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Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2024


Mundo

"Brasil é grande potência, tem razão em querer lugar na ONU"

Maria Clara Parente - aplicativo - Do Portal

10/05/2015

 Paula Bastos Araripe

O Brasil, por ser “um país muito influente na ONU” e natural liderança latino-americana, mereceria tomar parte do Conselho de Segurança das Nações Unidas, afirmou o pesquisador americano Stephen Schlesinger, uma das maiores autoridades em história das Nações Unidas, que esteve semana passada na PUC-Rio para conferência sobre o papel dos Estados Unidos e da União Soviética na criação da ONU, no fim da Segunda Guerra, há 70 anos. Ele defendeu mudanças urgentes na composição do Conselho, um dos mais importantes órgãos da ONU, composto por 15 países-membros, cinco permanentes (Estados Unidos, a França, o Reino Unido, a Rússia  e China) e dez temporários, com a função de assegurar a segurança e a paz no mundo.

– O Conselho de Segurança deveria ser formado pelas potências de hoje, e não as de 1945. Deveria haver uma reforma que refletisse essas mudanças. Hoje, que importância tem a França? E a Inglaterra? Essa condição de ter tudo congelado em 1945 não pode continuar.

Stephen Schlesinger ressaltou a necessidade de o Brasil se envolver mais nas questões políticas globais, como o terrorismo. Ele lembrou que, ao criar a organização, o presidente americano Franklin Roosevelt defendeu a entrada do país como o sexto país permanente no Conselho de Segurança, representando a América Latina – o que não ocorreu, segundo o especialista, devido à tímida participação do país na Segunda Guerra: “Membros permanentes devem se manifestar sobre todas as questões globais”.

O especialista, autor de diversos artigos e livros sobre a ONU, vê o Brasil – país que por mais vezes foi membro temporário (dez vezes) – como forte candidato a membro permanente, mas acredita que o país tem longo caminho até que isso de fato aconteça:

 Paula Bastos Araripe – O Brasil naturalmente ambiciona estar no Conselho de Segurança, e tem razão de pedir isso. Perguntei ao (ex-)secretário-geral da ONU Kofi Annan sobre a possibilidade de expansão do Conselho e se o Brasil seria um novo membro a ter o lugar. Ele explicou que o problema estava em o Brasil ser aceito como representante da América Latina. A Argentina quer estar lá, o México quer estar lá, a Venezuela quer estar lá. Mesmo na formação original, ninguém estava satisfeito em ter um país representando sua região. Além disso, países com poder de veto podem barrar novos membros. Esses dois obstáculos são difíceis de vencer. Por outro lado, o Brasil é um país muito influente na ONU, o que foi provado todas as vezes em que foi membro rotativo, e pelo próprio fato de ser uma potência desta região – afirmou.

Em entrevista ao Portal PUC-Rio Digital, Schlesinger – filho do historiador americano e crítico social Arthur M. Schlesinger, Jr. (1942-2007), que foi interlocutor de líderes políticos norte-americanos como os ex-presidentes Franklin Roosevelt e John F. Kennedy (com ele na foto) – comentou ainda o fim do embargo comercial a Cuba, depois de 55 anos:Reprodução

– O que Barack Obama fez foi o que qualquer presidente americano já deveria ter feito há pelo menos 20 anos. Os Estados Unidos finalmente perceberam que o embargo não mudava a política ditatorial dos irmãos Castro. Ou seja, politicamente, o bloqueio não funcionava, era ridículo. Obama percebeu que um acordo era a melhor opção, até porque Cuba não representa nem nunca representou uma ameaça aos EUA. Não há o que temer em relação a Cuba.

Prevista para a segunda-feira, 4, a conferência na PUC-Rio teve de ser adiada para o dia seguinte porque Schlesinger estava sem seu visto para o Brasil. Após 12 horas de viagem, o pesquisador de 72 anos apresentou-se bem-disposto ao auditório lotado de estudantes e professores da PUC e de outras instituições, incluindo estudantes de Ensino Médio, que fizeram-lhe perguntas.

Assista aqui à íntegra da conferência

A seguir, outras declarações de Schlesinger, membro sênior da Century Foundation e colaborador regular de veículos como The Washington Post, The New York Times Book Review, Los Angeles Times, The World Policy Journal, The Nation Magazine, The New York Observer, Huffington Post.

