O 14º Dalai Lama, Tenzin Gyatso, anunciou sua aposentadoria como líder político no início de março, terminando com uma tradição de 370 anos. A decisão foi aceita depois de longas conversas do líder budista com o Parlamento tibetano no exílio, e a eleição para um novo primeiro-ministro foi realizada. O resultado das eleições será divulgado no final de abril. O novo primeiro-ministro no exílio vai assumir a principal autoridade política tibetana. O atual Dalai Lama irá continuar apenas como líder espiritual.
O Tibete nunca teve sua independência reconhecida e mantém ao longo dos últimos anos uma relação em conflito com a China. Desde 1640 até a década de 1959, os Dalai Lamas foram os líderes políticos do Tibete. Em 1959, quando o atual Dalai Lama fugiu para a Índia e criou o governo do Tibete em exílio, a relação com a China se tornou ainda mais difícil. Por conta disso, especialistas acreditam que sua aposentadoria é uma decisão positiva, e que desta forma o diálogo do governo exilado com Pequim será mais fácil.
Segundo o professor de Estudos Budistas na Universidade Oxford Ulrike Roesler, será difícil para os tibetanos perderem essa figura carismática de líder, que é referência para muitos. Por outro lado, o diálogo com a China poderá se tornar mais aberto e dinâmico, pois segundo Roesler, o atual Dalai Lama é visto pelo governo chinês como o maior obstáculo e inimigo dessa relação.
Para o diretor do Programa de Estudos Tibetanos na Universidade Columbia, Robert Barnett, a aposentadoria do Dalai Lama fará com que a China concorde em conversar com o líder, que desde o exílio teve pouco progresso. Segundo Barnett, a China poderia ver a aposentadoria como uma concessão às suas reivindicações, pois por muitas vezes, eles pediram que o líder desistisse de seu papel político.
Segundo o professor, a declaração de Dalai Lama foi importante por não tratar apenas da aposentadoria.
– Ele também disse que os exilados devem rever a constituição, para que os futuros Dalai Lamas não assumam qualquer posição formal como líderes tibetanos, esse papel político deve pertencer a um primeiro-ministro eleito – apontou Barnett.
O afastamento de Dalai Lama do papel político fará com que os tibetanos repensem o governo no exílio e o futuro após a morte do atual Dalai Lama. Para Barnett, é esse um dos motivos que levou o líder a tomar essa decisão, para forçá-los a pensar com antecedência sobre essas questões.
– Acho muito positivo para uma nação ser forçada a repensar seus pressupostos políticos básicos – afirmou Barnett.
No cenário político mundial, a decisão tem um lado simbólico. Segundo Barnett, é útil o exemplo de um líder poderoso deixando o cargo voluntariamente. O professor ressaltou que o Dalai Lama ainda ordenou sua comunidade tibetana a mudar todo seu sistema, a abandonar qualquer forma religiosa de liderança política.
– Isso poderá levar a uma reflexão em países muçulmanos ou no Vaticano, onde o sistema é oposto e nunca é discutido – avaliou o professor.
Para o especialista, a decisão de Dalai Lama vai levantar fortes questionamentos dentro do Tibete sobre as promessas e a credibilidade da liderança chinesa.
– Ele colocou a China no centro das atenções de novo e a desafiou implicitamente a honrar as promessas políticas que fez ao seu povo ao longo de décadas. O Dalai Lama era originalmente um governante absoluto, que prometeu e deu a sua comunidade a democracia plena. Enquanto a China, uma “democracia popular”, prometeu cooperação multipartidária e deu uma ditadura de partido único aos chineses – afirmou.
Para o professor de Estudos Tibetanos da Universidade Oxford Brandon Dotson, o desejo do líder budista é abrir uma espécie de caixa de pandora da democracia e, enquanto ele puder, observá-la e ajustá-la.
– Ele já tentou estratégias semelhantes anteriormente. Talvez dessa vez ele irá longe o suficiente na condução dos tibetanos para desenvolver os tipos de processos e instituições necessárias na ausência de uma figura unificadora como o Dalai Lama – ressaltou Dotson.
Segundo Dotson, se isso acontecer será uma grande vitória observada de perto pelos tibetanos no Tibete e na China.
Por outro lado, Barnett considera incerto o futuro dos 150 mil tibetanos exilados.
– É difícil saber se eles conseguirão se manter unidos sem um líder carismático. Eles não gozam de muito reconhecimento internacional, têm pouco poder e dependem principalmente da “boa vontade” da Índia – afirmou o professor da Universidade Columbia.
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