Yasmim Restum - aplicativo - Da sala de aula
13/08/2015O direito ao voto não é sinônimo de inclusão política e social. Cinquenta anos depois da aprovação da Lei dos Direitos Civis, que universalizou o sufrágio nos Estados Unidos, as estatísticas mostram barreiras que persistem aos avanços dos direitos civis da população negra. Restrições à cidadania dos afrodescendentes americanos que ameaçam o campo eleitoral por causa da decisão da Suprema Corte, que invalidou em 2013 parte da lei de 1965. Nove estados americanos de histórico racista não precisam mais pedir autorização para alterar o sistema de votação. Com essa flexibilidade, segundo o Brennan Center for Justice, só em 2015 já surgiram 113 medidas de restrição ao voto em discussão no Congresso, como a exigência de documentação que as minorias têm dificuldade em conseguir e o limite do acesso dos ex-presidiários às urnas.
O risco de retrocesso se dá num cenário em que os afro-americanos são as principais vítimas da violência e sofrem com a seletividade da repressão policial. Em Nova York, por exemplo, 80% das pessoas abordadas pela polícia têm a pele negra. Isso se reflete na própria composição carcerária americana: a cada 12 detentos, 11 são negros, o que representa um risco seis vezes maior de serem presos em relação aos cidadãos brancos.
No Brasil, o panorama dos direitos civis da etnia negra não é diferente. A população carcerária, que aumentou 74% em dez anos, é composta por sete afrodescendentes em cada 10 detentos. Eles são, ao mesmo tempo, o maior alvo da violência no país. Segundo a Unesco, o homicídio de negros cresceu 32,4% entre 2002 e 2012. O Sistema de Informação sobre Mortalidade e Censo Demográfico do IBGE 2010 apontam que a taxa de assassinato de negros era de 36 em cada 100 mil, enquanto que entre os brancos o índice cai para 15. Diante desses dados, o Congresso brasileiro instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito da Violência contra o Jovem Negro.
A Lei dos Direitos Civis, assinada pelo então presidente Lyndon B. Johnson em 1965 pôs fim ao período de segregação racial institucionalizada nos Estados Unidos. Esta norma federal passou a controlar os sistemas eleitorais de cada estado do país para garantir a universalidade desse dever cívico. O texto da lei proibiria pré-requisitos que restringissem o acesso às urnas, como o impedimento do voto por causa da raça ou histórico de servidão. Também foi negada a cobrança de taxas eleitorais, que afetavam a camada popular mais pobre, formada na maioria por negros.
Em 1870, o Congresso americano já tinha aprovado a 15ª Emenda à Constituição, que previa direitos civis para todos os americanos. Mas foi apenas há cinquenta anos que o sistema se tornou eficaz, a partir dos protestos liderados por Martin Luther King, no Movimento pelos Direitos Civis.
Mas os avanços não foram suficientes. A seletividade da repressão pela cor da pele tem levado novamente milhares de afro-americanos para as ruas. Uma abordagem violenta que permanece, em geral, impune nos dois países, pela falta de provas e por um preconceito enraizado na polícia e na sociedade.
A morte de Alan de Souza, de 15 anos, no Rio de Janeiro, e de Freddie Gray, de 25 anos, em Baltimore, são exceções à regra. Nesses casos, ambos filmados, os policiais foram indiciados por homicídio. Enquanto a política brasileira aprova as políticas de ação-afirmativa, como as cotas para o ensino universitário e cargos no Judiciário, a tendência americana é retirá-las do sistema por julgar que já cumpriram o papel de equalizar oportunidades.
Enquanto nos Estados Unidos a segregação explícita forçou a comunidade negra a formar uma identidade própria como resistência, no Brasil, o mito da democracia racial maquia a desigualdade dos direitos civis. Segundo o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), o país precisa, antes de tudo, reconhecer que é um país racista. Já o doutor em História Social Carlos Alberto Medeiros constata que, se não existe identidade negra na sociedade brasileira, muito menos existirá na política nacional. A representação no Congresso é desproporcional ao tamanho da população afro, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
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50 anos do direito ao voto negro nos Estados Unidos
Maré conservadora propõe 113 leis restritivas ao voto a um ano das eleições americanas
A um ano das eleições gerais, a disputa política americana centraliza, mais uma vez, o sufrágio universal. De olho na Presidência de 2016, os democratas priorizam os afro-americanos e latinos, enquanto os republicanos querem estreitar o sistema eleitoral sob o argumento de evitar fraudes. Até junho deste ano, segundo o levantamento do Brennan Center for Justice, foram pelo menos 113 leis restritivas ao voto propostas em 33 estados. Apesar da movimentação de expandir o voto ser maior – são 464 projetos em 48 estados – analistas políticos alertam para o retrocesso dos direitos civis, especialmente dos afro-americanos e demais minorias.