SOBRE O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU

Paula Bastos Araripe  “As brigas na ONU são parecidas com brigas de colégio. Cada um tem o seu ponto particular, e todos querem ser contemplados. Todo mundo tem que ficar satisfeito. É um quebra-cabeças.”

“Há um pensamento de que, se aumentar o número de membros, será mais difícil tomar decisões, e os processos podem ficar mais lentos, e de que, se um mecanismo funciona bem, não há por que mexer nele. Por outro lado, muitos países no mundo acham que as decisões do Conselho de Segurança não são legítimas, porque os cinco países permanentes são os países mais poderosos de 1945, que dificilmente podem ser considerados países poderosos hoje.”

SOBRE TERRORISMO

“A ONU tem dificuldades em chegar a um consenso sobre o que pode ser considerado terrorismo, porque uma pessoa que luta pela democracia violentamente num governo ditatorial e opressivo, por exemplo, pode ser considerada terrorista, mas por outro lado a população pode considerar que aquela pessoa luta pela paz. Mas a ONU chegou ao entendimento de que o terrorismo seria a noção fundamentalista, religiosa ou ideológica capaz de fazer com que se mate ou morra. A conclusão geral é que terrorismo é a noção fundamentalista de que se podem explodir pessoas, mesmo que seja ideológico ou religioso. Houve muitas resoluções por ocasião do 11 de Setembro, quando o Conselho de Segurança votou por lutar contra a Al-Qaeda. Criaram a Agência Antiterrorismo na ONU contra fundamentalistas, o que hoje luta contra o Estado Islâmico no Oriente Médio. Mas, se houver dúvida sobre ser ou não terrorismo, o conselho acaba vetando, e nenhuma ação é tomada.”

SOBRE A GUERRA NA SÍRIA

 “O problema da ONU ser uma organização mundial faz com que nem sempre tenha recursos ou estrutura para resolver todas as crises. No caso da Síria, no Conselho de Segurança, cinco países têm o poder de veto, e toda vez que a questão do Oriente Médio vem à tona com propostas para solucionar o problema, a Rússia veta essas propostas”.

SOBRE A HIPÓTESE DE A ONU FORMAR UM “GOVERNO MUNDIAL”

“Pode-se pensar que a ONU se aproxima de um governo mundial, mas não é representativo, não é democrático, porque as delegações não são eleitas. São delegações de vários países, e algumas dessas nações são democracias, outras são ditaduras, outras estão no meio do caminho. É muito difícil fazer com que os países concordem em perder autoridades. É um dilema. Para chegar a esse passo, eu não vejo isso no próximo século. Muitos países iriam resistir, são muitas variáveis. Acho que devemos ficar felizes pela existência da ONU como o melhor que podemos ter no momento”.

 Paula Bastos AraripeA conferência na PUC-Rio foi organizada pela professora Monica Herz, professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e coordenadora do Núcleo de Política Internacional e Agenda Multilateral do Brics Policy Center, em parceria com o Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (Unic Rio). O diretor do Unic Rio, Giancarlo Summa, lembrou que a ONU foi criada com atenção especial para a segurança mundial, a fim de evitar uma nova guerra, mas desde o início também estavam previstos esforços pelos direitos humanos e pelo desenvolvimento sustentável, aspectos que foram ganhando peso.

– A ONU era uma instituição razoavelmente enxuta no começo. Hoje, tem uma estrutura muito maior, com mais de 30 braços, fundos, agências e programas especializados que trabalham com questões específicas, várias das quais nem se imaginavam em 1945, por exemplo, a questão do meio ambiente, que não era um conceito utilizado há 70 anos. Assim como o trabalho da ONU para a redução de HIV, que foi criado quando passou a haver necessidade nos anos 80.” Diante de novos desafios, novas formas de funcionamento são adotadas e por isso ela suscita muitos sonhos e o nível de exigência é bastante elevado, o que faz com que cada um em suas áreas queira mais representatividade, mas se formos pensar em termos de evitar uma guerra mundial ela é bem-sucedida: “É evidente que o mundo seria um lugar bem pior se não houvesse as Nações Unidas”.