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Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2024


Opinião do Professor

Congresso sai fortalecido mas interesse público exige mais

Tiago Coelho - Do Portal

13/07/2012

 Arte: Carlos Serra

Em 176 anos de história do Senado Federal, pela segunda vez um integrante da Casa saiu pelas portas dos fundos. Em 2000, Luiz Estevão foi penalizado por desviar dinheiro da construção do TRT de São Paulo. Na quarta-feira passada, foi a vez de o senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO) ter o mandato cassado por "quebra de decoro". Uma punição ao suposto favorecimento ao contraventor Carlinhos Cachoeira, flagrado em gravações da Polícia Federal. Apesar da defesa inflamada – no qual se comparou a Jesus Cristo diante de Poncio Pilatos e apelou até para msúca de Ivan Lins –, a maioria dos seus colegas parlamentares considerou que Demóstenes usava o mandato para auxiliar Cahoeira, preso em fevereiro sob a acusação de explorar jogos ilegais, e votou pela cassação. Contaram-se 56 votos favoráveis, 19 contrários e 5 abstenções. Demóstenes ficará inelegivel até 2027, mas já reassumiu o cargo de procurador em Goiás, com salário de R$ 24 mil.

A convite deste Portal, o cientista político Ricardo Ismael, professor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio analisou, em sintético artigo, as implicações da histórica cassação. Ele observa que o Congresso sai fortalecido, mas ressalva que é necessário aperfeiçoar mecanismos como o financiamento eleitoral e a lei de licitações públicas para dificultar a "captura dos poderes públicos" por interesses e manobras particulares:

A cassação de Demóstenes Torres e seus desdobramentos

Por Ricardo Ismael

Na quarta-feira passada tivemos o desfecho do caso do senador Demóstenes Torres (ex-DEM-GO e atualmente sem partido), que, em votação secreta, no plenário do Senado, por ampla maioria, teve seu mandato cassado por quebra do decoro parlamentar. Com quase todos os membros da Casa presentes na sessão, com exceção apenas do senador Clovis Fecury (DEM-MA), foram dados 56 votos a favor da cassação, 19 contrários e 5 abstenções.

O processo de cassação se prolongou por todo primeiro semestre, com duração adequada e que ultrapassou os cem dias. Em sintonia com que determina o texto constitucional e o regimento interno do Senado, teve início quando da representação do senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, no final de março passado. Antes da deliberação final, foi concedido direito de defesa ao senador Demóstenes Torres, que teve oportunidade de falar ao Conselho de Ética e, por inúmeras vezes, no plenário do Senado.

Prevaleceu no desenrolar dos acontecimentos o entendimento de que Demóstenes Torres utilizou-se da condição de senador da República para defender os interesses do sr. Carlos Augusto Ramos, mais conhecido como Carlinhos Cachoeira. Além disso, a maioria dos senadores firmou a convicção de que Demóstenes havia faltado com a verdade em seu pronunciamento inicial no plenário do Senado, quando abordou sua relação com o contraventor.

Demóstenes fica inelegível por oito anos contados a partir do fim de seu mandato (fevereiro de 2019). Isso significa que somente nas eleições de 2028 poderá concorrer novamente. Entretanto, reassumiu de imediato o cargo de procurador do Ministério Público de Goiás, com responsabilidades igualmente importantes no trato da coisa pública. Seu primeiro suplente, o agora senador Wilder Pedro de Morais (DEM-GO), assume sob suspeita de trajetória política semelhante ao que foi cassado, sem ter recebido um único voto. Nada indica que a CMPI do Cachoeira altere seu roteiro previsível e conservador. Continuará não discutindo as mudanças no financiamento eleitoral e na lei de licitações públicas, aspectos fundamentais para tornar mais difícil a captura dos poderes públicos por parte dos interesses privados.

O Congresso Nacional sai fortalecido. Declara que existem valores e atitudes que devem marcar a atuação parlamentar. Reafirma a relevância do conceito de interesse público. Mostra que os princípios republicanos podem avançar na democracia e no parlamento brasileiro, mesmo diante das contradições que conhecemos.