Pedro Antônio Guimarães* - aplicativo - Do Portal
03/03/2015O Dia da Música Clássica foi criado em homenagem ao compositor Villa-Lobos (1887-1922), nascido num 5 de março, mas pouco se fala da característica educadora do músico. Pioneiro no Brasil, durante o Estado Novo de Vargas, Villa-Lobos fundou o Canto Orfeônico, disciplina que inaugurou a prática das aulas de educação musical, no início do século XX. Em 2008, durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o estudo da música no Brasil, interrompido em 1960, voltou a ser obrigatório.
– Villa-Lobos fez algo no século passado que influenciou toda uma geração de músicos, nomes como Paulinho da Viola, Joyce e Edu Lobo. Além de grande maestro e compositor, é acima de tudo um grande educador. A ideia do maestro era “formar uma plateia, e não necessariamente músicos – declara a pesquisadora musical Ermelinda A. Paz, autora de três livros sobre o maestro.
A professora de percepção musical da Universidade Federal do Rio de Janeiro conta que seu interesse surgiu justamente quando estudou no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, atualmente o Instituto Villa-Lobos, da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro).
– E, quando estive na casa de Dorival Caymmi, por exemplo, para escrever um dos meus livros, ele revelou que a maior relíquia que guardava era um papel autografado por Villa-Lobos.
Apesar da sua ligação com elementos da música erudita, como violoncelo e o clarinete, aos 16 anos, quando saiu de casa, Villa-Lobos entrou para um grupo de choro e passou tocar violão, ambos desprestigiados à época. Esse foi seu primeiro contato com a música popular, fundamental para a formação, como afirma Ermelinda na biografia Villa-Lobos e a MPB:
– Essa fase marcou muito a sensibilidade do genial compositor. O contato com a música genuinamente brasileira iria influenciar toda a sua obra futura.
Na Semana de Arte Moderna de 1922, com o pé ferido, apresentou-se de chinelo de dedo. Muitos acharam na época que seria uma quebra de paradigmas. O choque do público com a mistura do erudito com o popular chamou a atenção, e a partir de então, a carreira de Villa-Lobos passou a ser marcada por essa ruptura. Professor de cultura brasileira da PUC-Rio, Gabriel Neiva entende que Villa buscava, assim como outros intérpretes da época, uma verdade do brasileiro.
– Assim como Oswald de Andrade e Mário de Andrade, Villa-Lobos buscava desvendar um Brasil de verdade, que para ele era otimista, e não por acaso foi utilizado pelo governo Vargas para moldar o seu regime político – destaca.
Com Getúlio Vargas no poder, tanto em 1930 como no Estado Novo (1937-1945),Villa-Lobos passou a ser o grande nome da música nacional. As Bachianas e o Guia Prático, importantes obras deste período, tornaram-se temas populares harmonizados para orquestras. Gabriel Neiva destaca a visão aglutinadora de Villa-Lobos, que ajudou Vargas a tentar criar um novo Brasil:
– Villa-Lobos expressa um Brasil de amplo diálogo com as vanguardas europeias, mas ao menos tempo dialoga com o que há dentro, como os barulhos rurais, urbanos, apitos, o estampido do sapato. Isso pode ser lido por esses governos ditatoriais como uma exaltação da nossa nacionalidade – entende o professor.
Ermelinda ressalta que, além de Villa, outros nomes modernistas estavam presentes na Era Getúlio por acreditar num Brasil novo.
– Todos os participantes da Semana de 22 fizeram parte da formulação do governo de Getúlio Vargas. Carlos Drummond de Andrade foi chefe de gabinete de Capanema durante o governo Vargas. Mesmo assim, ninguém diminui a obra de Drummond por participar do governo. O mesmo deveria acontecer com Villa-Lobos – defende Ermelinda.
Villa-Lobos e as mulheres
Heitor Villa-Lobos casou-se duas vezes. Com a primeira esposa, a pianista Lucília Guimarães, passou 23 anos incompletos. A segunda foi uma ex-aluna, Arminda Neves d’Almeida, conhecida como Mindinha. Em 1959, logo depois da morte do maestro, Mindinha fundou o Museu Villa-Lobos. Já em 1960 ela criou a publicação Presença de Villa-Lobos, que a cada ano trazia depoimentos de pessoas que conheceram o maestro.
Para a pesquisadora, grande parte do sucesso do compositor estava na característica de cada esposa.
– Lucília, medalhista de ouro em piano na UFRJ, viajou com Villa-Lobos para a Europa. Por lá, ela foi a grande intérprete das composições de Villa durante as audições para as óperas. Já a segunda esposa foi fundamental na preservação da obra do maestro, já que, no ano seguinte ao da sua morte, Arminda fundou o Museu Villa-Lobos – enfatiza.
“Considerei minhas obras como cartas que escrevi à posteridade, mas sem esperar respostas”
Villa-Lobos era muito amigo de compositores populares como Cartola, Donga, João da Baiana. Frequentava também o morro de Mangueira. Quando esteve por lá, a professora Ermelinda se surpreendeu:
– Dona Zica e Dona Neuma me disseram que Villa-Lobos, quando estava estressado, ia para lá encontrar um de seus melhores amigos, Cartola. Foi ele, inclusive, que ensinou Cartola a afinar o violão com o diapasão.
Em 2014 foi realizado o 14º Festival Villa-Lobos com o objetivo de resgatar intérpretes da música erudita, mas da forma como Villa-Lobos gostava: ser interpretado por músicos populares. Assim, nomes como Yamandu Costa, Marcos Suzano, Cristóvão Bastos, além da dança, de cinema e também do teatro, tornaram o festival cada vez mais atrativo. Na última edição, a homenagem foi a um contemporâneo de Villa-Lobos, o compositor erudito César Guerra-Peixe. E, para não perder o sentido proposto na obra de Villa-Lobos, o festival possibilita a estudantes de música aulas com nomes como o Quinteto Villa-Lobos, o Art Metal Quinteto, o Quarteto Radamés Gnattali, além da pianista Olinda Allessandrini. O Festival premiou ainda os melhores grupos de música de câmara. O primeiro lugar recebeu R$ 5 mil, além da possibilidade de um concerto na série Jovens Cameristas, no 53º Festival Villa-Lobos, a ser realizado no fim de 2015.
* Reportagem produzida para o Laboratório de Jornalismo.