Duas semanas depois de ter confirmado o veto do ex-presdente Lula ao pedido de extradição do italiano Cesare Battisti, a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal ainda gera repercussões diplomáticas e polêmicas, principalmente sobre as fronteiras entre a soberania nacional e tratados internacionais. Condenado a prisão perpétua na Itália, por quatro assassinatos nos anos 1970, Battisti estava preso no Brasil desde 2007. A libertação do ex-integrante do PAC (Proletários Armados para o Comunismo) desencadeou protestos como a chuva de laranjas dirigida à dupla brasileira Emanuel e Alisson na etapa de Roma do Mundial de vôlei de praia. Rendeu até ameaças de represália à Copa 2014. De oficial, entretanto, só a intenção dos italianos em levar o caso ao Tribunal de Haia. Especialista em direito internacional, o professor da PUC-Rio Gustavo Sénéchal afirma que a decisão soberana, nesses casos, cabe ao presidente da República. Assim, ele considera que a negativa de Lula à extradição de Battisti, em dezembro do ano passado, não deveria ter sido discutida pelo STF – nem mesmo com a pressão do governo italiano e de setores da sociedade.
– Foi um equívoco do Supremo levar a plenário esse tipo de discussão. Absolutamente fora de propósito – critica.
Sénéchal diz que não há razões para o Brasil evitar a corte internacional. Pois, segundo ele, a Justiça brasileira, manteve-se fiel à lei de extradição:
– Acho que o Brasil cumpriu a lei. A questão é a seguinte: o tratado Brasil-Itália de extradição abre exceções. Se o acusado correr risco com relação à segurança, o texto não obriga extraditá-lo. Todo e qualquer tratado desse tipo pressupõe a análise do pedido de extradição, o que foi feito pelo Brasil – argumenta.
Professor de direito constitucional da PUC-Rio, Francisco de Guimarães esclarece que a decisão “não pode ser contestada”. Ele reforça que, nesses casos, a palavra final é do Executivo. Caberia ao Supremo Tribunal Federal "apenas" julgar a procedência do pedido de extradição a ser analisado:
– O Judiciário pode opinar do ponto de vista da forma. Mas do conteúdo, só o presidente [da República].
Guimarães afirma que "dentro do Brasil a questão está encerrada". A única alternativa da Itália é esperada convocação do Tribunal de Haia.
– Teoricamente, a decisão do Brasil até pode ser revertida pela presidente Dilma. Mas é algo que não tem sentido – ressalva.
Sénéchal explica que, na corte de Haia, o Brasil pode tomar duas decisões: contestar a convocação deste tribunal, sob o argumento de que não tem competência para discutir o caso; ou aceitar a convocação e contra-argumentar.
– Aí a jurisdição da corte se instalaria sem problemas – afirma.
Ainda de acordo com Sénéchal, a lei de extradição dá prioridade à garantia dos direitos humanos. Atualmente, distancia-se da imagem assumida nos anos 1930 e 1940, durante o Estado Novo, como recurso para “eliminar inimigos políticos”.
– A extradição deve ser vista como cooperação entre os estados contra determinadas atividades criminosas. Mas, por outro lado, representa uma proteção dos direitos humanos. Não é simplesmente pegar o extraditando e entregar ao outro Estado, mas garantir a ele a ampla defesa no processo –.
Ele pontua que em casos nos quais não há qualquer lei bilateral de extradição, como a assinada entre Brasil e Itália, o julgamento torna-se mais complicado:
– O problema passa a ser de reciprocidade. O estado pede a extradição e, mediante promessa de reciprocidade, pode ser analisado o pedido. – esclarece.
O professor Alex Jobim, do Instituto de Relações Internacionais da PUC, relativiza as críticas italianas à Justiça brasileira, diante da complexidade do assunto:
– Não acho que nenhuma das partes tenha faltado ao respeito. Acho que é uma questão sensível para a Itália certamente, mas o Supremo brasileiro julgou. Está longe de ser arbitrário.
Ele endossa o coro dos que avaliam que, em âmbito nacional, não haja mais espaço para contestações:
– Pela decisão do Supremo, a discussão de mérito acabou. Mas, agora, a Itália tem todo o direito de recorrer à corte de Haia.
Na visão dos três especialistas, o Tribunal de Haia deverá mesmo ser convocado. Nenhum delesacredita, no entanto, em retaliações comerciais ou políticas vindas da Itália:
– Há que se calcular o custo-benefício de uma atitude mais radical em relação ao Brasil. A Itália vai fazer pressão em torno da modificação desse posicionamento brasileiro, embora não seja possível. Racionalmente, não acho que isso vai levar a alguma espécie de punição ou estremecimento mais profundo nas relações entre os dos países – opina Jobim.
Sénéchal projeta ainda um longo debate em torno da decisão brasileira:
– Acho que ainda vai dar muita discussão. Pode ser que a Itália recorra à corte internacional, mas não acredito em retaliação ao Brasil.
Guimarães acrescenta que a "Itália não tem poder para fazer isso":
– Ela não tem esse peso. Nossas relações comerciais não são decisivas para o Brasil. Seria absurdo como se os Estados Unidos decidissem romper relações com a China – compara.
Analistas pregam transigência para resguardar instituições
"Pará é terra onde a lei é para poucos", diz coordenador do CPT
Sem holofotes do legado urbano, herança esportiva dos Jogos está longe do prometido
Rio 2016: Brasil está pronto para conter terrorismo, diz secretário
Casamento: o que o rito significa para a juventude
"Jeitinho brasileiro se sobrepõe à ideia do igual valor de todos"