Isso foi possível porque, em 2013, a Suprema Corte invalidou a parte da Lei dos Direitos Civis que impedia nove estados historicamente racistas de organizarem um sistema eleitoral próprio. A partir dessa decisão, Alabama, Alasca, Arizona, Georgia, Louisiana, Mississipi, Carolina do Sul, Texas e Virginia só teriam intervenção federal em caso de leis discriminatórias explícitas. Na visão de Carlos Alberto Medeiros, a anulação da seção 4 da 15ª Emenda representa uma tendência conservadora da própria Suprema Corte:
— Nos Estados Unidos houve um recuo, especialmente no começo da década de 1980, com a maré conservadora que foi tomando conta do país. Isso se refletiu na nomeação dos juízes da Suprema Corte, e essa predominância conservadora se manteve até hoje. Com a decisão, os estados começaram a estudar medidas para dificultar o acesso ao voto de negros e latinos. Ou seja, essa mudança na lei é sim um retrocesso, assim como certas políticas de ação afirmativa que a alta corte vem derrubando ou restringindo recentemente.
No ano seguinte à flexibilização da Lei Eleitoral, os dados do Brennan Center for Justice apontam que esses mesmos estados adotaram medidas restritivas em relação ao voto. A Carolina do Sul passou a exigir provas de cidadania americana, o Alabama endureceu o processo de registro para votar e passou a exigir um equivalente a título de eleitor com foto. A Georgia reduziu o período de votação aberto antes do dia oficial da eleição, enquanto Arizona e Carolina do Sul reduziram o prazo para escolher um representante nos dias seguintes ao pleito.
O estado da Virginia, ainda em 2014, aprovou a ampliação de uma burocracia maior em torno do voto. Argumentavam que a falta de fiscalização permitiria, por exemplo, que um eleitor votasse mais de uma vez. Assim, haveria mais registros que cidadãos aptos a votar. Ativistas republicanos defenderam, na época, que fossem retirados das listas de votação pessoas que morreram, mudaram de estado – como o poder federal já previa – mas também pessoas que cometeram crimes. Há relatos, nesse processo, de eleitores legítimos removidos.
Na linha de frente das medidas de restrição está a exigência de uma identificação oficial, o Voter ID. Segundo levantamento do Brennan Center for Justice, apenas 11% dos votantes americanos não têm a documentação exigida por essa lei – hoje vigente em 32 estados. A principal candidata democrata nas primárias à eleição presidencial de 2016 e ex-secretária de Estado Hillary Clinton lançou uma plataforma contra a legislação do Voter ID.
Como o voto nos Estados Unidos é facultativo, essas medidas desestimulam a ida às urnas. Os mais afetados pelo aumento da burocracia, dos gastos e da limitação de tempo são as minorias e as camadas mais pobres. As leis de restrição são, em geral, movidas por representantes do Partido Republicano – os nove estados agora com políticas de voto autônomas em relação a federação, por exemplo, apoiam o partido. Para o Ph.D em Ciências Políticas pela Universidade de Minnesota Eric Ostermeier, o viés político dessas medidas ultrapassa a ideia de que seriam motivadas por preconceito racial:
— Não podemos esquecer que, quanto menos eleitores forem votar, maior o prejuízo para os candidatos do Partido Democrata. Se existe uma motivação nociva de limitar o acesso às urnas em vários estados, é provavelmente uma questão mais política que racial. Se os afro-americanos votassem em massa no Partido Republicano, duvido que os legislativos e governos republicanos moveriam qualquer tipo de legislação restritiva como essas.
Aprovação da Lei Caó é motivo de discordância entre especialistas
Após 26 anos da aprovação da Lei Caó (lei nº 7.716), os casos de discriminação contra negros persistem no Brasil. Especialistas apontam brechas na lei que criminaliza ofensas à raça dos cidadãos. No parlamento, a eficácia da regra não é unanimidade entre os políticos. Para o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), a Lei Caó deve ser mudada para assegurar a punição a quem fizer discursos racistas. Hoje, como a lei prevê penas inafiançáveis, os juízes preferem enquadrar a prática de racismo como injúria. Em oposição, o autor da lei antirracismo, Carlos Alberto de Oliveira, conhecido como Caó, acredita que a lei não deve ser reformulada, mas aplicada plenamente para que as condenações sirvam de exemplo.
