Isabela Sued e Stéphanie Saramago - Do Portal
02/09/2011
Ação afirmativa na universidade: reflexão sobre experiências concretas Brasil-Estados Unidos, org. Angela Randolpho Paiva
A Editora PUC-Rio, em parceria com a editora Pallas, lançou o livro Entre dados e fatos: ação afirmativa nas universidades públicas brasileiras. Organizado pela professora do Departamento de Sociologia e Política Angela Randolpho Paiva, a obra promove uma discussão sobre as políticas de ação afirmativa como a existência de cotas, de reservas de vagas e de acréscimo de pontos nas universidades federais brasileiras, com textos de especialistas na área de sociologia, antropologia e história.
Segundo a professora Angela, a implantação de tais políticas nas universidades públicas é hoje uma realidade. No Brasil, 70% das universidades já adotaram algum tipo de ação afirmativa. A intenção do livro, de acordo com a professora, é mostrar exatamente por que a discussão vai além da questão de ser ou não um sistema ideal, que não se trata mais de ser contra ou a favor da cota. Segundo ela, o sistema traz benefício à educação no país.
– Não é que a ação afirmativa vá resolver o problema da educação, para fazer isso seria preciso investir na qualidade das escolas públicas. No entanto, a política tem o poder de reduzir as desigualdades no campo – afirma.
<<20101108 - angela assinando.jpg | Isabela Sued| left>O pesquisador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) José Luis Petruccelli, autor de um dos textos do livro, também se posiciona a favor das cotas nas universidades, mas explica que, mesmo que a iniciativa seja boa, ainda não é suficiente e que “ainda é necessário aumentar os percentuais, aumentar as vagas, aumentar as universidades”.
– Neste momento, a importância é muito mais simbólica e emblemática que efetiva e quantitativa – ressalta o pesquisador, alegando que os passos dados ainda são tímidos perto das desigualdades existentes.
A respeito da polêmica em relação às cotas raciais – como a reserva de vagas para negros – a organizadora do livro disse ser a favor. Para Angela, a política de ação afirmativa tem essa função de encurtar a desigualdade. Ela lembra que somente oito das 64 universidades têm cotas para negros que não são atrelados à escola pública. Já para Petruccelli, o problema no Brasil é estritamente racial:
– Se você analisar qualquer indicador de escolaridade da população brasileira e separar brancos e negros, verá que o número de incidências de pretos e pardos em situações de analfabetismo, de analfabetismo funcional, de atraso escolar, de tudo isso, é muito maior se comparado ao de brancos. Até em número médio de anos de escolaridade da população, eles sempre estão atrás. O problema é de raça – afirma o pesquisador do IBGE.
Petrucceli ressalta que a política de ação afirmativa ainda é pequena no país. Segundo ele, em uma população de aproximadamente 5,5 milhões de estudantes universitários, o número de alunos que entrou pelas cotas está entre 50 e 100 mil. Ao mesmo tempo, segundo Angela, as próprias universidades perceberam que o sistema era desigual, apenas estudantes de ensino privado e de escolas preparatórias tinham chances de entrar. Assim, os próprios conselhos universitários adotaram a ação.
– Nos cursos mais concorridos, os alunos eram sempre brancos. A política de ação afirmativa vem exatamente para trazer mais diversidade e fazer com a universidade pública cumpra o seu papel social de atender à escola pública – ressalta Angela.
A professora lembra que um dos principais pontos positivos da questão é o fato da universidade estar sendo repensada pela sociedade. Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas pelos estudantes cotistas, como de transporte e alimentação, o ideal é que “a universidade atenda a esses alunos para que eles permaneçam lá”.
Países como Estados Unidos, França e Inglaterra já adotaram a política de ação afirmativa em suas universidades. Para Petrucceli, a política, apesar de não ser a melhor, é a mais eficaz no momento. O pesquisador ressalta também a necessidade da prática ser "provisória".
– Sou totalmente a favor da implantação urgente, imediata e emergencial da política. No entanto, há de ser também provisória, afinal não é preciso que dure eternamente – lembra o pesquisador – Espero que um dia a iniciativa não seja mais necessária. Mas, no momento, a ação ainda precisa ser ampliada.
Ambos os autores concordaram na questão da educação no país e explicaram por que a ação afirmativa é necessária. O ideal seria, segundo Petrucceli e Angela, que o ensino básico passasse por uma reforma. No entanto, como a educação no país ainda não atende a todas as camadas, eles defendem a existência da ação afirmativa para que a desigualdade seja reduzida.
– Ser a favor da ação afirmativa não significa ser contra a melhoria do ensino básico. Muito pelo contrário, eu espero que um dia a ação afirmativa não seja mais necessária. Mas do jeito que o ensino público fundamental e médio das escolas estaduais está, o único jeito é, através dessa política, trazer alunos dessas escolas para que eles também tenham uma oportunidade – diz a professora.