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Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2024


País

Culpa da ‘anestesia moral’

Gabriela Ferreira - Do Portal

31/03/2008

O seminário Afrobrasilidade, realizado na PUC-Rio, trouxe a discussão do ensino educacional brasileiro com base no descumprimento da lei número 10639, implantada em 2003, que torna obrigatória a inclusão de História e Cultura Afro-brasileira como disciplina nos currículos escolares do país. Essa disciplina abordaria o tema da diversidade e da discriminação, além de mostrar como a História Negra se insere na História do Brasil. A mesa ‘Cultura Negra no Brasil’ teve como convidados o escritor e jornalista André Lacé, o editor do Jornal Ìrohìn Edson Cardoso, o professor da PUC-SP Hélio de Souza Santos e Ruth Pinheiro, do Centro de Apoio ao Desenvolvimento para discutirem o tema. Hélio Santos fez duras críticas ao não cumprimento da lei e ao que chamou de “inércia da sociedade brasileira em favor dos negros”, já que, segundo ele, a lei em questão ajudaria a regenerar a identidade brasileira. Além disso, afirmou que a sociedade sofre de uma “anestesia moral”, quando finge que as oportunidades para os brancos são as mesmas para os negros.

Pode-se dizer que ainda há racismo no país?

Hoje o país é a 12ª economia industrial. Aqui nós temos o moderno sem ter a modernidade. Além de erro de diagnóstico, temos racismo sim. Nós mentimos quando acreditamos que as oportunidades são as mesmas. Há uma “anestesia moral”, um “complexo de chumbo”. Não há uma voz de peso para se defender. O Brasil é o país mais desigual do mundo. Além disso, há o apodrecimento da esperança da imensa população negra. A gente tem que a acabar com os delitos das elites cariocas.

Quais os obstáculos para a lei 10.639?

Há uma inércia na sociedade brasileira em tudo o que diz respeito à cidadania que vai beneficiar de alguma forma a população negra. Essa lei não se trata apenas de currículo escolar, ela busca informar a todos os brasileiros uma parte importante da sua história, não só a história da África, que em si já seria importante, mas a história do negro no Brasil. O Brasil tem quinhentos anos, três séculos e meio de escravidão, e 119 anos de sub-cidadania do negro. É importante que os brasileiros possam entender esse período porque o nosso desenvolvimento tem essa tensão. Alguns são cidadãos de primeira classe, de segunda, de terceira. Enfim, essa lei regenera a identidade brasileira.

O senhor é a favor ou contra as cotas nas universidades?

Sou contra as cotas. Eu sou a favor da redução da cota de 100% para brancos que existe na sociedade brasileira. Eu gostaria de reduzir as cotas nas redações, nas novelas, na direção das empresas, na direção dos condomínios empresariais, no corpo intelectual das universidades, são cotas de 100% para brancos. Sou contra cotas para negros, eu quero reduzir as cotas de 100% para brancos. Que tal reduzir essas cotas no Itamaraty, que hoje é cota de 100% para brancos, reduzir para 60 ou 70%? Então eu sou a favor da redução de cotas que os brancos têm, não sou a favor de cotas para negros.

Por que não há espaço para negros?

O IBGE diz que não tem espaço. Durante os quinhentos anos de história do Brasil, três séculos e meio os negros estavam escravizados. No dia 14 de maio de 1888, dia seguinte à abolição, começava-se a discutir a lei da vadiagem. Essa lei punia quem era vadio, quem não tinha emprego. E o que o negro era no dia 14 de maio de 1888? Um desempregado, ou seja, um vadio. Não houve uma política que discutisse o dia 14 de maio. Quase todas as terras do Brasil eram do Estado. Mas a reforma agrária não custaria nada. Não foi feita por absoluto egoísmo. Hoje, com 120 anos de atraso, pensa-se em políticas de ação afirmativa, e todos, sem saber o que vem a ser isso, são contra. As pessoas não sabem da realidade do negro, ou melhor, fingem não saber. A inércia é algo que está no piloto automático, no DNA das pessoas, dos próprios negros. Portanto, você está diante de uma situação que não é de fácil solução.

O que o senhor apontaria como possível solução?

A solução são as políticas de ação afirmativa. É preciso radicalizar, não só no ensino, mas no empreendedorismo, nos meios de comunicação. Não é verdade quando dizem que essas políticas têm o objetivo de beneficiar os negros. Elas vão beneficiar o Brasil, e eu digo isso como alguém da área econômica. As pessoas que têm filhos brancos vão se favorecer se incluírem os negros, pois assim vão ter um Estado melhor. As políticas são a favor do Brasil; elas têm o negro como foco, mas não diga que vão beneficiar o negro, vão beneficiar o país. É ele que se fortalece.