Criada em 5 de janeiro de 1989, a Lei 7.716 tornou o crime de racismo inafiançável e imprescritível, ou seja, que não perde a validade enquanto o réu permanecer vivo. Com a sanção, as pessoas que cometerem atos de discriminação ou preconceito de raça, cor e etnia podem ser punidas com pena de reclusão, que varia de um a cinco anos. A lei ficou conhecida como Caó em homenagem ao seu autor, o ex-deputado Carlos Alberto de Oliveira. Mas, segundo o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), a norma é ineficaz e raramente aplicada pelo sistema judiciário que atribui preconceitos contra a raça como injúria e não racismo. A injúria racial é tipificada como ofensa à honra de um indivíduo utilizando elementos referentes à raça, etnia, cor, religião ou origem. Em 2014, o delito de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal, teve a pena aumentada de um a três anos para dois a cinco anos de prisão.
Segundo Caó, a diferença entre injúria racial e racismo é praticamente nula:
— Em injúria há realmente elementos racistas. Eu já ouvi pessoas dizendo que, para caracterizar o racismo, é preciso que haja uma agressão à etnia, enquanto injúria é quando uma pessoa é atingida diretamente. Nos dois casos, há racismo. Dentro da injúria, há racismo.
Caó defende que, ao invés de reformular a lei antirracismo, os políticos e a Justiça brasileira devem se preocupar com a aplicação da norma. O ex-deputado afirma que, atualmente, as pessoas se previnem contra o racismo e inventam diferentes maneiras de não adotar atitudes racistas. “O que ocorre é que hoje ninguém pode se dizer racista”, garante.
Para o deputado federal Jean Wyllys, a Lei Caó é uma resposta limitada à questão racial no Brasil e precisa, além de punir criminalmente, ser colocada em pauta. O parlamentar acredita que a prescrição do racismo como crime inafiançável, conforme prevista na Lei Caó, não diminuiu as práticas racistas no país:
— Até hoje ninguém foi preso pelo crime de racismo. Dar uma resposta penal para problemas estruturais e sistêmicos é um erro ou é uma resposta limitada e populista. A pessoa pode ser punida com uma medida sócio educativa que a leve a desconstruir o preconceito como um agravante. Pra mim é nesses termos que o racismo devia ser criminalizado. O crime de ódio, o crime contra a vida e a lesão corporal motivado por racismo: prisão. Agora, a injúria a expressão da injúria, do discurso racista aí sim devia ser punido com medida socioeducativa.
Além de uma proposta de reformulação da lei Caó, o deputado federal Jean Wyllys afirma que a sociedade precisa reconhecer o Brasil como um país historicamente racista. De acordo com o político, camadas da elite do país insistem em ressaltar o que ele chama de “mito da democracia racial”, na qual o Brasil é composto por raças que se misturaram e que, portanto, não há racismo:
— Somos um país de práticas racistas. O Brasil não fez uma politica de inserção, os males da escravidão não foram reparados, pelo contrário, sempre foram postos para debaixo do tapete. A gente excluía e exclui os negros, as pessoas ‘de pele’.
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De acordo com o doutor em História Social (UFRJ) Carlos Alberto Medeiros, as formas de discriminação no Brasil são veladas, diferente do que se observa na segregação espacial em bairros dos Estados Unidos. Segundo o especialista, porém, a lei brasileira contra o racismo não minimizou as práticas preconceituosas contra negros no país. O motivo, para Medeiros, é a indisposição do sistema judiciário em enquadrar denúncias contra a cor da pele como racismo:
— Não vejo com bons olhos a lei. Se o sujeito me matar, o crime prescreve como inafiançável. Os juízes não gostam disso, isso atrapalha ao invés de ajudar. A lei depois foi reformulada, virou a Lei Caó, que substituiu a Lei Afonso Arinos - ela é apenas uma atualização, mantém os mesmos defeitos da outra, e um deles é a extrema dificuldade de a pessoa que sofreu o racismo conseguiu provar que realmente aconteceu. Em minha opinião, a Lei Caó deveria ser totalmente reformulada, ela não funciona.
De 1989 para cá, os casos de racismo têm aumentado no Brasil. Em 2011, a Secretaria de Igualdade Racial da Presidência da República registrou 219 denúncias, enquanto, em 2013, foram 425 casos. Segundo a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), mesmo a questão racial tendo pouco espaço na mídia, os movimentos sociais e alguns políticas do Estado têm ajudado a mudar o paradigma de insultos raciais. Entretanto, ela acredita que ainda há resistência em admitir que o governo deve adotar medidas para tentar combater o racismo. Leci sustenta que as práticas racistas vêm desde o período da escravidão.
