Luíza Amaral - Da sala de aula
26/07/2011Está escrito na Constituição: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. O texto faz parte do Artigo 208, inserido no capítulo 3 da Constituição Federal, instituída em 1988. Na contramão desta lei, o ministro da Educação, Fernando Haddad, assinou no ano passado uma resolução que abre espaço para o fechamento das escolas para portadores de necessidades especiais, visando à inclusão social.
O documento assinado por Haddad, a resolução n°4 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), defende que 100% das crianças devem ser matriculadas na rede regular de ensino e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais, eliminando as escolas especializadas.
A possibilidade de fechar as portas das escolas especializadas tem gerado polêmica: há quem seja a favor e há quem esteja indignado, como a vice-diretora do Instituto Benjamin Constant (IBC), Maria da Glória Almeida:
– A resolução de um conselho não pode se sobrepor à Constituição, e a lei diz “preferencialmente”, não “obrigatoriamente”. A gente não pode ter uma inclusão só no papel. Incluir não é matricular. É dar condições à pessoa de se desenvolver, o que não acontece na maioria das escolas convencionais. Nós estamos aqui para servir. Eu já cruzei esse país todo dando curso. Nós levamos o conhecimento, damos consultoria, assessoria. Agora duas professoras daqui vão para a Angola. Em que a permanência da nossa escola irá atrapalhar o processo de inclusão? – argumenta.
O IBC é um instituto de excelência mundialmente reconhecido. Em 1947, promoveu o primeiro curso de capacitação de professores do país. Atualmente há cursos de diferentes naturezas para todas as disciplinas e recebe gente do Brasil todo. São cursos de capacitação de professores e técnicos como transcrição de livros em braile, adaptação de livros de baixa visão e informática adaptada para cegos. Maria da Glória conta que o instituto não tem a pretensão de acolher todas as crianças com deficiência, pois sabe que isso não é possível, mas se revolta quando são rotulados de segregadores:
– Quando nós formamos uma metodologia, quando a gente cria material didático especializado, quando a gente capacita um profissional na área de deficiência visual, o que a gente está fazendo? Capacitando para fora do instituto. Nós estamos apoiando a inclusão e nós temos essa importância técnico-pedagógica. Você precisa derrubar um trabalho de 156 anos pra edificar outro?.
Monique Ferreira, de 16 anos, é aluna do instituto desde 2009 e está apavorada com a possibilidade de a casa ser fechada. Ela, que estudou a vida inteira em escola pública convencional, ficou traumatizada com a antiga experiência acadêmica. Monique saiu do ex-colégio no 2° ano do Ensino Médio e entrou no IBC no 6° ano do Ensino Fundamental. Teve que voltar no tempo cinco anos. Isto porque não havia aulas de matemática e português por falta de professor. Além disso, a aluna diz que sofria preconceito e não tinha amigos por ser deficiente visual.
– Eu cansei de ser zoada e ninguém queria ser meu amigo. Já apanhei mais de dez vezes por ser cega. Aqui não existe isso, todo mundo é igual. Nós somos uma família, fiz um monte de amigos, até namorado eu arrumei! Não sei o que eu faria se fechasse. Meu sonho é me formar em oftalmologia e trabalhar aqui – conta.
Maria da Glória sofre por seus alunos, e teme que "se crie uma geração de improdutivos, agravando a deficiência":
– Esse é o meu maior temor: a exclusão dentro de um processo de inclusão – afirma.
No meio desse alvoroço, há escolas convencionais que fazem um trabalho sério e adequado para os deficientes e nas quais o bullying não existe. Um exemplo é o Iepic, Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho, a primeira instituição brasileira para formação de professores. A escola estadual fica em Niteroi. Lá, alunos com e sem necessidades especiais dividem os mesmos ambientes e são queridos por todos. Há cegos, surdos, cadeirantes, autistas, esquizofrênicos. O brilho nos olhos das crianças e a vontade e o prazer de se ensinar e de se aprender emociona quem é de fora.
Ruth Mariani é educadora e coordena a sala de recursos da escola desde 1996. Apesar de considerar o IBC e o Ines (Instituto Nacional de Educação dos Surdos) instituições de excelência, ela é a favor de que fechem todas as redes especializadas de ensino, pois acredita que as escolas convencionais são perfeitamente capazes de dar conta dos deficientes (em 1991, Ruth trabalhou em uma escola especial). A educadora diz que não existe receita de bolo:
– O que vai fazer a diferença não é a legislação, são os atores que estão dentro das escolas, que estão comprometidos com a cena e que estão construindo a história. Existe uma verba destinada de R$ 18 mil, chamada Escola Accessível. Então, só não se capacita quem não quer, só não faz quem não quer, porque o MEC dá todas as possibilidades. Os recursos estão sendo destinados, mas as pessoas precisam dizer que essas crianças existem. Fica complicado você querer uma sala de recursos se você coloca no censo que você não tem deficiente – explica.
A cumplicidade, o carinho e o respeito entre alunos e funcionários impressionam. Tudo é feito para que o ensino seja, de fato, compreendido por todos, independentemente de o aluno ser deficiente ou não. Todas as aulas têm intérpretes, e quase todos os ouvintes que entram na escola se formam bilíngues, pois, com o convívio, acabam aprendendo Libras (Língua Brasileira de Sinais). É o caso de Karin Vasconcelos, 21 anos, hoje intérprete do Iepic. Karin é cria da casa: entrou na escola aos 3 anos e lá se formou.
– Quando eu estava na oitava série, entraram cinco surdos na minha turma. Eu ficava olhando a intérprete e aprendi. Aí quando ela faltava, eu substituía. No quarto ano pedagógico a Ruth falou pra eu fazer a prova do Prolibras. Eu passei e no dia seguinte fui contratada pela escola – recorda.
Carlos André Pureza, de 18 anos, é cego e um dos mais aplicados e inteligentes da turma. Seu caderno é um computador. Você estranha e pergunta a ele: “Como, se você não enxerga?”. Ele brinca, dizendo "Eu sou cego, não sou burro”. Carlos domina o Dosvox, um software que fala com ele o tempo todo. Durante as aulas, fica com um ouvido com fone e o outro sem.
– As pessoas ficam estarrecidas, ele sabe até mais do que a gente – entrega Karin.
Desta forma o Iepic forma professores: com pessoas comprometidas, talentosas e criativas, com ou sem deficiências. A inclusão não pode ser uma doação, trata-se de um direito de cidadania constituído. Antes era uma posição romântica do professor, ele escolhia trabalhar com educação especial. Hoje não é opção, é obrigação.
* Texto produzido para a disciplina , ministrada por Arthur Dapieve.
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