A polêmica em torno do ingresso da Venezuela no Mercosul pouco tem a ver com o porte de sua economia – a terceira maior da América do Sul. Em tempos de crise, a ampliação do bloco econômico pode ser considerada uma medida oportuna, capaz de proteger a economia local e fortalecer as relações comerciais regionais, aumentando o protagonismo do grupo. No entanto, o caráter personalista e autoritário do presidente venezuelano, Hugo Chávez, evoca fortes reações, nem sempre positivas, no cenário político internacional, consequentemente afetando a imagem do país que representa.
Na terça-feira, 15, o plenário do Senado brasileiro aprovou a entrada da Venezuela no bloco econômico do Cone Sul. Ao todo, foram 35 votos a favor e 27 contra. A questão já havia passado pelo crivo da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado. Um novo Estado-membro só pode ser plenamente incorporado ao Mercosul mediante decisão unânime dos integrantes do grupo. Argentina e Uruguai já confirmaram o protocolo de adesão da Venezuela, cuja tramitação teve início em 2006. Agora, o ingresso do país no bloco passa a depender apenas do que decidirá o governo do Paraguai.
O professor do Departamento de Comunicação da PUC-Rio Arthur Ituassu, doutor em relações internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da universidade, observa que a ampliação do Mercosul é uma tendência da diplomacia brasileira, para aumentar a região protegida pela Tarifa Externa Comum (TEC):
– A TEC funciona como uma cerca de proteção para a indústria brasileira. Sua ampliação é uma atitude de defesa contra as ações de livre-comércio com as Américas iniciadas pelos Estados Unidos – explica Ituassu.
Os pronunciamentos contrários à adesão da Venezuela ao Mercosul tocam, invariavelmente, em pontos sensíveis do governo Chávez para a opinião pública mundial, como a restrita liberdade de imprensa, a existência de presos políticos no país e o desrespeito aos princípios democráticos como um todo. Argumenta-se que a associação do Brasil à Venezuela, por meio do bloco econômico latino-americano, pode prejudicar a imagem nacional no exterior e obstruir relações comerciais.
Para Ituassu, é provável que os lapsos democráticos na Venezuela tenham um impacto negativo sobre a forma como o bloco é visto internacionalmente, mas dificilmente isso implicaria perdas econômicas. Já Sonia de Camargo, doutora em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do IRI, não teme pela imagem brasileira:
– Não creio que a entrada da Venezuela no bloco possa ter impacto negativo sobre a imagem do Brasil no exterior por vários motivos. Entre eles, é preciso lembrar que certos países, como o Paraguai, com um histórico de governos autoritários, mesmo quando já incorporados ao Mercosul, passaram por momentos de crise política profunda que não só não abalaram a imagem do Brasil, como a fortaleceram como um país democrático com autoridade para agir positivamente sobre os demais parceiros do bloco.
Sonia acrescenta que, ao entrar para o grupo, o governo de Chávez estará automaticamente sujeito ao conjunto de obrigações do bloco, que inclui o respeito aos princípios democráticos e aos direitos humanos fundamentais. O descumprimento de tais cláusulas leva a sanções econômicas. Caso seja admitida, a Venezuela terá um prazo de quatro anos para adotar todo o quadro normativo do Mercosul, assim como a TEC.
– Considero que a maior proximidade com o nosso país, dentro do marco institucional do Mercosul, dificulta possíveis aventuras autoritárias internas e externas do Presidente Chávez. Se ampliarmos isso para a questão dos direitos humanos, é possível esperar que o Brasil exerça uma influência positiva no comportamento político-institucional do presidente venezuelano – diz Sonia de Camargo.
A professora reconhece, no entanto, que há risco de o perfil autoritário de Chávez obstruir o processo de adoção plena das regras político-institucionais. Para ela, o protecionismo muitas vezes excessivo do governante venezuelano pode afetar de forma negativa as relações do bloco com a União Europeia e os Estados Unidos. Segundo Sonia, a falta de rigor nas negociações para a formulação do protocolo de adesão ao Mercosul abre espaço para este tipo de receio:
– Há o temor de que a incorporação plena da Venezuela possa comprometer a identidade, a eficiência e o poder de atração do bloco como expressão de um regionalismo aberto, modalidade que faz parte da política externa brasileira. Na Europa, os candidatos à entrada na União Europeia são submetidos a longas negociações e devem se comprometer a aceitar previamente as normas e os tratados já existentes – observa Sonia.
Seja aceita, ou não, como membro pleno do Mercosul, Arthur Ituassu acredita que, em médio prazo, a Venezuela será um problema para o Brasil, devido ao autoritarismo de seu governo. O professor reconhece que a medida de incorporá-la ao bloco tem valor estratégico, mas acredita que seja uma decisão de alto risco:
– O Mercosul não tem o poder institucional de transformar o regime da Venezuela. Existe o perigo de o bloco tornar-se um palanque para o governo venezuelano.
Com o ingresso da Venezuela, espera-se que o Produto Interno Bruto (PIB) do Mercosul aumente em aproximadamente US$ 350 trilhões, chegando a US$ 2,9 quatrilhões, de acordo com dados de 2008 do Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), publicados no jornal O Globo. Nas exportações, haveria um crescimento de cerca de US$100 bilhões e um aumento de metade deste valor no total referente às importações do bloco. A participação do Mercosul no PIB latino-americano, que hoje soma 54%, chegaria a 76%.
Além dos benefícios comerciais, Sonia de Camargo ressalta que a adesão do vizinho ao bloco traria vantagens geopolíticas ao Brasil, por ser um aliado na Amazônia e na fronteira norte do país.
– O ingresso da Venezuela daria a partida para um movimento de incorporação dos países da sub-região andina e do norte do continente, que se tornariam mercados potenciais para produtos manufaturados provenientes do Brasil – argumenta.
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