— Sempre houve racismo contra a população negra no Brasil. Essa é uma das heranças da escravidão. Não acho que ele tenha diminuído ou aumentado.
Atualmente, para Medeiros, não há novidades na prática de racismo. Segundo ele, o aumento do número de registros se deve ao encorajamento da população negra que passou a denunciar casos de discriminação por conta da cor da pele:
— O que mudou, e deixa essa impressão de que aumentou o número de casos, é a reação das pessoas. Aquilo que as pessoas aceitavam antes, hoje não aceitam mais.
No Brasil e nos Estados Unidos, cenas filmadas denunciam abusos
No dia 20 de fevereiro desse ano, Alan de Souza, de 15 anos, e Chauan Jambre, de 20, andavam de bicicleta na favela da Palmeirinha, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando foram atingidos por tiros de Policiais Militares. Alan filmava o passeio no momento em que eles foram alvejados, e acabou captando os últimos minutos de sua vida. Ele foi atingido, não resistiu aos ferimentos e morreu. O amigo Chauan sofreu um tiro de raspão no peito. Levado ao hospital, foi atendido e liberado.
Meses depois do ocorrido, Chauan ainda possui a cicatriz da bala que o atingiu, que continua alojada em seu peito. Ao se lembrar do amigo assassinado e do que mudou em sua rotina, ele não esconde a emoção. Chauan, que foi chamado para dar seu depoimento apenas duas vezes, afirmou que não recebeu nenhum pedido de desculpas dos policiais, e que ainda não houve sequer a reconstituição do caso, procedimento padrão da Polícia Civil em situações de supostos homicídios.
O caso foi registrado na Divisão de Homicídios da Capital, e os policiais envolvidos na morte de Alan foram chamados para depor na última semana. Eles também foram afastados da PM e respondem a um inquérito na corporação. Chauan, que foi chamado para depor duas vezes, afirmou que ainda não houve uma reconstituição do caso, procedimento padrão da Polícia Civil em situações de supostos homicídios.
Passados quase dois meses do crime na Palmeirinha, em 12 de abril, a cidade de Baltimore, centro financeiro de Maryland, nos Estados Unidos, também foi palco de uma polêmica tragédia. Um vídeo que se espalhou pela internet flagra o momento da prisão de Freddie Gray, um americano negro de 25 anos. As imagens mostram policiais levando o homem algemado para dentro de uma van enquanto ele grita por socorro.
A questão da prisão de Gray não é o que levou ele a ser preso, mas o que foi feito com o rapaz enquanto ele era levado à delegacia local. Há uma forte suspeita que Freddie Gray foi agredido na viatura policial. No vídeo, gravado às 8h54, é visível que Gray se debate enquanto grita. Segundo testemunhas, ele já apresentava dificuldades de respirar naquele momento. Quando o relógio marcava 9h24, uma ambulância foi chamada pela própria polícia, alegando que o rapaz estaria precisando de “atenção médica”, como afirmou a corporação. O veículo levou Gray, já em coma, para um hospital especializado em traumatismos. No centro médico, foi diagnosticada uma lesão que debilitou 80% de sua medula espinhal. O laudo também aponta que o problema provavelmente ocorreu enquanto ele estava dentro da van, o que aumenta as suspeitas da agressão. Uma semana depois, no dia 19 de abril, Gray foi declarado morto. De acordo com o advogado de Gray, os agentes correram atrás do rapaz por suspeitarem da faca que portava.
A polícia de Baltimore ainda está investigando o caso, mas não há uma resposta até agora. No dia 22 de abril, três dias após a morte de Gray, o Departamento de Justiça dos EUA anunciou que também iria investigar o caso. A razão para o envolvimento do departamento é a possibilidade dos direitos civis de Gray terem sido violados pelos policiais. O motivo da demora de uma resposta oficial é que alguns dos exames de perícia podem demorar semanas para ficar prontos. Os seis policiais envolvidos no incidente foram suspensos da corporação, enquanto a investigação não termina.
