo.

Completa o time Tony Chastinet, de 44 anos. Passou pelos principais jornais, rádios e emissoras de televisão de São Paulo, sempre na função de repórter investigativo.

 Divulgação

 

O Lado Sujo do Futebol

Amaury Ribeiro Jr., Leandro Cipoloni, Luiz Carlos Azenha e Tony Chastinet

Editora Planeta

ISBN: 978-85-422-0333-2

Não-Ficção / Brochura / 16x23 / 400 páginas

R$ 39,90