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Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2024


Cultura

"Faz você refletir sobre as relações"

Stéphanie Saramago - Do Portal

14/04/2011

 Divulgação

 Amor?, com ponto de interrogação, é o novo longa do diretor e roteirista João Jardim. O filme aborda o amor como principal elo de histórias que acabam evoluindo para algum tipo de violência que, segundo o diretor, não se limita ao ato físico, mas também ao “de minar a autoestima do parceiro, da luta pelo poder dentro da relação, da questão do ciúme”.

Por meio de pesquisa com amigos e ONGs, João Jardim e a colaboradora Renée Castelo Branco chegaram a mais de 60 depoimentos, para selecionar oito. Para Jardim, as oito histórias que melhor retratam a evolução de uma relação apaixonada que acaba se tornando violenta.

 João Jardim é conhecido por seus documentários, como Janela da Alma (2002), Pro Dia Nascer Feliz (2005) e o último onde foi co-diretor de Lixo Extraordinário (2010), com Karen Harley e Lucy Walker. Amor? é, segundo o diretor, uma mistura poética de documentário com ficção. Oito depoimentos reais são interpretados por atores no filme, de acordo com Jardim, por uma questão ética. São depoimentos íntimos e, dessa forma, o filme não expõe as pessoas que ofereceram suas histórias.

O longa, que ganhou o prêmio de Melhor Filme pelo júri popular no Festival de Brasília do ano passado, traz no elenco Ângelo Antônio, Claudio Jaborandy, Eduardo Moscovis, Fabiula Nascimento, Julia Lemmertz, Letícia Colin, Lilia Cabral, Mariana Lima e Silvia Lourenço. A direção de fotografia é de Heloisa Passos e a música, de Lenine.

Amor? foi exibido na última quinta-feira (14/04), em pré-estreia no auditório RDC, campus da PUC. Após a exibição do longa, o diretor conversou com a plateia. Os estudantes questionaram João Jardim sobre o gênero do filme, que está na fronteira entre o documentário e a ficção:

– Quando você vê, por exemplo, o que ocorreu em Realengo, se alguém transformar isso em filme, ninguém acredita que aconteceu de verdade. Pois é tão absurdo acontecer algo assim que causa estranhamento, é a mesma coisa com relação a Amor? – afirmou o diretor.

Antes do debate, João Jardim conversou com o Portal PUC-Rio Digital. Na entrevista, ressaltou a função transformadora do cinema, tanto para quem faz quanto para quem vê.

Portal PUC-Rio digital: Como o senhor chegou até os depoimentos do longa-metragem? 

João Jardim: Esse foi um processo investigativo de pesquisa. Você vai perguntando e procurando histórias em vários caminhos diferentes. Eu e a Renée Castelo Branco procuramos desde pessoas amigas até entidades, ONGs, que trabalham em apoio ou atendendo a pessoas que se envolvem com situações de violência entre homens e mulheres. 

 Mauro Pimentel Portal: Como o senhor escolheu essas oito histórias? 

JJ: Na verdade, não tem uma resposta, porque elas são as melhores histórias pra mim. São aquelas histórias que retratam melhor a evolução da relação, como uma história de amor começa de maneira muito apaixonada e, pouco a pouco, vão entrando elementos, situações, que vão fazendo com que aquilo vá ficando cada vez mais violento. Isso está muito presente nas relações dos jovens. Muitos dos depoimentos são de pessoas na faixa dos 20 anos. Porque, na verdade, isso tem muito a ver com o primeiro amor, que é muito passional. Mas isso não significa que não aconteça também com pessoas da minha idade [46 anos]. É igual, não escolhe idade. 

Portal: Os depoimentos selecionados são relatos reais. Por que o senhor decidiu fazer um filme de ficção, com atores, em vez de um documentário? 

JJ: Porque, na verdade, por uma questão ética, esses depoimentos não poderiam ser interpretados pelas próprias pessoas que viveram essas histórias. São depoimentos muito íntimos, que envolvem coisas que, se reveladas por quem viveu, poderiam se tornar algo negativo para elas. Mesmo que elas concordem em falar, era melhor que atores interpretassem para não haver problemas. Tem a questão do parceiro também, da parceira, porque quando você fala de relacionamento, você está sempre falando do outro, e aí o outro teria que autorizar também os relatos.  

Portal: Como foi o processo da escolha dos atores? 

JJ: Foi um processo muito intuitivo. Nós até fizemos alguns testes, mas a maior parte dos atores são pessoas que eu já conhecia, já tinha trabalhado. Para mim, os escolhidos poderiam incorporar bem aquelas histórias como se fossem elas mesmas, pois era esse o objetivo.

 Mauro Pimentel Portal: As histórias que o senhor conheceu ao fazer o filme transformaram de alguma forma sua maneira de pensar o amor? 

JJ: Sempre transforma. Todo filme que a gente faz sempre muda um pouco a maneira de a gente ver o mundo. O legal de um filme é isso, porque você começa achando uma coisa e termina achando outra. Esse é um dos motivos pelos quais a gente faz filmes, para entender melhor todos aqueles aspectos. O legal do Amor?, com a interrogação, é que ele realmente faz você refletir sobre as relações. Porque a gente pensa que violência é somente aquela história: “Ah, o cara foi lá e deu uma facada”. A violência, o assédio, a opressão estão em tudo. O filme fala muito desse processo que as pessoas exercem, dessa coisa de você minar a autoestima do parceiro e da luta pelo poder dentro das relações. Além da questão do ciúme, como as pessoas lidam com o ciúme. O filme fala sobre tudo isso, assuntos muito próximos de todos, e de mim também. Com certeza o filme me modificou.