Apesar de geograficamente distantes, os casos são muito parecidos. Gray foi detido por supostamente estar levando consigo uma faca, o que não foi comprovado. Alan e Chauan foram alvejados por estarem com um celular que foi confundido por uma arma pelos PMs. Nem o americano e nem os brasileiros foram abordados: a polícia entrou em ação sem aviso prévio. Segundo Chauan, que até hoje está com uma bala alojada no peito, os tiros foram disparados repentinamente:
— A gente estava na porta de casa, brincando e filmando as brincadeiras. Ele brincou que ia postar os vídeos nas redes sociais e eu fui correr atrás dele. Não teve nenhum aviso, não havia nem sinal da viatura e não houve nenhuma ordem deles (dos policiais) para a gente parar. Eles já chegaram efetuando os disparos, e aí aconteceu aquela fatalidade.
Os casos são exemplos de um problema recorrente nos dois países. Estatísticas de Brasil e Estados Unidos comprovam que a violência contra negros não está somente nos livros de história. Dados recentes divulgados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que nos últimos quatro anos o número de homicídios no Brasil aumentou em 9.128 casos, chegando a 53.646. Destes, 68% envolvem pessoas negras – ou seja, 36.479 são homicídios contra negros. Entre os mais de 36 mil casos, 53,3% inclui a faixa etária de 15 a 29 anos, e incríveis 93,8% foram contra o sexo masculino. Em São Paulo, centro econômico do país, afrodescendentes são duas vezes mais executados pela polícia. O único estado do país em que a proporção é favorável aos negros é o Paraná.
Nos Estados Unidos, os dados também são agravantes. Uma pesquisa do grupo Black Riders, que estuda a violência contra negros pelo mundo, um afroamericano é morto a cada 28 horas no país. Destes, 85% estão desarmados na hora do homicídio. Em Nova York, cidade americana mais populosa, 80% das pessoas abordadas pela polícia são negras. Na última pesquisa carcerária divulgada pelo Departamento de Justiça dos EUA, as estatísticas mostravam que os homens afroamericanos corriam seis vezes mais riscos de serem presos do que homens brancos.
A semelhança entre Brasil e Estados Unidos não é coincidência. Para o doutor em história social Carlos Alberto Medeiros, o panorama de um deles influencia diretamente o outro. O especialista fez um balanço histórico entre ambos e refletiu sobre as mudanças de comportamento que um causava no outro:
— Eu costumo dizer que Brasil e Estados Unidos sempre se compararam. É um jogo de espelhos, um olhando pro outro em cima da questão racial. Essa comparação é quase inevitável se pensarmos que na origem são duas sociedades constituídas por indígenas que foram dizimados e africanos que foram trazidos como auxiliares involuntários na colonização. De um ponto de vista progressista, o Brasil era considerado melhor, já que não existiam aqui formas tão extremas de discriminação. Tínhamos segregação por costume, não por lei. Havia uma polaridade: Brasil positivo e Estados Unidos negativo, e ela durou até os anos 60, quando começam a acontecer mudanças na lei americana, e aí, para pelo menos um grupo da sociedade brasileira, os Estados Unidos passam a ser um modelo de luta.
A questão racial pode ser vista também como um problema que vai de baixo para cima. Caó acredita que o cenário político é o princípio causador do racismo e reflexo do preconceito:
— A questão da discriminação tem seus traços culturais, mas é, sobretudo, política. O censo mostra que o negro é maioria, mas não está no poder. Isso é fruto da discriminação. Hoje em dia, ela é menor, mais combativa, mas ainda existe. Não há uma identidade do eleitor negro com os elegíveis. Isso é resultado do preconceito. O preconceito bate forte.
Caó acredita, porém, que, com o tempo, esse panorama vai melhorando, mas retifica que ainda há um longo caminho a ser percorrido:
— Hoje você observa o Censo e vê que um negro já sabe que é negro, já é consciente e não tolera discriminação. Mas ainda temos muitos avanços a dar. O Brasil tem quantos anos de racismo? São quase quatro séculos. Então, a mudança na cabeça das pessoas não é repentina . As coisas avançam gradativamente, não é um país de avanço instantâneo. Assim como a abolição da escravatura, esse processo (de acabar com o racismo) é gradual e ainda está incompleto.
*Texto produzido para a disciplina Redação em Jornalismo Impresso, ministrada pelo professor Chico Otávio, pelos alunos Andressa Hernandes, Bárbara Baião, Bruno Tortorella, Camila Coriolano, Danielle Chan, Diego Mello, Diogo Honorato, Elsa Maffia, Fernanda Aragão, Julia Cople, Layssa Soares, Lola Ferreira, Luana Montone, Luciana Lacerda, Manuela Bomfim, Marina Ferreira, Nathalia Marins, Nicoli Crivoi
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