Sede dos Jogos Pan-americanos de 2007, a cidade do Rio de Janeiro herdou um patrimônio esportivo avaliado em mais de U$ 1 bilhão. Instalações como o Estádio João Havelange, o Parque Aquático Maria Lenk, a Arena Multiuso e o Velódromo incrementaram a paisagem da cidade. Porém, o legado para o Rio, como fomentador de ações sociais, local de centros de formação de atletas e possível sede de competições internacionais não vem sendo amplamente aproveitado.
Passados quase dois anos do maior evento esportivo realizado no Brasil, apenas aquelas instalações que funcionam como palcos para o futebol estão sendo utilizadas. Além disso, nem todos os locais de eventos dos Jogos Pan-americanos serão aproveitados em uma possível olimpíada. Para Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), novos investimentos serão necessários: “Em 2001, fizemos um planejamento para o Pan de 2007, agora faremos outro planejamento para a Olimpíada de 2016”.
E os estádios do Pan-americano? O legado de sediar uma competição internacional deveria servir de base para competições futuras. No dossiê de candidatura que detalha o projeto olímpico para 2016, a entidade brasileira citou a Copa de 2014, mostrando a capacidade do País de abrigar grandes eventos esportivos. Além disso, as melhorias que o Mundial deve proporcionar ao transporte público e aos estádios são tidas como outros pontos positivos para a candidatura de 2016. Não faltam exemplos de casos semelhantes, como México (1968 e 1970), Alemanha (1972 e 1974) e Estados Unidos (1994 e 1996).
Mais do que nunca, o Pan-americano deveria funcionar como um exemplo de legado deixado para a cidade por um grande evento internacional. Porém, para o especialista em Marketing Esportivo João Henrique Areias, idealizador do projeto de construção de estádio em Vitória (ES), no caso dos jogos de 2007 não houve legado. E, se existiu, está mal aproveitado.
- São vários legados, o da estrutura física-esportiva, da melhoria do trânsito. Mas, no caso do Brasil, com todo o dinheiro investido, não houve qualquer tipo de resgate para o contribuinte. O político quer fazer a obra e mostrar o que fez. Não planeja, não pensa no retorno para a população, nem para o esporte do país – argumenta.
A construção do Parque Aquático Maria Lenk custou aos cofres públicos R$ 85 milhões. Hoje, a instalação está em estado de abandono. Em outubro do ano passado, logo após o Pan, recebeu as disputas do Mundial de Nado Sincronizado e, mais tarde, o Troféu Maria Lenk de natação. O resto do tempo permaneceu fechado. Sem nenhuma ação social, o parque aquático – que já sofreu uma obra de manutenção –, foi classificado como área de foco do mosquito da dengue.
O mesmo acontece com o Velódromo, o primeiro do Brasil com pista de madeira, construída na Holanda, com pinho siberiano, e comprimento médio de 250 metros. A capacidade é de 1.500 espectadores e, terminados os Jogos, foi entregue à Federação de Ciclismo do Estado do Rio de Janeiro, que começou a promover cursos nos fins de semana. O projeto foi interrompido pelo COB, que assumiu o local em março desse ano. A instalação custou R$ 14 milhões e tem somente uma similar na América do Sul, na Colômbia, onde o ciclismo é um dos esportes nacionais. Na verdade, o Velódromo foi utilizado em apenas uma ocasião, após os jogos, e hoje só abre para aulas de patinação artística. Por falta de uso, o único tipo de manutenção regular feita hoje, no local, é uma faxina. A pista, no entanto, exige cuidados especiais, segundo informações da equipe de administração.
Especialistas internacionais estimam que a manutenção anual de uma praça esportiva custa 15% do valor gasto na construção. A manutenção mensal do Estádio Olímpico João Havelange é de R$ 400 mil. Como ninguém quer arcar com a despesa, a privatização é uma saída. Acontece que apenas o estádio e a Arena Multiuso foram privatizados e, mesmo nesses locais, o legado para a cidade não é aquele prometido. O Botafogo, atual administrador do Estádio Olímpico, não consegue arcar com o valor da manutenção e recorre aos cofres públicos. A partir da sua experiência como administrador, Areias lembra que a falta de planejamento na hora de construir onera o governo e não gera retorno para a população. O especialista diz que o exemplo a ser seguido está aqui ao lado.
- Por 2% do valor do Engenhão fizeram, em Volta Redonda, o Estádio da Cidadania. Lá, o espaço está aberto a semana inteira para a população, além de faculdade à distância para dois mil alunos, abriga um centro de fisioterapia. No fim de semana, por acaso, tem até jogo de futebol. Um estádio que custou R$ 12 milhões, contra R$ 400 milhões do Engenhão, e gera um retorno enorme para a população.
De olho na Copa do Mundo de 2014 e na Olimpíada de 2016, os políticos brasileiros mergulham suas atenções no pátio de obra, quando todos os exemplos indicam que o primeiro caminho é o planejamento.
Custos para organizar o Pan-americano de 2007
Prefeitura do Rio de Janeiro: R$ 588,7 milhões (54,6%)
Governo federal: R$ 328,3 milhões (30,5%)
Governo do Estado do RJ: R$ 126 milhões (11,7%)
Iniciativa privada: R$ 35 milhões (3,2%)
O custo de cada instalação:
1 - Complexo Esportivo de Deodoro: R$ 119,8 milhões (Governo federal)
2 - Parque Aquático Maria Lenk: R$ 84,9 milhões (União e Prefeitura)
3 - Arena Multiuso: R$ 125,9 milhões (Prefeitura)
4 - Velódromo: R$ 14,2 milhões (União e Prefeitura)
5 - Engenhão: R$ 408,6 milhões (Prefeitura)
6 - Complexo do Maracanã - reforma: R$ 245 milhões (União e Estado)
7 - Estádio de Remo: R$ 13,2 milhões (Estado)
8 - Arena de Copacabana: R$ 14,2 milhões (União)*
9 - Morro do Outeiro: R$ 1,9 milhões (Prefeitura)*
10 - Clube Marapendi: R$ 5,1 milhões (Prefeitura)*
11 - Miécimo da Silva: R$ 2.4 milhões (Prefeitura)*
12 - Cidade do Rock: R$ 4,7 milhões (Prefeitura)*
13 - Parque do Flamengo: R$ 2,8 milhões (Prefeitura)*
14 - Riocentro: R$ 35 milhões (GL Events em PPP com a Prefeitura)*
* Instalações de caráter provisório
Muito trabalho à frente para sediar uma Olimpíada
FEITO EM SALA: Sucesso do Pan é o grande trunfo para Rio sediar Olimpíadas de 2016
Legado olímpico exige mais atenção social, alertam analistas
Miguel Couto: no balcão da emergência, um retrato do Rio
Rio 2016: tecnologia e novos usos para preservar arquitetura
"Gostamos de gente, e de contar histórias"