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Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2024


Cultura

Vera Lúcia Follain analisa relação entre literatura e cinema

Fernanda Miranda - Do Portal

10/12/2010

 Divulgação


Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema, Vera Lúcia Follain de Figueiredo

Ao longo de três anos de bolsa recebida pelo CNPq, Vera Lúcia Follain de Figueiredo pesquisou sobre como a literatura e o cinema se misturam na sociedade contemporânea. A professora lançou em novembro deste ano seu mais novo livro, Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema, lançado pela Editora PUC-Rio em parceria com a 7 Letras, que reúne artigos que se situam entre as áreas da comunicação e dos estudos de literatura brasileira.

Segundo a professora uma das coisas que mais chama atenção, hoje em dia, é que antes mesmo de serem publicados, alguns livros já estão sendo adaptados para o cinema. Temas como a relação entre literatura e roteiro, a influência do valor de mercado na literatura, o escritor multimídia, dentre outros, são discutidos na obra.

Vera é professora do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio e autora, dentre outros trabalhos, dos seguintes livros: Da profecia ao labirinto: imagens da história na ficção latino-americana contemporânea e Os crimes do texto: Rubem Fonseca e a ficção contemporânea.

Portal: O que levou a senhora a escrever um livro em torno desse tema?

Vera Lúcia Follain de Figueiredo: Minha pesquisa do CNPq era sobre a relação entre literatura e cinema, mais precisamente eu queria pensar na literatura brasileira e a literatura em um modo geral no contexto de hegemonia do audiovisual. Para pensar esse lugar da literatura hoje na sociedade midiática, na sociedade do audiovisual, privilegiei o diálogo entre a literatura e o cinema. Escolhi esse tema por conta da velocidade que hoje os romances são adaptados para o cinema, antes mesmo de serem publicados já estão sendo adaptados. Às vezes as obras ainda não estão terminadas e já há todo um contato com um diretor visando à adaptação. Quis pensar duas vertentes: de um lado esse lugar da literatura na hierarquia cultural face à hegemonia nos meio audiovisuais, e de outro, como esse lugar da literatura se define mais especificamente em relação ao cinema. Stéphanie Saramago

P: A senhora acha que essa “criação de valor”, como citado no livro, desvaloriza o verdadeiro objetivo cultural das obras literárias?

VL: Não, mas deve-se pensar o papel do mercado hoje como grande mediador na esfera da cultura, e se o mercado é o grande mediador, é claro que se têm prejuízos. Por exemplo, você começa a ter um atrelamento dos produtos culturais à questão do lucro, dos valores do mercado, dos valores comerciais. Isso acaba fazendo com que experimentalismos, obras pioneiras, obras que possuem novos formatos e linguagens, nem sempre tenham uma oportunidade de se tornar visível. O mercado muitas vezes aposta na repetição, no clichê, na fórmula que já deu certo.

P: No livro, há um artigo do jornalista Fernando de Barros e Silva sobre o filme Tropa de elite. No texto, ele afirma que o filme “mandaria para o lixo da história o conjunto da mentalidade progressista: ações, valores, aspirações – tudo”. A senhora concorda com essa análise?

VL: Não. Em relação à Tropa de elite 1, eu não concordo com o Fernando Barros porque é um filme em primeira pessoa, portanto você tem a visão do capitão Nascimento. Toda aquela estrutura fílmica está voltada para expressar a visão do capitão Nascimento, é ele que vê o mundo daquela maneira, com isso você tem que ler o filme a partir dessa primeira pessoa. O artigo que está no livro é “A recepção de Tropa de Elite na imprensa”. As pessoas confundiram o ponto de vista do personagem capitão Nascimento com o ponto de vista do diretor Padilha. No filme ele está mostrando como o Nascimento está vendo o mundo ao seu redor, como ele vê o que é a atividade policial, como ele vê a atividade intelectual. O interessante do filme é exatamente deixar o expectador diante daquele ponto de vista, para que ele pense sem uma mediação que explique o ponto de vista. Você está diante do olhar do Nascimento. Nesse sentido, eu acho o primeiro filme muito melhor que o segundo. Digo isso porque o segundo é um filme que defende uma tese, que é a tese do Padilha, então é um filme que totaliza. O primeiro não. É um filme que deixa o espectador diante do impacto da visão do Nascimento. Eu acho o primeiro, como cinema, muito melhor. Stéphanie Saramago

P: A senhora acredita que a abordagem humorística de certos contos brasileiros - tema abordado em seu livro - como na série televisiva "Caramuru: a invenção do Brasil", em seguida adaptada para o cinema, distorce a verdadeira concepção dessa obra?

VL: Não, acho que depende da obra. Mas temos que discutir o conceito de distorcer, pensar o que é adaptação. O que a gente chama de adaptação de uma obra literária, na verdade, é uma leitura que o diretor faz daquela obra. Nessa leitura ele cria também, ele recria a obra. O diretor pode querer acentuar um lado de humor, um lado de ironia que não estava na obra original, isso eu não vejo como um problema. Se ele leu bem a obra da qual ele parte, ele vai recriá-la à sua maneira dando origem a uma outra obra também interessante, também uma obra que vale a pena.

P: A senhora encerra seu livro levantando a questão: “[O] que significa dizer que Machado de Assis está vivo, ou ainda, que tipo de leitura ou leitor, na primeira década do séc XXI, contrariando a expectativa pessimista do autor, atende ao apelo de D. casmurro: continue”. Que resposta a senhora daria?

VL: Quando falo isso estou me referindo a uma passagem do DVD da Capitu, feito pelo Luiz Fernando Carvalho, onde ele diz que o Dom Casmurro começa com a expressão “continue” e que ele, Luiz Fernando, quando vai fazer a recriação de Capitu para a televisão estava de certa forma atendendo à solicitação. Ele leu como se fosse uma solicitação do próprio Machado através do personagem de que continuasse sua obra. Aí você me pergunta: “O que é esse continuar?”. No caso das adaptações, o que estamos discutindo no livro, esse “continuar” é “recriar” a obra em outra linguagem, em outro meio. Se essa recriação mantém um diálogo vivo com a obra original, ela atualiza essa obra. Esse “continuar” é no sentido de manter viva, que foi o que o Luiz Fernando Carvalho tentou fazer, ele tentou modernizar  Stéphanie Saramago a obra, utilizou a concepção de ópera rock para atrair um público mais jovem. Ele procurou recriar, partiu da obra do Machado e criou uma obra dele que dialoga com a obra do Machado. Para quê? Para manter a obra do Machado viva. Nesse sentido ele "continua".

P: A senhora já tem em mente algum próximo livro?

VL: Pretendo dar continuidade a essa pesquisa, mas agora com outras ênfases. Esse livro era uma tentativa de entender mudanças e agora eu quero ver se me dedico dentro deste mesmo campo a compreender mais o que permanece a despeito de tanta mudança.