Cabelos brancos dividiram espaço com tênis e mochilas nos bancos da Igreja Sagrado Coração de Jesus, nesta segunda-feira (14). A Missa de Sétimo Dia do professor Luiz César Tardin (morto no dia 5, vítima de uma parada cardíaca), celebrada pelo reitor da PUC-Rio, Padre Josafá Siqueira, S.J., reuniu cerca de 350 pessoas, entre familiares, velhos companheiros, ex-alunos e colegas de projetos como a ONG Sociedade Brasileira para a Solidariedade e o Baía Nossa de Guanabara. A pluralidade refletia as histórias colecionadas pelo ex-ativista, ao mesmo tempo ligado à política e à religião. Histórias do ex-aluno de direito e teologia da PUC. Histórias do admirador de orquestras e de café.
Ex-aluno de física e hoje professor de engenharia de materiais da PUC-Rio, Raul Nunes conheceu Tardin, então estudante de direito, em 1975. Para ele, o amigo – descendente de um cardeal e filho da guerrilheira de esquerda Elza Monnerat – era “universal”. Participava dos movimentos políticos contrários à ditadura militar organizados na Vila dos Diretórios da PUC, mas também de conferências de jovens católicos. Nunes, que não era católico, foi convencido por Tardin a participar da Federação de Estudantes Católicos da América Latina, em 1976. Nessa época conheceram, por acaso, um grupo de chilenos que viria a sequestrar o bispo Dom Adriano Hypólito.
– Quando chegamos ao Rio, comunicamos à CNBB e à OAB a informação sobre os personagens do sequestro. Nunca saberei se a insistência do Tardin para que eu participasse do encontro teria sido reforçada por alguma informação interna sobre o encontro da FEUCAL ou se foi apenas pela amizade e confiança que existia entre nós – lembra.
Raul Nunes recorda que algumas semanas após o episódio do sequestro de Dom Adriano Hypólito, Tardin e mais dois amigos, com medo de que uma situação semelhante se repetisse, foram pessoalmente ao aeroporto do Rio buscar Dom Paulo, que havia sido convidado para palestrar na PUC:
– Foram os três, cada um em um carro, receber o D. Paulo. Durante o percurso, ficaram trocando o D. Paulo de carro, com medo de ele ser sequestrado.
No fim da década de 1980, durante o governo Brizola, Luiz César Tardin participou da Comissão de Justiça e Paz e de Pastorais Penais, que promovia trabalhos sociais em comunidades como a Rocinha, Acari e Senador Camará. Segundo o professor de engenharia, o amigo contava que a polícia ameaçava os traficantes em troca de apoio político nos territórios por eles controlados.
– Em muitas subidas da polícia, o Tardin foi acionado por membros da comunidade para comparecer à delegacia e tentar garantir que o preso não mais apanhasse. O incrível é que isto funcionava, e ele teve que fazer isto muitas vezes – destaca Nunes.
Colega na ONG SBS e também velho amigo de Tardin, Carlos César Peiter lembra do gosto do professor da PUC por desafios. "Buscava sempre novas empreitadas", seja na área social ou até na cafeicultura. Vindo de uma família tradicional, Tardin herdou uma pequena propriedade onde desenvolveu o cultivo de café. O plantio foi premiado entre os produtores fluminenses e passou a ser exportado para a Europa.
– Ele começou a plantar sem saber que tinha esse talento, essa vontade de lidar com a terra. Mas voltou a frequentar mais o local, adquiriu mais terras e foi gostando da ideia de trabalhar com o café e com muita gente – conta.
Ainda segundo Peiter, Tardin tinha adoração por música. Em especial, por reger orquestras e bandas. Foi César Tardin quem regeu a Banda dos Fuzileiros Navais e o coral da universidade na Mostra PUC do ano passado.
– Ele teve uma formação em música que acabou não terminando. Sempre que tinha a oportunidade, ficava à frente de uma banda ou coral. O pessoal achava que era de brincadeira, mas ele sabia o que estava fazendo – diz Peiter.
O gosto pela música e pela cafeicultura representa o que o reitor da PUC-Rio, Padre Josfá Siqueira, S.J., chamou de “lado interiorano” do professor, que se somava ao "gosto pela vida nas cidades e pelo desenvolvimento de projetos sociais". Muitos deles vinculados à PUC, como o Projeto Unicom, o Projeto Baía nossa de Guanabara e a Mostra PUC.
– Ele sabia fazer a ponte entre a universidade e a sociedade. Sempre estava preocupado que nossas atividades não ficassem entre muros, mas que fossem externadas. Ele sabia vencer os riscos pela ousadia. O César (Tardin) tinha essa determinação, sem medo – afirma Josafá.
Tanto a determinação quanto a visão da importância comunitária da universidade foram fundamentais para que Tardin levasse adiante o projeto da Mostra PUC, que, segundo o reitor, encontrava resistência no ambiente acadêmico. Do mesmo modo, lembra o ex-aluno de direito Bernardo Netto Arruda, o professor encontrou coragem para assumir a presidência da ONG SBS. Bernardo lembra o desabafo de Tadin, “seu primeiro chefe”, quando recebeu o convite para presidir a organização:
– Ele brincava que era uma ONG com uma série de problemas, “um elefante branco”, e se perguntava se iria conseguir. A gente conversou muito, e eu dei a maior força para ele. Acabou sendo um projeto importantíssimo.
Bernardo também recorda das conversas de Tardin sobre filhos, apesar de o professor nunca tê-los tido. Lembrou-se delas, em especial, no dia 5 de março, quando soube que seria pai pela primeira vez. Por ironia, foi também nesse dia recebeu a notícia da morte do "mestre que havia se tornado um amigo".
– Ele (Tardin) deixa milhares de filhos, de jovens que aprenderam muito com ele, aprenderam a amá-lo e a enxergar a vida de uma outra forma – resume.
Essa mudança na maneira de encarar pessoas e situações é considerada um dos legados dos projetos sociais desenvolvidos por Tardin. No Unicom, iniciativa que coordenava com Bernardo, jovens universitários davam aulas em comunidades carentes.
O caráter interdisciplinar do Ccesp e dos projetos sociais lá desenvolvidos fez com que Tardin tivesse contato com estagiários de vários departamentos. Como a estudante de história Maria Cristina Menezes. Ela lembra que Tardin tinha o hábito de reunir os estagiários para confraternizações. A última foi especialmente marcante: um passeio de barco pela Baía de Guanabara. Nas reuniões, o bordão era “monsenheur”, vocativo usado por ele para referir-se aos estagiários.
– O César (Tardin) era bem compreensivo com a questão de horário, de faltas. Se você queria viajar, sempre podia conversar com ele, que dava o maior apoio. Trazia ideias de curso que a gente podia fazer. Era um chefe muito amigo – emociona-se a estudante.
Morte de Luiz Cesar Tardin emociona colegas na PUC
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