Terá início, no dia 30 de março, o curso de Ajuda Humanitária e ao Desenvolvimento, oferecido pelo Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio. As inscrições podem ser feitas até o dia 18. Durante um ano e meio, profissionais interessados na área aprenderão sobre os desafios que a envolvem e terão a oportunidade de se formar não apenas no âmbito conceitual, mas em práticas humanitárias.
Para entender melhor o assunto, o Portal PUC-Rio Digital conversou com dois professores do curso, Carolina Moulin Aguiar e Pedro Cláudio Cunca, ambos do Instituto de Relações Internacionais. Eles falaram sobre o papel do Brasil e dos Estados Unidos em ajudas humanitárias, o limite entre a visão humanitária e a política e o caso recente de intervenção no Haiti.
Portal PUC-Rio Digital: Como se define ajuda humanitária?
Pedro Cláudio Cunca: A ação humanitária realizada por organizações e agências internacionais governamentais e não-governamentais visa salvar vidas, aliviar o sofrimento e manter a dignidade humana durante ou após as crises de origem humana e diante de catástrofes naturais. Também procura preparar e prevenir as populações contra essas crises. Compreende a possibilidade de atuar de forma mediada e mediadora e mesmo autônoma face aos contextos de conflagração e mesmo de guerra aberta. A ajuda humanitária compreende os aspectos de proteção aos civis e das pessoas vítimas e dos não-envolvidos nos conflitos e crises.
P: A ajuda humanitária é um fenômeno recente ou está presente na história mundial desde muito tempo?
Carolina Moulin Aguiar: A ajuda humanitária é um fenômeno antigo. A Cruz Vermelha, por exemplo, que é uma agência importante no sistema humanitário internacional, existe desde meados do século XIX. Entretanto, a segunda metade do século XX foi marcada por um aprofundamento do nível de institucionalização da ajuda humanitária, por meio da emergência de novos atores com um grau maior de coordenação e pela expansão da estrutura normativa humanitária.
P: O papel do Brasil em planos de ajuda humanitária internacional vem crescendo ao longo do tempo?
CMA: Sim, o Brasil tem aumentado progressivamente o seu perfil humanitário, seja por meio de assistência em situações de conflito, seja por novos mecanismos de cooperação técnica e financeira em contextos de crise.
P: O caso da ajuda humanitária ao Haiti é uma das maiores da história?
CMA: Não, mas é um marco importante na história de participação humanitária no Brasil. A situação do Haiti é grave, mas não se configura como uma das maiores da história em termos quantitativos. Considerando-se é claro que é possível quantificar situações que envolvem o colapso das estruturas institucionais e a perda de vidas humanas, fatos que são de impossível mensuração. Cada contexto envolve dilemas e desafios diferentes e, portanto, o mais importante não é o tamanho da crise, mas o seu impacto sobre países e sociedades.
P: A ajuda humanitária do Brasil ao Haiti é uma forma de ganhar visibilidade na política internacional?
PCC: Toda ajuda humanitária tem uma componente de capital simbólico e reflete a busca de legitimação e reconhecimento, no plano político e, mais particularmente, na dimensão estratégica. Contempla todos os novos interesses e a busca de afirmação de um protagonismo regional que inclui a América Central e o Caribe, assim como a luta por uma vaga permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
P: Até que ponto a ajuda humanitária é uma intervenção humana e até que ponto é uma ação política?
CMA: Esse é um tema controverso na literatura e na ação humanitária. Por muito tempo, advogou-se por uma leitura estritamente imparcial e apolítica da ajuda humanitária. Hoje, já há um processo de autorreflexão crítica sobre a inevitabilidade da confluência entre política e humanitarismo, haja vista que a ajuda depende de uma série de negociações com governos, partes beligerantes e outras agências. Essas negociações, políticas por natureza, são essenciais para garantir que a ajuda chegue a quem necessita, por exemplo, por meio de livre-acesso e trânsito do pessoal e de bens (medicamentos, equipamentos). Toda ajuda humanitária visa à proteção da pessoa humana e, no processo de sua efetivação, requer uma atuação política das partes envolvidas. Essa relação umbilical entre humanitarismo e política é talvez o nó nevrálgico de grande parte dos sucessos e fracassos das intervenções humanitárias contemporâneas.
P: Em 1898, o então presidente dos Estados Unidos, William McKinley, ao se referir à intervenção que os americanos preparavam para salvar Cuba do domínio espanhol, disse que a operação seria feita com "bases humanitárias". Quando os Estados Unidos declararam guerra ao Iraque, também alegaram que prestavam ajuda humanitária. Esses tipos de intervenção podem ser considerados como ajuda humanitária ou são formas de as potências se afirmarem frente ao cenário político internacional?
PCC: A ajuda humanitária segue a dinâmica das relações de força e das estratégias discursivas dos poderes envolvidos. No limite temos um conjunto de atores que se situam ao lado do tipo ideal de ajuda humanitária, marcada pela pluralidade, independência e neutralidade de um ator social. A experiência das ONGs internacionais é de grande valor para identificarmos e avaliarmos seus graus de eficácia e autotomia. Do outro lado do quadro de modelos ideais, temos a ação imperialista revestida de ideologias salvacionistas e preconceituosas. As ambiguidades dos processos são enormes. A fala do presidente norte-americano só espelha uma ideologia neocolonial de forte presença nas relações com situações como a do Haiti e a do Afeganistão, dois casos emblemático extremos.
CMA: Há sempre o perigo de uso indevido da prerrogativa humanitária para servir como elemento legitimador de políticas expansionistas e intervencionistas por parte de governos. Atualmente, é comum nos depararmos com leituras que vêem as intervenções humanitárias como uma ponta de lança de atitudes neoimperialistas e neocoloniais por parte de certos Estados. Para evitar esse tipo de manipulação da ação humanitária, alguns teóricos defendem, por exemplo, a formação de um regime mais robusto de intervenções complexas com tribunais e juízes ad hoc (para um fim específico) que seriam responsáveis pela definição de onde, quando e como intervir. Há inclusive autores que advogam a formação de um corpo militar e civil permanente das Nações Unidas voltados exclusivamente para a ajuda humanitária. Parece assim que a saída para coibir o mau uso das prerrogativas humanitárias reside justamente no fortalecimento do marco normativo e na consolidação de um regime mais cooperativo e equilibrado, que leve em conta os interesses e vozes daqueles que são definidos como o objeto da intervenção. Nesse processo, as vítimas deixariam de ser objetos da ajuda humanitária e passariam a ser participantes ativos nos diversos estágios de planejamento, implementação e avaliação da assistência.
Informações sobre o curso
Data: 30/03 a 17/07/2010
Dias: 3ª e 5ª feira, das 19h às 22h e sábado, das 09h às 12h e das 14h às 17h.
Inscrições: até 18/03.
Corpo docente:
Carlos Frederico Pereira da Silva Gama, Mestre, IRI - PUC-Rio
Carolina Moulin, Doutora, Mac Master - Canadá
José Maria Gómez, Doutor, Louvin - Bélgica
Letícia Pinheiro, Doutora, LSE- RU
Maíra Siman, Mestre, EHI - Genebra
Monica Herz, Doutora, LSE- RU
Paulo Esteves, Doutor, IUPERJ
Pedro Cláudio Cunca Cunha, Doutor, UFRJ
Simone Rocha Valente Pinto, Mestre, IRI - PUC-Rio
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