Cineastas brasileiros como Silvio Tendler e Cacá Diegues se reuniram nesta quinta-feira, na PUC-Rio, em solidariedade ao diretor iraniano Jafar Panahi, preso desde março por divergir politicamente do governo de seu país. Depois da exibição dos filmes O balão branco (1995) e O espelho (1997), houve debates com a participação de estudantes. Mobilizações semelhantes, combinadas pela internet, também foram feitas em São Paulo e em outros países.
Organizada pelos diretores Silvio Tendler, professor do curso de Cinema da PUC-Rio, e Cacá Diegues, a versão carioca do ato político mundial reuniu cineastas, críticos de cinema, professores, jornalistas, artistas. Convergência de vozes contra um “ataque à liberdade de expressão”.
- Os limites do artista só podem ser éticos, nunca estéticos ou políticos. Temos a obrigação de dizer a verdade como a sentimos, sem enganar os outros - observa Cacá.
Pedro Camargo, também professor do curso de Cinema da PUC-Rio, alertou aos estudantes: "o Irã não está tão longe. Temos de ficar atentos para que os atos de repressão não se repitam". Segundo ele, a prisão de Panahi aponta o risco de vilipêndios contra a liberdade.
Panahi cometeu "crime de opinião", ironizam alguns. O apoio à oposição do presidente Mahmud Ahmadinejad e a participação em filmes que mostram problemas crônicos do Irã rendeu-lhe a insatisfação crescente dos dirigentes. Culminou com a prisão do cineasta no mês passado, quando recebia convidados em casa. Pagou por exercer prerrogativas da cidadania e obrigações do ofício: refletir, criticar, propor avanços.
- O cinema iraniano ganhou grande visibilidade nos anos 90 justamente por driblar a censura tratando de temas delicados de forma artística inteligente - lembra o crítico de cinema, Marcelo Janot.
Para o jornalista e crítico Miguel Pereira, professor da PUC-Rio e um dos fundadores da Academia de Blogs de Cinema, faz parte da própria ideia de arte romper com as normas estabelecidas pela sociedade. "A partir daí as limitações deixam de ser tangíveis”, argumenta. Os limites, segundo ele, devem ser impostos pelo próprio artista:
- O artista não tem limites senão ele próprio. Interferir socialmente é parte da motivação de alguém que utiliza o seu trabalho como o espelho da realidade que vive e o espelho da realidade em que queria viver. Assim é a obra de muitos cineastas. Panahi não foge à regra.
Segundo Alessandra Meleiro, autora do livro O novo cinema iraniano: arte e intervenção social, houve poucas mudanças desde as primeiras regulamentações depois da Revolução Islâmica, em 1980. Ao morar três meses e meio no país, a doutora em cinema e políticas culturais da USP testemunhou a censura à espreita dos diretores iranianos: “se o diretor quiser financiamento do Estado ou infraestrutura técnica estatal, ele vai ter que necessariamente submeter o roteiro dele para aprovação”.
Para Cacá Diegues, esta submissão assumiu um caráter extremo com a prisão de Panahi. O cárcere, afirma ele, “fere a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a carta com que a Humanidade, através da ONU, se comprometeu para viver em comum”. E acrescenta:
- Como dizia Rosa de Luxemburgo, a liberdade é acima de tudo a liberdade daquele que discorda de mim.
Janot teme pelo futuro do cinema iraniano:
- É uma ação típica de um regime autoritário, em que não há liberdade de expressão. Temo que isso possa afetar seriamente a produção cinematográfica do Irã, limitando também seu apoio financeiro.
Miguel Pereira aposta no desenvolvimento de uma sociedade capaz de garantir a "pluralidade de vozes"
- Qualquer limitação da opinião viola a liberdade de expressão. Criticar um regime político, dentro de limites éticos, é direito de qualquer cidadão. No entanto, sabemos que, quando um regime autoritário ganha o poder, a sua primeira providência é controlar os meios de comunicação, calar vozes dissidentes. Panahi não atentou contra a liberdade de expressão do Irã. Questionou a sua ausência. Foi suficiente para ser silenciado.
A web se tornou forte aliada de críticos, estudantes e cineastas para divulgarem o ato solidário e conseguirem mais aliados. No site de relacionamentos Facebook, por exemplo, mais de 3 mil pessoas de diversas nacionalidades se reúnem na página Free Jafar Panahi! . A estudante paulista Marcia Correa explica o porquê aderiu à mobilização:
- Acho descabido alguém ser preso por convicções contrárias ao regime político, ainda mais sendo um regime com dogmas religiosos regulando a vida de uma nação.
Uma petição online também circula entre internautas. O documento já conta com mais de 2 mil assinaturas, como as de Cacá Diegues e do diretor espanhol Pedro Almodóvar.
O governo iraniano alega que Jafar cometeu "um delito". O procurador-geral de Teerã, Abbas Jafari Dolatabadi, afirma que o diretor Panahi "não foi detido por ser um artista ou por razões políticas".
Jafar Panahi, um diretor premiado
Jafar Panahi nasceu em 1960, em Mianeh,no Irã. Estudou na Universidade de Cinema e Televisão da capital Teerã. No início da carreira, dirigiu vários curtas e dramas para a TV iraniana. Foi assistente de direção de Abbas Kiarostami em Através das Oliveiras (1994), filme premiado pela crítica da 18ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Seu primeiro longa, O Balão Branco (1995) integrou a seleção. Também recebeu o Caméra d’Or para filme estreante no Festival de Cannes de 1997, com O Espelho, de 1997. O flime O Círculo (2000) ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Em 2002, Ouro Carmim também foi selecionado pelo Festival de Cannes. Fora do Jogo, seu mais recente longa, conquistou o Urso de Prata (Grande Prêmio do júri) no Festival de Berlim 2006. Panahi foi proibido, em fevereiro, de viajar à Alemanha depois de receber um convite do 60º Festival de Berlim.
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